Desde a vitória de Jair Bolsonaro
nas eleições do ano passado, subiu o tom da briga
estéril que a direita e a esquerda travam no Brasil desde o tempo dos governos petistas.
Essa briga, que se alimenta muito mais de acusações sem fundamento do que de dados e informações, faz muito barulho, mas tem pouca substância.
Para os da direita, todas as ações do governo Bolsonaro têm o objetivo de tirar o país do abismo em que ele despencou depois das vitórias do PT em quatro eleições presidenciais consecutivas.
Artigo: De costas para o Brasil
Para os da esquerda, o Brasil está se desviando da rota virtuosa que vinha seguindo sob os governos petistas e todas as decisões tomadas em Brasília — sobretudo em matéria de política ambiental, política cultural e educação
— têm o objetivo de destruir o legado de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
É impressionante. Qualquer declaração ou manifestação
de preferência que parta de
pessoas identificadas com um dos lados se volta imediatamente contra o autor. Basta
que ele cometa um deslize ou se equivoque em algum dado para suas palavras passarem
a ser vistas pelos adversários como a prova definitiva dos erros da outra parte.
Alinhamento automático
Veja por exemplo, o tratamento que vem sendo dado à declaração inoportuna do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump a respeito do aço brasileiro.
Com a cabeça posta nas eleições de 2020 e se dirigindo diretamente a seu eleitorado mais fiel, Trump anunciou a intenção de sobretaxar as exportações de aço e de alumínio do Brasil e da Argentina para os Estados Unidos.
Leia também: Um imenso Portugal
A declaração foi considerada uma prova dos erros que o Brasil
cometeu ao tentar se alinhar automaticamente ao governo americano.
Bolsonaro foi, tudo indica, pego de surpresa pelas palavras de Trump e, ao invés do destempero que demonstra diante das declarações de seus adversários, fez o que se espera de um presidente sensato em horas como essa: pediu calma.
Mas, como era de se esperar, ele foi criticado assim mesmo. Ao abrir a boca, Trump não anunciou qualquer medida oficial .
Apenas se expressou com o linguajar típico de um presidente que enxerga a economia mundial como se fosse o pano verde dos cassinos dos quais foi dono e que lhe deram parte de sua fortuna.
Desde que assumiu seu mandato, Trump se comporta como se tivesse nas mãos cartas mais altas do que tem de fato. E sempre demonstra uma predisposição incrível para blefar.
Direções contrárias
Bolsonaro, é o que parece, se equivoca ao se alinhar a Trump da forma eloquente como vem fazendo desde antes de sua posse. Mas, se isso é verdade, não é o primeiro a errar por querer transformar suas preferências em política de Estado .
A maneira com que os governos petistas lidaram com os Estados Unidos e com os demais países do mundo em seus mais de 13 anos de poder sempre foi pautada mais pelas simpatias e afinidades pessoais dos governantes do que pelos objetivos comerciais estratégicos do país.
Bolívia: O lado positivo da crise
Senão, vejamos. Desde que Luiz Inácio Lula da Silva
tomou posse e seu assessor para assuntos
internacionais Marco Aurélio Garcia passou a mandar mais no Itamaraty do que o próprio ministro das Relações Exteriores Celso Amorim, o governo passou a tomar decisões que custaram caro ao país.
Em nome do objetivo de conquistar uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU, Lula pôs o Brasil para tomar decisões que beneficiavam muito mais aos países governados por presidentes e ditadores com os quais tinha afinidade ideológica do que a seu próprio país.
Ninguém está querendo aqui, avaliar se Lula estava certo ou errado ao se aproximar do venezuelano Hugo Chávez — nem dizer que Bolsonaro tem ou não tem razão ao manifestar de forma tão clara suas preferências por Trump.
O que está sendo dito é que, nesse particular, os governos petistas não têm moral para criticar o governo atual. Todas as decisões diplomáticas tomadas enquanto o PT esteve no poder foram tão pautadas pela ideologia quanto vem sendo as de Bolsonaro. Só que indicavam na direção contrária.
A diferença, talvez, fosse o traquejo e a desenvoltura que Lula sempre demonstrou diante de líderes esquerdistas que ele já conhecia desde antes de chegar à presidência. Ele era, sim, mais bem tratado pelos países com os quais tinha afinidades do que Bolsonaro vem sendo tratado pelos seus aliados preferencias.
Independente disso, e em nome de suas preferências ideológicas , o petista tomou decisões que custaram caro o Brasil. Para ficar apenas com um exemplo rumoroso, basta lembrar que ele entregou de mão beijada a Evo Morales as refinarias e as instalações de gás que a Petrobras mantinha na Bolívia.
Bolsonaro: Mudar para ficar igual
Na ponta do lápis e na prática, isso custou ao país muito mais do que as manifestações de simpatia
de Bolsonaro em relação aos Estados Unidos.
Outra crítica frequente que vem sendo feita a Bolsonaro é a de que seu alinhamento automático aos governos de “direita” pelo mundo afora tem provocado arranhões importantes da imagem internacional do Brasil.
Também nesse ponto, ele não está sozinho. Em 2014, diante do que considerou excessos do exército israelense, após uma série de atentados do grupo terrorista Hamas, Dilma Rousseff mandou convocar para consultas o embaixador do Brasil em Tel Aviv.
Em linguagem diplomática, isso só acontece quando um país tem motivos sérios para se queixar do outro. O governo israelense deu de ombros e, em resposta, escalou um funcionário de segundo escalão para dizer que o Brasil tinha se tornado um “anão diplomático” .
Tanto a subserviência que Bolsonaro demonstra diante de Trump quanto as atitudes dos governos petistas em relação à esquerda (uma e outras motivadas por razões ideológicas), não acrescentam nada de positivo ao Brasil —país que, desde os tempos do Barão do Rio Branco, sempre foi respeitado pela forma com que conduzia sua política internacional.
Para ficarmos com apenas um exemplo de atitude que recebeu aplausos do mundo civilizado, convém mencionar que, em 1975, durante o governo de Ernesto Geisel e em plena Guerra Fria, o Brasil foi o primeiro país do mundo a reconhecer a independência de Angola.
Artigo: A torcida pelo fracasso
O Brasil era, na época, governado por militares
“de direita” e o país africano, ao se libertar de Portugal, passou a ter um governo comunista. Divergências à parte, o Brasil tinha objetivos comerciais e estratégicos na África e agiu movido por esses interesses. Há algo errado nisso?
Mais do que se preocupar com as afinidades ideológicas , o governo da época fez um cálculo simples: o Brasil tinha mais a ganhar do que a perder caso atraísse a parceria de Angola.
Bolsonaro, que tanto admira os governos militares por motivos nem sempre corretos, deveria se espelhar nessa lição positiva que eles deixaram: em matéria de política externa , não importa quem é o governante que está do outro lado — o que importa é o que ele de fato tem a oferecer ao Brasil.