Nesta semana, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta resgatar o acordo com o Judiciário sobre o pagamento dos precatórios. A iniciativa acontece após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) divulgar a chamada "Declaração à Nação"
, na qual recuou das ameaças aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e pediu a harmonia entre os três Poderes.
Guedes estava preocupado com o tom usado por Bolsonaro durante as manifestações de 7 de setembro e com a possibilidade de que isso pudesse travar as negociações que vinham sendo feitas a respeito das dívidas judiciais, os precatórios. Mas, de acordo com o ministro, a situação foi amenizada após o presidente voltar atrás, no texto publicado na última quinta-feira (9).
Agora, Paulo Guedes deve se reunir com os presidentes do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Um encontro com o presidente da Suprema Corte, Luiz Fux, no entanto, deve ficar para a semana que vem.
Mas o que são precatórios?
Segundo a economista Julia Braga, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), os precatórios são títulos expedidos pelo Poder Judiciário que reconhecem uma dívida de um ente público (governo federal, estados e municípios ou alguma de suas autarquias e fundações), após uma condenação judicial definitiva, ou seja, em que não há mais recurso. "O que isso significa? Uma pessoa entrou com uma ação na Justiça contra um ente da federação. Se ela ganhar essa ação, o Judiciário emite uma "promessa" de um pagamento monetário para ressarci-la", explica.
PEC dos precatórios
Chamados de "meteoro" por Paulo Guedes, os precatórios têm sido uma das principais preocupações de Bolsonaro e de sua equipe econômica. Isso porque essas dívidas judiciais devem chegar a R$ 89 bilhões no ano que vem. O governo defende que precisa de uma solução para a questão para abrir espaço no Orçamento de 2022 e reestruturar o programa Auxílio Brasil , o substituto do Bolsa Família.
Por isso, em agosto, Guedes apresentou ao Congresso Nacional a chamada PEC dos precatórios
. A proposta prevê o parcelamento da dívida. Os valores acima de 60 mil salários mínimos (R$ 66 milhões) poderiam ser pagos em dez parcelas, sendo 15% à vista e o restante em parcelas anuais. Mas a ideia foi duramente criticada por especialistas e considerada uma forma de "calote"
.
"Não é constitucional fazer esse parcelamento. O governo federal tem a obrigação de quitar essa dívida. Todo ano vão surgindo novos precatórios. Então não adianta no ano que vem o governo parcelar, porque, no ano posterior, vão surgir novas emissões - novas necessidades de a União, os estados ou os municipios ressarcirem as pessoas que ganharem as causas", afirma Julia.
"O governo federal poderia ter planejado melhor essa situação dos precatórios, porque acompanha com o Judiciário. Mas, de fato, não controla esses gastos. Agora, ele deve cumprir a regra do teto de gastos, que também está na Constituição e é uma regra extremamente restritiva, especialmente para o momento que a economia atravessa. Então, realmente, o governo entrou num problema", completou a economista.
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Negociações com o STF
Durante as negociações sobre os precatórios, o presidente do STF, Luiz Fux, informou que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do qual também é presidente, poderia atuar como mediador para regulamentar essa questão. O magistrado, inclusive, propôs sua própria solução para o problema.
A sugestão de Fux era a de congelar os gastos com precatórios no patamar de 2016 - quando foi criado o teto de gastos - e corrigir o valor da despesa a partir do acréscimo da inflação de cada ano. Dessa forma, seriam pagos cerca de R$ 40 bilhões aos credores, e os R$ 49 bilhões restantes ficariam fora do orçamento.
Paulo Guedes aprovou a ideia do ministro do STF, a qual considerou "mais efetiva, mais rápida e mais adequada juridicamente" do que a chamada "PEC do Calote". Porém, a proposta já vinha perdendo força, devido à ausência de unanimidade entre os ministros do Supremo com relação à solução via CNJ. As declarações golpistas de Bolsonaro no 7 de setembro e as manifestações antidemocráticas da semana passada também atrapalharam os diálogos.
Recuo de Bolsonaro na carta pode amenizar os conflitos com o STF?
Na opinião do cientista político Alberto Carlos de Almeida, sim, mas depende da continuidade. "A gente não sabe, por exemplo, se ele vai voltar a convocar manifestações para 15 de novembro - ele andou falando que ia. Esse recuo verbal, assinado pelo ex-presidente Michel Temer, será consolidado caso Bolsonaro não convoque nenhum ato. Se convocar, o recuo vai ser de uma valia muito temporária", diz ele.
A questão dos precatórios pode atrapalhar os planos de reeleição de Bolsonaro?
Como já mencionado na reportagem, o novo Bolsa Família depende da solução dos precatórios. Alguns críticos consideram que a não reestruturação do programa seria extremamente prejudicial para a popularidade do presidente Jair Bolsonaro.
"Há essa crença de que aumentar o valor do Bolsa Família poderia ajudar o Bolsonaro na reeleição. Porém, pode ser que não ajude. O pano de fundo hoje é muito ruim: inflação, desemprego, recessão, e aí, ele vai lá e dá o aumento do Bolsa Família. Isso não tem o mesmo impacto que teria se o pano de fundo fosse com a economia indo bem. Eu acho que o governo pode estar fazendo uma aposta equivocada", defende Almeida.