Sem querer fazer o papel de Pollyana — a personagem de livros infanto-juvenis do século passado, que sempre procurava enxergar o lado bom dos problemas que enfrentava — existe pelo menos uma lição positiva a ser tirada da mais profunda e prolongada recessão da história do Brasil.
Se a crise não tivesse surgido com a força que demonstrou ter e não persistisse pelo tempo que vem persistindo, talvez o país ainda alimentasse a ilusão de ser uma potência a caminho de um desenvolvimento que aconteceria por si só.
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Num cenário como aquele, o dinheiro público
continuaria a ser tratado com irresponsabilidade e submetido a todo tipo de desaforo. Se não fosse a crise, o desperdício do dinheiro do povo continuaria a ser visto com a mesma naturalidade de antigamente sem gerar a menor sombra de indignação.
Imagine, por exemplo, se nos dias de hoje, depois de revelado o tamanho estrago causado na Petrobras pelas administrações incompetentes e corruptas que a empresa teve de 2003 até meados de 2016, seria possível que um presidente da República, fosse de direita ou de esquerda, agisse com a mesma irresponsabilidade de Luiz Inácio Lula da Silva diante do esbulho praticado por Evo Morales em 2006.
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Recordar é viver: no dia 1º de maio daquele ano, enquanto Lula participava das comemorações pelo dia do trabalho em São Bernardo do Campo, Morales mandou suas tropas tomarem de assalto as instalações de exploração de gás
que a estatal brasileira tinha erguido na região de Tarija, no sul da Bolívia, ao custo de US$ 1 bilhão, em valores da época.
E ainda assumiu o controle de suas refinarias que a estatal brasileira tinha adquirido na Bolívia.
Presente de companheiro
Evo, numa ação certamente acertada por baixo dos panos com o governo brasileiro, nacionalizou as instalações sem pagar um centavo a título de indenização. Foi, por assim dizer, um presente que recebeu de Lula às custas do povo brasileiro.
Tudo bem: na época, a Petrobras parecia vender saúde
e a decisão de Lula de não reagir a um
atentado contra o patrimônio foi defendida pela esquerda como um gesto de generosidade em relação a um vizinho pobre. Tudo ficou por isso mesmo e a vida seguiu em frente.
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A lembrança desse episódio ganha uma importância especial neste momento em que seus dois protagonistas
estão em evidência.
Lula porque deixou a prisão de Curitiba, beneficiado por decisão do STF; Morales porque renunciou à presidência da Bolívia por não resistir à pressão que passou a sofrer depois de tentar fraudar a eleição que lhe daria um quarto mandato.
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A despeito de nunca ter sido investigado a fundo e, portanto, nunca ter entrado na lista dos grandes escândalos de corrupção do Brasil, esse evento revela a naturalidade com que o patrimônio brasileiro
é dilapidado sempre que o governo do país cai nas mãos de populistas.
O gesto de Lula chama atenção pela facilidade com que se queimou dinheiro do povo sem que isso causasse comoção. Mas não é, infelizmente, um exemplo isolado.
Por todo lado que se olhe e em todos os poderes da República há exemplos fartos e cotidianos de dinheiro público que escoa sem que a população nada possa fazer para impedir que isso aconteça.
Trabalho "desumano"
Caso os governos brasileiros (especialmente o de Dilma Rousseff) não tivessem feito tanta lambança e não tivessem empurrado o Brasil para uma crise tão profunda , da qual ainda vai demorar tempo para se livrar, talvez continuássemos achando natural, para citar apenas um exemplo, que juízes e promotores de justiça tenham direito a 60 dias de férias por ano.
Só para efeito de registro: qualquer brasileiro que não pertença a essas categorias poderosas e privilegiadas, se tiver a sorte de ainda ter um emprego, desfruta de, no máximo, 30 dias seguidos de descanso.
Bastou que alguém tivesse a ideia de sugerir por fim a essa farra para o Procurador Geral da República, Augusto Aras,
vir a público para dizer que o trabalho dele e de seus pares é “desumano” e que eles, portanto, merecem um mês a mais de férias a custa do contribuinte. Esse é o argumento.
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Nem é o caso de comparar as condições de trabalho
dos senhores procuradores, que gozam de estabilidade no emprego e desfrutam de uma série de benefícios pagos com o dinheiro do povo, com as dos trabalhadores da iniciativa privada ou até mesmo com outras categorias menos afortunadas do serviço público.
O quadro é uma aberração em si e chama ainda mais atenção neste momento em a queda de arrecadação provocada pela crise que deixa o governo sem dinheiro para cobrir suas despesas básicas.
Justiça emperrada
No ano passado, de o contribuinte brasileiro desembolsou R$ 578,7 milhões apenas com o abono de férias dos magistrados e dos servidores do Judiciário.
Some-se a isso os R$ 110,5 milhões do Ministério Público Federal e o resultado é de quase R$ 690 milhões gastos no ano passado só com os adicionais de férias. Acrescente-se, finalmente, os salários pagos pelos dias não trabalhados e os custos das férias de 60 dias desse pessoal é de aproximadamente R$ 4 bilhões.
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A título de exemplo: o Brasil tem na ativa 1.100 procuradores da República, que trabalham 10 meses por ano. Caso trabalhassem os mesmos 11 meses dos brasileiros menos afortunados, isso teria o mesmo efeito de uma ampliação de 200 procuradores
no quadro de um Ministério Público que sempre se queixa de sobrecarga.
Ou seja: nem que fosse apenas para acelerar uma justiça
emperrada
como é a brasileira, o fim dessa regalia absurda já seria um avanço.
Alguém pode estar se perguntado o que o presentão que Lula deu ao companheiro Evo Morales tem a ver com a regalia que permite aos magistrados e aos procuradores dois meses de férias por ano. A resposta é: tudo.
As duas questões se encontram na mania que as autoridades têm de achar que o T esouro Nacional aceita qualquer tipo de desaforo e que sempre haverá dinheiro para tudo . Já passou da hora de por um fim a esse estado de coisas.