O ano de 2021 começou com preocupação no Palácio do Planalto. A popularidade do presidente Jair Bolsonaro desabou após as ações do governo na pandemia e a crise da falta de oxigênio em Manaus.
Mirando as eleições de 2022, a perda de apoio da população passou a ameaçar mais diretamente o presidente, que hoje já corre por fora na disputa, ficando em segundo lugar em quase todos os cenários simulados por pesquisas eleitorais. Para tentar reverter o quadro, a economia é uma das principais apostas do governo.
Vendo seu principal concorrente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), avançar nas pesquisas de opinião, Bolsonaro passou a acionar sua equipe para mexer no Bolsa Família, programa criado pelo petista. A ideia inicial, sugerida ainda em 2020, era criar um benefício com parcelas de R$ 232 para 57,3 milhões de pessoas. O Renda Cidadã, como era chamado, iria englobar outros programas sociais do governo federal.
Entregue ao Congresso pessoalmente por Jair Bolsonaro (PL), o texto não trazia fonte de recursos e nem apresentava valor específico para as parcelas. A indefinição sobre os temas provocou reações negativas do mercado financeiro e de parlamentares, que não pautaram a MP do governo.
Por pressão da ala política e as suspeitas de que seria necessário mexer em benefícios previdenciários de aposentados, o Planalto recuou e o benefício virou assunto proibido.
Para tentar minimizar a perda de popularidade e assistir os brasileiros diante da iminência da chegada da segunda onda de Covid-19, foram criadas novas rodadas de pagamento do auxílio emergencial, que havia sido cortado no final de 2020. Com isso, o governo ganhou tempo para encontrar alternativas para viabilizar o reajuste do Bolsa Família.
No entanto, o benefício em 2021 não chegou nem perto do ano anterior: com valor menor e corte expressivo no número de beneficiários, a economia não se recuperou conforme o esperado, a inflação disparou e a popularidade do governo segue em queda. Segundo pesquisa do Datafolha divulgada em 19 de dezembro, Bolsonaro é pior presidente da história do Brasil para 48% dos brasileiros, quase metade do país . Como se não bastasse, seu principal oponente para 2022, Lula, é visto como o melhor mandatário da história da República por 51%.
O teto cai e o calote vem
Percebendo a onda positiva em torno do auxílio emergencial, Bolsonaro e sua equipe voltaram a debater o novo programa social, o Auxílio Brasil.
O governo, novamente, criou uma MP para oficializar o pagamento, mas, mais uma vez, sem informações de parcelas e fonte de recursos. Mesmo assim, o Congresso resolveu acatar o pedido da União e entrou nas negociações para viabilizar o novo benefício.
"O Auxílio Brasil vem da necessidade do governo Bolsonaro de deixar uma marca para a população. Governos anteriores deixaram marcas importantes para seus eleitores. FHC, por exemplo, criou o Bolsa Escola, o Lula reformulou e criou o Bolsa Família. Bolsonaro quer fazer a mesma coisa para deixar um registro popular para as eleições", afirma Ricardo Hammound, professor de economia do Ibmec-SP.
A primeira alternativa encontrada para bancar o auxílio permanente foi a reforma do Imposto de Renda, que chegou a ser aprovada na Câmara dos Deputados, mas não teve boa aceitação no Senado. Com a segunda rodada do auxílio emergencial chegando ao fim, o governo se mobilizou para encontrar manobras e pagar o novo programa ainda em 2021.
Ao receber do Supremo Tribunal Federal (STF) o valor que deveria ser pago em precatórios no próximo ano (R$ 89 bilhões), o Ministério da Economia se disse surpreso e logo partiu para a segunda sugestão: parcelar os precatórios e usar a folga para reajustar o programa social em parcelas de R$ 400. A proposta logo foi rechaçada por especialistas e congressistas, que consideraram a medida como um calote.
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"Na verdade a PEC [dos Precatórios] continua sendo um calote. Precatório é uma decisão que já não cabe mais recurso, então, você tem que pagar. Se você não paga ou se atrasa seu pagamento, você está dando calote", analisa Hammound.
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"O reajuste do Bolsa Família sempre foi necessário. Aumentar programas sociais ajuda a reduzir a situação de crise no país. Mas a forma em que foi feita, com certeza, não é a adqueda", completa o professor de economia do Ibmec-SP.
Após diversas negociações entre Planalto, Congresso e Judiciário, uma solução encontrada pelo presidente do STF, Luiz Fux, e por técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU), aumentou a esperança do governo em pagar o novo programa social e, de quebra, alavancar a popularidade de Bolsonaro.
Em vez de parcelar as dívidas judiciais, se criaria um teto para precatórios em 2022. A base seria o valor pago em 2016, ano da criação do teto de gastos, reajustado anualmente pela inflação.
Embora especialistas ainda tenham considerado a solução um erro, o governo logo tratou de fechar um acordo para a votação da PEC dos Precatórios na Câmara e no Senado.
Dinheiro sempre é bom
Durante a tramitação na Câmara dos Deputados, o Ministério da Economia resolveu apostar em mais uma alternativa para aumentar a folga no Orçamento de 2022: alterar a regra do teto de gastos.
Atualmente, o mecanismo — que limita as despesas da União corrigidas pela inflação — é calculado entre junho do ano anterior e o vigente. O total é o reajuste de gastos do governo para o próximo ano.
A proposta do governo era computar o teto de gastos entre dezembro de 2020 e dezembro deste ano. Se fosse aprovada, a folga no Orçamento subiria para R$ 100 bilhões.
O texto foi discutido por comissões na Câmara até chegar ao plenário com certo atraso. Com forte resistência de deputados e possibilidade de não ter sua matéria aprovada, o governo recorreu ao Orçamento Secreto e liberou emendas para parlamentares destinarem aos seus redutos eleitorais, além de acatar mudanças no texto feita pelos parlamentares.
A PEC passou com aperto na Câmara. Foram 323 votos favoráveis e 172 contrários. Eram necessários 308 votos, em dois turnos, para a medida ir ao Senado, onde também foi aprovada, com diversas alterações, por 61 votos a favor e 10 contra.
"Essa mistura de Auxílio Brasil com precatórios é horrível. Você está misturando calote para aumentar os gastos com o programa social. Embora seja importante uma reformulação em programas sociais, o formato sugerido pelo governo não é saudável", opina Hammound, do Ibmec-SP.
Na última semana antes do recesso, a Câmara dos Deputados aprovou as alterações feitas pelo Senado e o Congresso promulgou a proposta que libera espaço no Orçamento de 2022. Além das parcelas do Auxílio Brasil, a verba deve ser destinada para reajuste salarial para profissionais da segurança pública e pode parar, também, na mão de parlamentares por meio de emendas para redutos eleitorais.