Na última sexta-feira (27), o presidente Lula
, em café da manhã com
jornalistas, afirmou que o país não precisa de uma meta fiscal
igual a zero “que
obrigue o Brasil a começar o ano fazendo corte de bilhões (de reais) nas obras
que são prioritárias para esse país”. E não bastasse isso, ainda disse “que
muitas vezes o mercado é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que
ele sabe que não vai ser cumprida”.
Honestamente, acho estranho essas falas causarem tanto espanto a tantos. Na
realidade, Lula está apenas reafirmando o que pensa e quem realmente é,
além de trazer à baila o Lula das eleições passadas
. Mas, de toda forma, não
há como ignorar que seu discurso é falacioso, demagogo e irresponsável, e
joga contra seu próprio governo.
Falacioso porque o ajuste fiscal não depende de corte em gastos prioritários
(como em investimentos produtivos e sociais). Ao contrário, em um país cuja
carga tributária beira os 35%, há muito espaço para melhorar a eficiência do
gasto público. Para além das medidas de longo prazo (reforma administrativa e
complemento da reforma da previdência), há que se priorizar e racionalizar
gastos, inclusive na área social.
Há vários técnicos nos Ministérios da Fazenda e Planejamento que têm
consciência disso e que poderiam ser ouvidos, em vez de seus colegas
políticos na Casa Civil e em outros ministérios, que se preocupam apenas em
atender interesses de determinados grupos privados ou de funcionários
públicos.
Sua afirmação é demagoga porque, ao afirmar que “o mercado é ganancioso”,
não especifica quem é o “tal mercado” e dá a entender que ele seria composto
apenas pelos mais ricos e banqueiros. Entretanto, também fazem parte do
“mercado” fundos de pensão (inclusive de trabalhadores) e médios e pequenos
poupadores, que, inclusive, aplicam em fundos de renda fixa, cuja carteira é
composta em sua maior parte por títulos públicos.
Aliás, uma rápida busca por notícias na internet mostra que o próprio Lula
, na
sua declaração ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
, aloca uma boa parte do
seu patrimônio em ativos financeiros (VGBL, aplicações de renda fixa e fundos
de curto prazo), cujos rendimentos estão, inclusive, atrelados em alguma
medida à taxa de juros paga pelos títulos públicos.
Ademais, esperar que alguém, seja lá quem for, esteja disposto a: (i) correr
mais risco, com o mesmo retorno; (ii) alocar recursos em investimentos que
podem render menos do que a inflação (se os juros reais forem negativos); ou
(iii) manter dinheiro em ativos que rendam menos do que investimentos
alternativos, é pedir que se faça um exercício de total irracionalidade
econômica, que nem mesmo o próprio Lula parece estar disposto a fazer.
Finalmente, sua fala é irresponsável na medida em que afeta negativamente as
expectativas econômicas e gera impacto sobre o câmbio, juros futuros e riqueza das pessoas (bolsa de valores, por exemplo). E essas mudanças afetam, direta ou indiretamente, o equilíbrio das contas públicas e a economia como um todo.
A desvalorização cambial, por exemplo, tem impacto sobre a inflação,
dificultando o trabalho do Banco Central
de reduzir as taxas de juros, conforme
demanda pública do próprio presidente Lula. Ademais, a inflação reduz o poder
de compra da sociedade, principalmente dos mais pobres.
A sinalização da continuidade do déficit público e, consequentemente, da
manutenção de uma trajetória crescente da dívida pública eleva a percepção
de risco futuro de insolvência do Estado brasileiro. Com isso, os investidores
passam a exigir maiores taxas de juros para financiar o governo, com impacto
sobre todas as demais taxas do mercado, como aquelas que afetam o custo
dos investimentos e do consumo.
Nesse sentido, a tendência é que a economia
cresça menos do que poderia,
gerando menos emprego, menos arrecadação (piorando ainda mais a situação
fiscal) e menos renda a ser distribuída; sem falar que a própria elevação dos
juros tem um impacto negativo direto sobre o déficit nominal (que inclui os juros
necessários para financiar o Estado).
Por fim, a piora das expectativas econômicas tende a afetar negativamente o
valor de vários ativos, inclusive, mas não só, aqueles negociados na bolsa de
valores. Neste processo, os detentores desses ativos passam a se sentir “mais
pobres”, menos confiantes e, principalmente, menos dispostos a consumir. Ato
contínuo, os empresários passam a ficar mais avessos a realizar novos
investimentos produtivos. Com isso, cria-se um círculo vicioso que tende a se
retroalimentar e paralisar a economia
.
E isso, em um momento no qual o Congresso discute reformas no nosso
sistema tributário
e a aprovação do orçamento para 2024. Aliás, este ruído já
foi sentido no ambiente político. Na própria sexta-feira, o relator do orçamento,
Danilo Fortes (União-CE), criticou, com toda razão, a declaração de Lula;
mesmo porque, qual seria a lógica de se preparar um orçamento que já se
sabe, de antemão, que não será cumprido?
Pior foi a entrevista nesta segunda-feira (30) do Ministro da Fazenda,
Fernando Haddad
. Não esclareceu qual será a postura do governo daqui para
frente, se limitando a acusar governos passados de não terem equacionado a
questão fiscal (só se esquecendo de que o principal causador do problema foi
o próprio PT, principalmente durante o governo Dilma
). Ademais, mostrou-se
irritado com os jornalistas que fizeram perguntas simples, que exigiam apenas
uma resposta do tipo “sim” ou “não”.
Infelizmente, até segunda ordem, as falas de Lula
indicam que nossa opção
atual está sendo pela contratação antecipada de uma crise econômica futura,
que pode culminar em um processo de estagflação (recessão com inflação).