Multinacional VF suspendeu a compra de couro no Brasil em função da queimadas na Amazônia
VF/Divulgação
Multinacional VF suspendeu a compra de couro no Brasil em função da queimadas na Amazônia

As discussões em torno da situação do país tem sido travadas num ambiente tão hostil  ao bom senso que as más notícias — ainda que não tenham o poder real de ajudar a piorar o ambiente — ganham uma repercussão enorme.

Na outra ponta, as notícias positivas , por mais que indiquem uma luz no fim do túnel, são tratadas com desdém, como se não tivessem qualquer força para ajudar a melhorar a situação.

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Foi justamente isso que aconteceu esta semana, ainda no rescaldo da discussão sobre os incêndios na Amazônia e o impacto das queimadas no setor mais dinâmico da economia brasileira, o Agronegócio.

Essa mania é persistente e confirma, mais uma vez, aquilo que foi dito neste espaço dias atrás: o Brasil não está preparado para ser um país rico e parece sempre disposto a fazer tudo o que está a seu alcance para evitar que o melhor lhe aconteça.

A notícia ruim, apresentada como uma espécie de anúncio do fim do mundo, foi o tratamento dado pela imprensa brasileira a uma decisão da companhia americana VF Corporation.

O grupo, que é dono das marcas Timberland, The North Face, Terra e mais um punhado de grifes badaladas, anunciou a suspensão da compra de couro de origem brasileira. A justificativa são as queimadas na Amazônia.

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A VF diz ter receio de que o couro que adquire para fazer seus sapatos acessórios venha de áreas ameaçadas. Pelo sim, pelo não, deixou claro no mesmo comunicado que o rompimento não é definitivo e que poderá voltar atrás tão logo haja certeza de que o produto “não contribui para o dano ambiental no país”.

O corte da mesada

A preocupação é nobre, legítima e ninguém está aqui para por em dúvida a sinceridade da VF em sua luta pela sustentabilidade . Nada disso.

Também não tem ninguém dizendo que os incêndios na Amazônia, caso persistam, não possam trazer prejuízos aos negócios do país — até porque existem no mundo concorrentes dispostos a se aproveitar da fragilidade do país nesse debate, para ocupar o espaço que o Brasil conquistou.

Mas, convenhamos: o comunicado da VR tem o jeitão daqueles pais que ameaçam cortar a mesada do filho, caso as notas na escola não melhorem. A empresa, para começar, nem cancelou as encomendas antes do problema estourar. Depois, já deu a entender que deve rever sua posição.

Nem só pelo fato de estar cansada de saber que seus principais fornecedores no Brasil estão a centenas de quilômetros da área das queimadas. O que conta mesmo são as condições de negócios vantajosas oferecidas por eles.

A VF sabe que não encontrará no mundo outro fornecedor em condição de lhe oferecer o produto na quantidade, com a qualidade e o preço que faça sentido a seus negócios. Mesmo assim, sua decisão de interromper as importações causou furor e foi anunciada como a mais grave consequência econômica, até aqui, das queimadas na Amazônia.

Suspensão temporária

Vamos aos números: o couro é um produto secundário na cadeia da pecuária e na pauta brasileira de exportações.

No ano passado, as vendas do artigo ao exterior somaram  US$ 1,42 bilhão de um total de exportações que somou US$ 239,26 bilhões — pouco mais de 0,5% do total. Entre janeiro e julho deste ano, a soma atingiu US$ 712 milhões.

Os negócios com a VF são importantes e suas exigências como cliente, naturalmente, devem ser levadas em conta pelos exportadores. No frigir dos ovos, porém, trata-se de um cliente modesto na comparação com os chineses e italianos, que são os principais compradores.

O problema não é o valor, mas o impacto da decisão sobre a reputação do país.

A questão é que, mesmo os efeitos colaterais que o anúncio da suspensão das compras podem ter sobre a imagem do país, tendem a desaparecer na medida em que as decisões do governo para combater os incêndios e, mais do que elas, o início da temporada de chuvas na região, apaguem as chamas na floresta.

Mesmo assim, a decisão da VF atraiu muito mais atenção do que, por exemplo, a informação de que a Indonésia abrirá seu mercado para a carne brasileira. Essa é a notícia positiva mencionada no início deste texto.

Ainda que seja muito mais significativa e importante para o país do que a suspensão dos negócios com a empresa americana, ninguém deu a ela a devida importância.

Exportação de carne In natura: o Brasil com acesso a um mercado com 300 milhões de habitantes
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Exportação de carne In natura: o Brasil com acesso a um mercado com 300 milhões de habitantes


300 milhões de consumidores

O acordo prevê, de início, a venda de 25 mil toneladas de carne bovina in natura ao país asiático. Cerca de 10 frigoríficos já foram selecionados como fornecedores para atender a um mercado que ajudará a melhorar ainda mais os números dessa cadeia.

Em 2018, as exportações brasileiras de carne alcançaram um total de US$ 5,45 bilhões. De janeiro a julho deste ano, o número foi de US$ 3,1 bilhões. Nesse cenário, o volume a ser exportado para a Indonésia terá uma participação discreta.

A importância do negócio, mais do que os números que ele será capaz de gerar, está no que representa o acesso a um mercado de 300 milhões de consumidores.

Isso acontece justo no momento em que os concorrentes ao redor do mundo se preparavam para tirar proveito dos estragos que o fogo e a inabilidade do governo brasileiro no trato com a questão ambiental vinham causando à imagem do país.

O acordo com a Indonésia dá ao país acesso a um mercado que fica a poucas milhas marítimas da Austrália , que é o grande concorrentes brasileiro no mercado mundial da carne.

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A ultrapassagem indonésia

Assim que a informação foi divulgada, muita gente pareceu dar de ombros para a novidade, talvez por ignorar a trajetória do cliente e os aspectos emblemáticos envolvidos nessa parceria.

Com uma taxa de crescimento que se mantem em torno de 5% ao ano ao longo desta década, o país asiático está prestes a se firmar como a oitava maior economia do mundo, posição que, nos últimos anos, foi ocupada pelo Brasil.

No início dos anos 1980, de acordo com as estatísticas do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil tinha uma participação de 4,3% no PIB mundial . A Indonésia, enquanto isso, detinha mísero 1,4% do total. Ocorre que, de lá para cá, a situação mudou.

E enquanto o Brasil ficou parado, o país asiático cresceu. Pelos números mais recentes, a Indonésia tem 2,57% do PIB mundial, enquanto o Brasil caiu para 2,54%. Se a curva não for invertida, a Indonésia deve avançar para 2,8% do PIB mundial em 2022, enquanto o Brasil, na melhor das hipóteses, terá uma participação de 2,3%. 

Essa inversão de posições é resultado mais da paralisia e das opções equivocadas feitas pelo Brasil do que da genialidade na condução da economia da Indonésia.

Nos últimos anos, enquanto o país asiático se voltou para o mundo e se tornou uma economia manufatureira e exportadora, o Brasil se voltou para dentro de si mesmo e passou a dar cada vez mais importância à manutenção do próprio Estado do que à criação de condições favoráveis para trabalhar e produzir.

A gambiarra da Previdência

Prova disso é a tal reforma da Previdência , apresentada no inicio do ano como a medida capaz de abrir caminho para o necessário, foi definhando na medida em que tramitava nas casas do Congresso.

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O projeto original, elaborado pela equipe do ministério da Economia, já foi podado pelo deputado Samuel Moreira (PSDB/SP), que foi o relator da medida.

O plenário da Casa também fez sua parte e, no final, o "retrofit" que o ministro  Paulo Guedes pretendia fazer no sistema de aposentadorias, se converteu numa gambiarra que manteve intocados os benefícios desfrutados pelas corporações mais poderosas.

No Senado, o projeto caiu nas mãos do senador cearense Tarso Jereissatti . Tucano como Moreira, a transformou a gambiarra numa demão de uma tinta tão rala que é incapaz de ocultar as rachaduras da parede.

O tucano Tasso Jereissati: um relatório ainda pior do que o de Samuel Moreira
Pedro França/Agência Senado - 9.7.19
O tucano Tasso Jereissati: um relatório ainda pior do que o de Samuel Moreira


O relatório de Jereissatti consegue ser pior do que o de Samuel Moreira — que já era ruim de doer. O senador trouxe de volta alguns dos  benefícios que a Câmara dos Deputados havia cortado nas aposentadorias.

Com eles, a economia prevista com a reforma foi reduzida em quase R$ 100 bilhões de reais em dez anos.

Para justificar esse gesto de caridade populista que será bancado por quem trabalha e paga impostos, o tucano seguiu o roteiro que a mentalidade atrasada dos políticos  brasileiros reserva para esses momentos.

Ao invés de reduzir as despesas de uma máquina pública ineficiente, que consome cerca de 90% do que arrecada com o pagamento de salários e aposentadorias, Jereissati resolveu criar mais impostos para obrir a conta.

Entre as providências que o senador tomou para justificar o estrago populista de sua proposta, duas são especialmente preocupantes. A primeira é a que onera o Simples, a modalidade tributária que beneficia as Pequenas Empresas.

Jereissati quer que as empresas enquadradas no sistema aumentem a contribuição previdenciária em algumas condições especiais — que terão como único efeito despachar para a informalidade companhias que hoje sobrevivem mal e porcamente sob as regras atuais do Simples.

A outra medida preocupante é que onerar com mais tributos as operações de exportação do Agronegócio . O efeito prático delas será o de reduzir a competitividade do campo brasileiro, mas os críticos do setor costumam considerar a situação tributária do setor como um “privilégio” para o produtor.

Efeito destrutivo

O efeito prático de medidas populistas, como as propostas por Jereissatti, é devastador. A turma parece nunca se dar conta de que as empresas internacionais já estavam de costas viradas para o Brasil muito antes de Bolsonaro chegar ao poder e das chamas de 2019 se alastrarem na Amazônia.

Para o investidor de risco — ou seja, aquele pretende se instalar, recolher impostos e gerar empregos no país — as condições fiscais anacrônicas e a insegurança de trabalhar num país em que as regras do jogo estão em permanente mutação (sempre para beneficiar o Estado e suas corporações) tem um efeito muito mais desestimulante do que os incêndios na Amazônia.

É isso mesmo: as empresas não fogem do país porque o presidente fala pelos cotovelos nem porque sua política ambiental é mal conduzida.

Elas evitam o Brasil porque as condições objetivas de negócios por aqui são muito piores do que as oferecidas em lugares como, por exemplo, a Indonésia.

Por favor, calma! Ninguém está aqui para defender a devastação da floresta nem para dizer que o Brasil tem o direito de destruir a Amazônia só porque os países desenvolvidos, no passado, puseram suas florestas abaixo e hoje não fazem a menor menção de replantá-las.

Não se trata disso, é óbvio. O que está sendo dito é única e tão somente que as medidas populistas e a manutenção dos privilégios dos que gravitam em torno do Estado têm sobre a economia um efeito muito mais destrutivo sobre a economia do que o fogo da floresta.

Segunda divisão

A verdade, porém, é que as pessoas continuam não dando a esse problema a importância que ele tem — até porque, é mais fácil debitar na conta de Bolsonaro  dificuldades que existiam muito antes dele tomar posse. Nesse cenário, a economia não reage e não reagirá. O quadro, mais do que inspirar cuidados, exige medidas urgentes. 

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As dificuldades provocadas pela situação econômica do país são tão grandes que até um crescimento pífio, como o 0,4% registrado no segundo trimestre deste ano, merecer ser comemorado com entusiasmo pelo próprio Presidente da República.

Numa solenidade promovida no Palácio do Planalto na quinta-feira, para anunciar medidas de segurança sob a responsabilidade do ministro da Justiça Sérgio Moro, se referiu com alegria a esse 0,4%.

Bolsonaro, em solenidade no Planalto: comemoração do crescimento de 0,4%
Marcos Corrêa/PR - 29.8.2019
Bolsonaro, em solenidade no Planalto: comemoração do crescimento de 0,4%

O número se refere à expansão da atividade nos meses de abril, maio e junho na comparação com janeiro, fevereiro e março e foi saudado como o sinal de que o país não poderá ser considerado em recessão técnica .

Sincera e honestamente: esse crescimento é insignificante e merece ser recebido mais como preocupação do que como alívio. Ele mostra apenas que as medidas tomadas até são incapazes de reverter as expectativas e de criar um ambiente favorável ao crescimento.

As reformas necessárias precisam andar com mais velocidade do que vêm avançando. A comemoração de Bolsonaro, portanto, lembra a reação das torcidas daqueles times de futebol que passam todo o primeiro turno do campeonato nas últimas posições do tabela e, de repente, comemoram com alívio uma vitória inesperada, que as tira da zona de rebaixamento.

O problema é que o torneio ainda está em curso e se nada for feito para mudar a organização em campo, só um milagre conseguirá livrar a equipe da segunda divisão.

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