Renda Cidadã, Renda Brasil, e finalmente Auxílio Brasil. Em 9 de junho do ano passado, o governo prometeu criar um programa social para chamar de seu. Nesta sexta-feira (22), 500 dias depois, o benefício já mudou de nome e de valor, mas segue sem definição.
A princípio, a ideia era que o programa pagasse uma média de R$ 232 para 57,3 milhões de pessoas. O ministro da Economia, Paulo Guedes, queria proporcionar uma "aterrissagem suave” quando o auxílio emergencial fosse interrompido.
O governo levou 14 meses para elaborar a Medida Provisória (MP) que cria o benefício, e, em agosto de 2021, o presidente Jair Bolsonaro foi pessoalmente entregar o texto ao Congresso – sem valor específico e sem descrição da fonte de recursos. Essas incertezas fizeram com que o texto sequer fosse pautado. Se não for votada em 47 dias, a MP perde a validade.
Até mesmo o relator do projeto na Câmara dos Deputados, Marcelo Aro, criticou a indefinição sobre o programa que chamou de “obra eleitoral”. “Quem faz mal feito, faz duas vezes. Virou a casa da mãe Joana”, disse nesta terça-feira (19), após o governo adiar o anúncio devido à reação negativa do mercado financeiro e da área técnica da Economia.
O arranjo final garante parcelas de R$ 400 até dezembro de 2022 para 18 milhões de famílias. Para viabilizar o aumento, a PEC dos precatórios foi utilizada para alterar a regra de correção do teto – que limita o crescimento de despesas à inflação – e assim abrir um espaço fiscal de cerca de R$ 83 bilhões. A manobra fez com que quatro secretários da Economia abandonassem a pasta.
Não tinha teto, não tinha nada
No decorrer desses 500 dias, a equipe econômica bolou três possíveis fontes de recurso para o Auxílio Brasil: a PEC dos precatórios, que parcela dívidas judiciais da União, a reforma do Imposto de Renda (IR), por meio da tributação de dividendos e, por fim, a mudança no cálculo do teto.
Leonardo Ribeiro, analista do Senado e especialista em contas públicas, diz que as propostas fazem parte da "estratégia política do governo para enfrentar a reeleição". O arranjo pensado com a cabeça nas urnas envolve uma engenharia financeira complexa:
"O governo pretende criar um programa social parcialmente temporário para não precisar compensa-lo fiscalmente e cumprir a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). Ainda assim, precisa de espaço no teto para viabilizar o benefício. Ao mesmo tempo, o plano eleitoral também precisa resolver as despesas obrigatórias, subestimadas no orçamento, as emendas de relator e ainda deixar espaço para margem de manobra. Tudo isso soma no mínimo R$ 70 bilhões", explica.
O "pacote eleitoral", no entanto, vai custar caro para o saneamento das contas públicas. Ribeiro ressalta que o arsenal de bombas fiscais terá impacto negativo também em outros entes federativos e que o projeto do IR amplia o rombo em pelo menos R$ 30 bilhões.
"Estão fazendo a tática usada pelo governo que criou o teto: jogar a bomba fiscal para o futuro. Só que dessa vez os mercados vão cobrar prêmio de risco", avisa.
André Braz, coordenador do IPC (Índice de Preços ao Consumidor) do FGV IBRE (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), reforça que sem respeito à âncora fiscal, esses cálculos para tirar o Auxílio Brasil do papel podem ser "um tiro no pé".
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"Se você não cumpre o teto de gastos, você gera ruídos na economia. Essa incerteza faz o dólar subir e a desvalorização cambial se transforma em inflação, que vai diminuir o poder de compra dos menos favorecidos", comenta o economista e lembra que o Ibovespa caiu 6,04% só nesta semana, enquanto o dólar disparou 3,65%.
Para buscar uma solução duradoura, Braz afirma que o Brasil precisa "fortalecer a parte fiscal e investir pesado em educação" com objetivo de aumentar a credibilidade e, consequentemente atrair investimentos, gerando emprego e renda para diminuir as desigualdades.
Populismo?
“Aprendemos durante toda essa crise que haviam 38 milhões de brasileiros invisíveis e que também merecem ser incluídos no mercado de trabalho”, disse Guedes em junho do ano passado durante a reunião ministerial que selou a criação do que viria a ser o Auxílio Brasil.
Nesses 500 dias, o cenário que já era ruim, piorou. O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), que mede a inflação oficial do país, acumula 11,91% e taxa de desemprego que estava em 13,3%, subiu para 13,7%. Sem contar as 567.320 mortes provocadas pela pandemia de Covid-19 no período.
Se um programa social robusto já era necessário no ano passado, hoje se mostra ainda mais, no entanto, a turbinada nos valores não é garantia de resultado positivo a longo prazo.
Ribeiro enfatiza ser "fundamental" prestar assistência aos mais vulneráveis, mas a falta de planejamento pode disparar gatilhos que afetam a credibilidade das instituições do país, tudo isso com foco exclusivo nas eleições do ano que vem.
"Não está havendo preocupação com a qualidade do gasto e isso pode custar caro no curto e no médio prazo. Estão sendo gerados passivos ocultos com a PEC dos precatórios, renúncias fiscais na reforma do IR e o teto de gastos está sendo desmontado. Em última análise, a LRF restará novamente sendo a âncora fiscal", explica.
A tentativa de recriar um programa social após 18 anos do Bolsa Família rompe com a consolidação que ocorreu via Cadastro Social Único e afeta a gestão e a sustentabilidade dos programas assistenciais. Braz, da FGV, diz que a medida pensada às pressas é eleitoreira e soa populista.
"O problema do desemprego e da pobreza no Brasil é muito amplo. Esses programas deveriam ser transitórios e devidamente financiados. Esse aumento me parece uma proposta populista", opina. "Valores dessa natureza, R$ 300, R$ 400, não suprem as necessidades reais das famílias, é apenas uma ajuda para complementar a renda. Sem aumento de produtividade, nada vai mudar."
"Isso parece aquela migalha que você distribui em período eleitoral, mas que não resolve o problema drástico da desigualdade. É pensar pequeno", finaliza.