Virou moda nos últimos dias — desde a divulgação dos resultados das últimas eleições para o parlamento, no domingo passado — comparar as opções dos eleitores portugueses, que escolheram o socialista António Costa , com a dos brasileiros que foram às urnas no ano passado e preferiram o direitista Jair Bolsonaro.
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Por essa comparação, enquanto o governo brasileiro só falta em cortar despesas e restringir direitos, os portugueses, mais sintonizados com as necessidades dos tempos modernos, preferiram um candidato que tem como uma de suas principais plataformas o aumento do salário mínimo
e a ampliação das conquistas sociais.
Nada mais oportunista do que um comentário como esse. Portugal vive, sim, um momento de otimismo e a vitória do Partido Socialista foi irrefutável.
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Esse momento é estimulado, principalmente, pela expansão fantástica das receitas com o turismo, pelo aumento das exportações e pela credibilidade que o país adquiriu depois de adotar um dos mais sérios programas de ajuste fiscal
vistos na Europa depois da crise financeira mundial de 2009.
Depois de todas as medidas populistas adotadas entre 2005 e 2011, período em que o país foi governado também socialista José Sócrates, o país vestiu a casaca liberal e tomou medidas duras para reduzir os gastos públicos . Sem elas, não conseguiria ter emergido da crise como parece estar neste momento.
Ajuste severo
Algumas das medidas foram marcadas pela ousadia e pela coragem — dois atributos que parecem faltar aos políticos brasileiros — com que as autoridades lusitanas encararam a questão dos recursos públicos .
Além de ter seus vencimentos congelados, os aposentados portugueses perderam de uma hora para outra o 13º e o 14º salários que “conquistaram” no tempo em que os socialistas concediam benesses com os recursos que recebiam da União Europeia.
Não foi só. As contribuições previdenciárias
, sobretudo do funcionalismo público, aumentaram e, nos casos mais extremos, alcançou 40% dos salários. Um ajuste fiscal
extremante duro, combinado com a UE e com o FMI, foi posto em prática e só as despesas essenciais foram mantidas.
No meio da crise, a economia portuguesa viveu momentos difíceis e pagou um preço alto pelo ajuste. Dois dos principais bancos portugueses, o Espírito Santo e o Banif, foram à lona sem que ninguém do governo ousasse propor medidas para salvá-los.
O resultado de tudo isso foi que Portugal, que parecia se encaminhar para um desastre igual ao da Grécia, tomou o rumo contrário.
O problema não é, como costumam dizer os mais apressados, saber se o governo é de direita ou de esquerda — o importante é que ele seja sério no trato com a coisa pública e não assuma mais compromissos do que é capaz de suportar.
Principalmente com os salários e benefícios concedidos ao funcionalismo. Naquilo que diz respeito à seriedade da administração, a atual leva de socialistas portugueses não só é mais bem preparada do que a esquerda brasileira como é, também, muito mais séria e eficiente dos que os correligionários que empurraram o país para a crise.
Salário mínimo
Poucos dos que aplaudem a vitória de António Costa no domingo passado mencionam o
fato de que o Partido Socialista já está de volta ao poder em Portugal desde 2015.
E nesses quatro anos de administração, não propôs uma única medida que comprometesse
a austeridade
implantada pela coligação centrista que governou o país depois que Sócrates perdeu o poder.
Só agora foi que Costa se permitiu prometer medidas que reduzam a austeridade
e prometeu aumentar o salário mínimo de 600 euros (um dos mais baixos da Europa) para 850 euros.
O certo é que, depois de experimentar a crise do passado, a própria população portuguesa não admite mais ver o dinheiro de seus impostos ser torrados com medidas populistas, sobretudo aquelas que beneficiam o funcionalismo público às custas do sacrifício da população.
A situação do Brasil é muito diferente. Por aqui, tanto a direita quanto a esquerda, ao invés de reconhecer austeridade, ficam do mesmo lado quando se trata de defender os privilégios do funcionalismo.
Nesta semana, por exemplo, o presidente Jair Bolsonaro declarou com todas as letras que, aconteça o que acontecer, ele manterá a estabilidade do funcionalismo público e nada fará para reduzir os salários absurdos que a turma recebe atualmente.
Os gastos exagerados com o funcionalismo, bem como as regras indecentes das aposentadorias dos servidores públicos (sobretudo as das corporações mais privilegiadas como os juízes, procuradores e auditores da Receita, para citar apenas os casos mais escandalosos) são os fatores que mais pressionam as contas públicas.
A escolha brasileira
O problema é que não existe no horizonte o menor sinal de que isso mudará para melhor.
A atitude de certas corporações no Brasil lembra a daqueles convidados que insistem em prosseguir com a festa e continuam a pedir bebidas e música alta enquanto a turma que dá trabalha no salão já pôs as cadeiras de pernas para o ar sobre as mesas e já tenta deixar o salão em ordem.
A festa acabou, todo mundo sabe. Já a turma que se acha a dona do pedaço não está nem aí. Continua procurando um jeito de prosseguir com a farra — ainda que isso prejudique todos os que estão à sua volta.
É o que tem acontecido ultimamente com a resistência que os integrantes das categorias mais
privilegiadas do funcionalismo público
demonstram diante do clima de fim de festa que
tomou conta do país.
Um levantamento publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo na terça-feira, 8 de outubro, mostra que já passou da hora de se dar um basta na situação de desequilíbrio que obriga o país inteiro a dar duro para pagar os salários e os benefícios do funcionalismo.
De acordo com os números obtidos junto ao Ministério da Economia, o número de servidores públicos no país saltou de quase 540 mil contracheques no ano 2003, ano da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, para 712 mil neste ano.
No mesmo período, os salários médios do pessoal, que era inferior a R$ 4.000 em 2003, hoje é de quase R$ 12 milTrata-se da média.
De acordo com o levantamento do jornal, que inclui apenas o poder Executivo (servidores comissionados e funcionários de empresas dependentes do Tesouro também), quase 90 mil servidores ganham mais de R$ 18 mil por mês.
Na parte de baixo da tabela, ou seja, a dos servidores públicos que ganham até R$ 1.500 por mês, há cerca de 18 mil servidores.
E basta alguém falar em acabar com esse tipo de anomalia para que Brasília entre em pé de guerra e os funcionários, em defesa dos “direitos adquiridos” ameacem entrar em greve e parar a administração pública do país.
Os números, como se vê, deixam de fora o Legislativo e Judiciário, onde a farra com o dinheiro do povo é ainda maior do que no Executivo. Também deixa de fora os estados e municípios , onde o desmazelo com o dinheiro do povo é tradicionalmente maior do que no governo Federal.
Dias atrás, causou indignação o “desabafo” do procurador Leonardo Azeredo dos Santos, do Ministério Público de Minas Gerais, que se queixou do “miserê” de R$ 25 mil (líquidos) que ele recebe por mês. Azeredo ainda pediu que o procurador geral de Justiça Antônio Sérgio Tonet usasse de sua “criatividade” para melhorar a situação dos procuradores.
Num ambiente como esse, ninguém pode esperar uma melhora no curto prazo. As empresas já estão trabalhando no limite da capacidade, os salários da maioria dos trabalhadores da iniciativa privada já estão comprimidos ao máximo, os índices de emprego não reagem na velocidade exigida por um mercado em que a desocupação já ultrapassou o limite suportável.
Ou seja: ninguém em seu juízo perfeito, por mais otimista que seja, deve esperar uma melhoria do dia para a noite. A seguir o cronograma português, se o Brasil tomasse hoje as medidas de austeridade necessárias conseguiria sair da crise ali por volta de 2027. Quanto mais adiar essas medidas, mais demorará para sair do buraco.