Quem olhou o Boletim Focus no dia 31 de dezembro de 2020 foi dormir tranquilo. Segundo a última previsão do ano passado, 2021 teria inflação de 3,32% — dentro da meta de 3,75% —, crescimento de 3,40% do PIB (Produto Interno Bruto) e Selic em míseros 3% ao ano. Um paraíso se comparado aos números de hoje. O que aconteceu?
O otimismo era justificável. Após queda de 4,1% na atividade econômica provocada pela pandemia, a promessa de avanço na vacinação e nas reformas provocou euforia nos mais de 100 economistas do mercado financeiro que formulam o Boletim. "Se o governo não fizer nada cresce 3%", especulava-se.
Novas variantes da Covid-19, descontrole inflacionário e fiscal fizeram cair por terra todas as previsões, e agora 2021 vai terminar com ar melancólico na economia.
PIB
A soma de todos os bens e serviços produzidos no país recuou pela segunda vez seguida no segundo trimestre deste ano, o que afundou o país em recessão técnica . Hoje o PIB está 0,1% abaixo do patamar registrado no fim de 2019, período pré-pandemia, e 3,4% abaixo do ponto mais alto da série histórica, no primeiro trimestre de 2014.
Um dos principais fatores que atrasaram a retomada da economia foi a inflação. Como 60% do PIB é consumo das famílias, a alta nos preços diminuiu a intenção de compra e retardou o reaquecimento da atividade econômica.
"Esse elemento [inflação] por si só retrai a demanda interna, o que já pôde ser observado no terceiro e quarto trimestre de 2021. Os índices de comércio, serviços e indústria acabam desacelerando em comparação com 2020", defende a professora de economia da UFF (Universidade Federal Fluminense), Julia Braga.
Além disso, esse ano foi marcado por uma contração fiscal em relação a 2020, ou seja, gastou-se menos com estímulos para conter a pandemia, como o corte no auxílio emergencial, por exemplo.
"Isso o Brasil fez na contramão do mundo. Enquanto todos os países mantiveram os gastos sociais, o Brasil retirou precocemente em meio à pandemia", critica a economista, acrescentando que em 2022 haverá nova contração nos gastos públicos, incapacitando até mesmo o atendimento ao setor privado.
O mundo, no entanto, permanece otimista para o ano que vem, o que pode beneficiar o Brasil. O FMI (Fundo Monetário Internacional) prevê expansão do PIB global para 4,9% em 2022 e de 1,5% para o Brasil.
"A demanda externa pode continuar robusta beneficiando a exportação, mas isso não é suficiente para dinamizar a economia de um país continental como o Brasil", afirma Braga.
IPCA
Para quem esperava uma inflação de 3,32%, conviver com alta de 10,74% nos preços não é nada fácil. Entre os itens que mais subiram estão: os combustíveis, que acumulam 38,29% de variação no ano; a energia elétrica com alta de 30,27% no ano; e o gás de botijão, que já subiu 37,86% em 12 meses.
A inflação está alta no mundo todo, mas o Brasil se destaca ocupando a 3ª posição entre os países do G20 que mais observaram elevação no índice de preços. Isso porque no ano, além de o real ter desempenho fraco ante ao dólar, sendo a 38ª moeda que mais se desvalorizou no mundo , o Brasil também enfrentou a pior crise hídrica dos últimos 91 anos.
André Braz, coordenador do IPC (Índice de Preços ao Consumidor) do FGV IBRE (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) diz que a inflação brasileira mais forte do que no restante do mundo deve-se à soma de desvalorização cambial com aumento dos preços das commodities.
"Quando há aumento de preço em dólar, o efeito dentro do país que sofreu desvalorização é muito maior, isso desafiou mais o Brasil. Sem contar a crise hídrica, que encarece a conta de luz diretamente, e indiretamente sustenta aumento de preços em outros segmentos como o industrial e de serviços, dado que a energia é um recurso importante para qualquer atividade econômica", explica.
Outro fator que contribuiu para o "espalhamento" da inflação foi o preço do diesel, que acumula alta de 65,5% nas refinarias em 2021, encarecendo o frete e o transporte público.
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Selic
Para tentar tomar as rédeas da inflação, o Banco Central elevou a taxa básica de juros Selic para 9,25%, maior patamar desde 2017 . Os juros subiram 7,25 pontos percentuais em 2021, avanço mais expressivo da série histórica.
Ainda assim, economistas dizem que o Copom (Comitê de Política Monetária) está "dormindo no ponto" e deve elevar ainda mais a referência. Com isso, o cenário para investimentos tende a se deteriorar ainda mais, e o mercado começa a falar em recessão em 2022, apesar das estimativas positivas do Ministério da Economia.
"A Selic está subindo forte. A expectativa é que em março do ano que vem esteja em 11,75%. Esse patamar deve conter a inflação, mas só a partir do segundo semestre, se nenhum efeito contrário acontecer", comenta Braz. "A inflação vai persistir, vai desafiar a gente pelo menos ao longo do 1º semestre e aí gradualmente começa a desacelerar", finaliza.
Julia Braga, da UFF, pontua que o encarecimento do crédito deve afetar também a capacidade de crescimento em 2022. O próprio Banco Central já reduziu a estimativa de alta do PIB pela metade prevendo juros altos no ano que vem.
Tudo isso pode ser em vão, segundo o diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). Isso porque a Selic alta não ataca a raiz do problema, que está no custo dos produtos, e não na demanda.
"Não acredito em redução da Selic ao longo de 2022, mesmo que a inflação ceda, a expectativa é que gire em torno de 7% ou 8%. Não é suficiente para baixar a taxa de juros. Em especial porque de alguma forma o que o BC faz não tem eficiência já que a inflação é de custo e não de consumo. Os juros inibem o consumo, diminuem o crescimento, mas não resolvem o problema dos custos", ressalta o especialista.
Câmbio
Ainda no ano passado, o ministro Paulo Guedes havia dito que o dólar só chegaria a R$ 5 "se o governo fizer muita besteira". A taxa não só atingiu o 'patamar da besteira' no ano passado, como se manteve em 2021. Hoje a moeda bate R$ 5,74 e, segundo o Boletim Focus, fechará o ano em R$ 5,60.
Nem os juros altos foram capazes de atrair o capital internacional. A pandemia e os riscos de descontrole fiscal elevaram a cotação da moeda americana e os investidores buscaram reservas de maior segurança. O atraso com as reformas administrativa e tributária, além das manobras para furar o teto de gastos afugentaram o fluxo de capital e pesaram negativamente para o desempenho do real.
"O real e uma boa parte das moedas subdesenvolvidas desvalorizaram com a pandemia, mas no Brasil a situação foi pior porque os investimentos fogem de países de risco. Aí entra o governo, nós arrastamos a pandemia para além do necessário, confusão de 'vacina não vacina', que vivemos até agora com a situação da Anvisa , mostra um pouco o que o mercado olha e fica com dúvida" explica Fausto Augusto, do Dieese.
"Por outro lado, as empresas nacionais, em geral, tendem a produzir menos, ou seja, importar menos, demandar menos dólar, além de adiar investimentos, o que pode diminuir o preço do câmbio pela falta de demanda. Esse ano a taxa de endividamento das empresas está declinante, e elas devem precisar de menos dinheiro do exterior", finaliza o especialista.
Perspectivas para 2022
Ano que vem é ano eleitoral, o que deve aumentar a instabilidade política, respingando em aspectos econômicos. "Eleição é sempre uma incógnita. O governo Bolsonaro coloca questões para além da ordem democrática e cria maior instabilidade, o que joga o câmbio para cima", opina Fausto Augusto, do Dieese.
Braz, da FGV, além de esperar a Selic em 11,25%, estima que a inflação termine o ano em 5,2%, bem acima da meta de 3,50%, podendo variar até 5%. O Banco Central espera uma inflação de 4,63%.
No exterior, o Brasil precisa se manter atento tanto ao apetite por commodities, principal elemento que sustenta a balança comercial do país. Além disso, a taxa de juros norte-americana também deve afetar o crescimento do país.
"Se os EUA aumentarem a taxa de juros pode puxar os investidores para o país e aí você tem o pior do mundos. Vamos ter juros altos, desemprego alto, renda caindo e taxa de câmbio subindo porque os Estados Unidos estarão mais atrativos", diz Fausto Augusto.