Os sinais ainda são discretos demais para serem comemorados. Mas para um país que vive desde 2013 à espera de novidades positivas na economia, a notícia da união da Bunge e da petroleira britânica BP para produção de etanol e de açúcar no Brasil pode ser vista como um sinal de recuperação que deve ser acompanhado com cuidado e otimismo. Há pelo menos duas razões para isso. A primeira, é o negócio em si. 

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Usina de Etanol: o acordo da Bunge com a BP pode indicar que o pior já passou
Divulgação
Usina de Etanol: o acordo da Bunge com a BP pode indicar que o pior já passou

O valor da operação gira em torno de US$ 775 milhões e dará origem a um grupo com 11 usinas que passará a disputar com outros dois concorrentes de peso — a Biosev, do grupo Louis Dreyfuss, e a Atvos, do grupo Odebrecht — a vice-liderança de um segmento de açúcar e álcool. A líder do segmento, Raízen, que pertence à Cosan e à Shell, tem a capacidade de moer 60 milhões de toneladas de cana-de-açúcar a cada ano. Cada uma das demais pode moer cerca de 30 milhões de toneladas por ano. 

A segunda razão, no entanto, é a que indica uma mudança ainda do ânimo dos investidores internacionais em relação ao Brasil. Um negócio de quase US$ 1 bilhão, como foi a fusão da BP com a Bunge só acontece quando o ambiente econômico passa a inspirar confiança nas empresas. Trata-se, sem dúvida, de uma mudança. Porém, muito discreta. Mas para quem está há tanto tempo sem motivos para comemorar, pode ser o início de um alento. 

A trinca destruidora

Lula:
Ricardo Stuckert/PR - 29.12.10
Lula: "o Brasil deu uma liçao de capitalização e de capitalismo"

Os investidores que, no passado recente, acreditaram que o Brasil era um bom destino para seus projetos de expansão, de um modo geral, tiveram razões sólidas para se sentirem logrados pelas mudanças de rumo do mercado. Quem pôs dinheiro em usinas de açúcar e álcool, porém, tem motivos ainda mais eloquentes para se sentir vítima de uma das mais bem-sucedidas operações de queima de dinheiro do povo já vistas no mundo: a que atingiu a estatal Petrobras. 

A companhia, que no ano de 2012 figurou na lista da revista americana Forbes entre as 10 empresas de maior valor de mercado do mundo, despencou nos anos seguires. No auge de sua crise, ela caiu para a 416ª posição em 2015, quando suas atividades foram praticamente paralisadas pelos erros cometidos durante os governos populistas de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff. Quem imagina que o maior problema da Petrobras foi a corrupção que veio à tona nos processos rumorosos da Operação Lava-Jato está redondamente enganado. 

A corrupção deve, sim, ser evitada, coibida e punida o tempo inteiro. Quanto a isso, não há dúvida. A questão é que ela não agiu sozinha nem foi a principal causa da tragédia que se abateu sobre a estatal. Se o estrago que a corrupção causou ali dentro pode ser comparado ao acidente nuclear de Chernobyl, o que, convenhamos, não é pouco, a incompetência que marcou as gestões de José Eduardo Dutra, José Sérgio Gabrielli e Graça Foster teve sobre a Petrobras o efeito da bomba de Hiroshima.

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Dinheiro pelo ralo

Gabielli e Foster: o grande problema na Petrobrás nem foi a corrupção. Foi a incompetência.
Agência Brasil
Gabielli e Foster: o grande problema na Petrobrás nem foi a corrupção. Foi a incompetência.

O lado mais evidente da inépcia e do despreparo foi a política de preços adotada pela empresa enquanto essa trinca esteve no comando. Durante mais de dez anos, a gasolina, o diesel e o etanol foram mantidos artificialmente baratos, como parte da lógica petista de colocar as empresas públicas a serviço de suas ambições eleitorais. Enquanto o país foi governado por Lula e por Dilma, os preços dos combustíveis eram calculados não por seu impacto nas finanças da Petrobras, mas pelos efeitos que uma eventual elevação dos preços talvez tivesse sobre os humores do eleitor. Todo mundo que tem juízo entrega os anéis para não perder o dedo. A estatal brasileira do petróleo entregou os dedos para tentar proteger os anéis.

Medidas populistas como essa, claro, custam dinheiro. Ainda mais quando acompanhadas por gastos feitos sem qualquer critério que não seja o de favorecer empreiteiros amigos. A empresa torrou recursos em obras como o natimorto Comperj, no Rio de Janeiro, e a refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Ela jogou dinheiro fora nesse projeto. Mas gastou muito mais ainda no custeio de suas operações do dia-a-dia. Entre o dinheiro que foi embora pelo ralo estavam, por exemplo, os R$ 115 bilhões (cerca de US$ 67 bilhões, pelo câmbio da época) levantados pelo lançamento de ações da empresa em setembro de 2009. 

“Não foi em Frankfurt, não foi em Londres, não foi em Nova York. Foi em São Paulo, aqui na Bovespa, que consagramos o maior processo de capitalização da história do capitalismo mundial”, disse o então presidente Lula. Trata-se, é claro, de um daqueles arroubos de oratória que arrancavam aplausos e eram vistos pela imprensa como, no máximo, um traço do temperamento exótico do governante. 

Usinas fechadas

A pergunta que você provavelmente deve estar se fazendo agora é: o que, afinal de contas, a incompetência que quase levou a Petrobras à falência tem a ver com a produção de álcool pelo Brasil afora? A resposta é: muito mais do que parece. Como se sabe, o preço do álcool utilizado no brasil como combustível é balizado pelo preço da gasolina. Por lei, o etanol não pode custar na bomba mais do que 70% do preço da gasolina — e a decisão de congelar o valor nas bombas espalhou uma tragédia que se espalhou por toda a economia.  

Ela afetou as usinas, os produtores de cana-de-açúcar e todos os prestadores de serviço da cadeia, inclusive os caminhoneiros contratados para transportar a matéria prima e o produto final. Cana-de-açúcar se tornou um péssimo negócio. O que mais se vê pelo interior das regiões produtoras, sobretudo do interior de São Paulo, são campos antes ocupados por essa cultura passarem a produzir eucalipto 

A safra de 2019 foi o retrato sem retoques da crise pela qual o setor foi empurrado depois que Lula resolveu dar aulas de capitalização e capitalismo. Das 444 usinas existentes no país, 101 (ou seja, 23% do total) ficaram paradas. Entre elas estão 23 que pediram falência, 44 que entraram em regime de Recuperação Judicial e 47 que não funcionaram simplesmente porque não tinham cana para moer. 

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Num cenário de terra arrasada como esse, o negócio da BP com a Bunge ganha uma relevância ainda maior do que teria qualquer outro negócio de US$ 775 milhões. Ele pode ainda não significar um sinal de melhora mas, pelo menos, de que a situação parou de piorar. O interesse pelo negócio certamente não é pelo açúcar: o mercado atual está super estocado e a oferta atual é bem superior à demanda. O interesse, certamente é o etanos, um dos produtos que serão beneficiados pelo acordo do Mercosul com a União Europeia. Seja como for, se gigantes como esses estão começando a se mover é sinal de que o pior pode estar passando.  

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