Sergio Massa teve 36% dos votos válidos, contra o candidato de extrema-direita, Javier Milei, que teve 30%.
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Sergio Massa teve 36% dos votos válidos, contra o candidato de extrema-direita, Javier Milei, que teve 30%.


Tenho visto muita gente escrevendo que o  processo eleitoral na Argentina repetiu o padrão de polarização recente observado na América Latina, cujo melhor exemplo seria o caso brasileiro. Aliás, vi também jornalista e articulista comparando o  candidato Milei ao próprio  Bolsonaro e justificando que o melhor para o  Brasil seria a vitória do candidato governista Sergio Massa

A meu ver, tais comparações pouco agregam e não tocam no âmago da questão, qual seja, a razão de estarmos criando um padrão de levarmos para o  segundo turno posições extremas, deixando de discutir os reais problemas econômicos vivenciados na América Latina.

Se tomarmos o caso argentino, perceberemos que o discurso de  Javier Milei é pouco crível de ser levado à frente. E isso não só porque fala em dolarizar a  economia ou, na “melhor tradição” libertária, acabar com o Banco Central . Na realidade, a grande dificuldade que enfrentará será reduzir os gastos públicos para algo em torno de 15% do PIB argentino, conforme prometido, em um país com aproximadamente 40% da população que depende do Estado.

Claro que ele levanta contrapartidas que são bem-vindas, como simplificação tributária, modernização das leis trabalhistas, privatizações e reformas no setor de energia e agropecuário. Mas isso são medidas estruturais que levam tempo e que muito provavelmente não conseguiriam compensar os efeitos da redução drástica dos gastos públicos por ele proposta.

Por outro lado, Sergio Massa , o candidato da situação, é o atual Ministro da Fazenda e tem se mostrado um total desastre na condução da  política econômica no “melhor estilo” Kirchneristas/Peronista. E, para piorar, no desespero de tentar não perder as eleições, Massa resolveu adotar um conjunto de medidas populistas (denominado “PlanPlatita” pelos argentinos) que têm acabado de vez com as finanças públicas do país.

Em realidade, tais medidas não passam de uma compra de votos de maneira descarada envolvendo desonerações e distribuição de dinheiro para uma larga gama da sociedade argentina , principalmente para aqueles 40% que já se encontram abaixo da linha da pobreza. 

Fato é que essa decisão populista, associada a uma campanha política que propaga o medo com relação ao que Mileipode fazer, permitiu a  Massa ir para o segundo turno em primeiro lugar. E pelos números das pesquisas recentes, o candidato da situação deverá se eleger e ter que lidar com sua própria herança: uma economia que deve chegar ao final do ano com uma inflação em torno de 170% e com uma recessão gravíssima, derivados, em última instância, do desajuste das contas públicas.

E o problema disso é que nada em sua proposta de governo indica qualquer tentativa de correção consistente de rumo. Ao contrário, é um conjunto de intenções de mais do mesmo, que atende sua base eleitoral calcada em funcionários públicos e dependentes do Estado. E é neste ponto que mora todo o problema. 

Argentina caiu de vez em uma armadilha típica de países que não conseguem entender duas coisas. A primeira é que todo gasto público deve ter como contrapartida alguma fonte de receitas, pois, do contrário, o resultado será uma trajetória de elevação de déficit e dívida pública, culminando no que os economistas denominam estagflação (inflação com estagnação econômica).

A segunda coisa é entender que, mesmo que a correção seja realizada com elevação de impostos, a tributação em excesso acaba fazendo com que o país gere menos renda do que poderia, empobrecendo a todos. E isso é tão mais verdade quanto mais ineficientes forem os gastos públicos. E neste aspecto específico, tanto  Argentina como  Brasil se igualam.

Em realidade, esse círculo vicioso de descontrole de gastos públicos, que gera como contrapartida desemprego e empobrecimento de uma boa parte da população, é um caminho fértil para criar uma espécie de “dependência química estatal de eleitores”, que passam a acreditar e votar em todo tipo de candidato populista. 


E isso acaba acontecendo porque muitos deles, inclusive, têm medo do que viria com a mudança do paradigma de distribuição de benesses estatais. E é neste raciocínio que Massa também tem se apoiado. Claro que alguém poderia dizer que, dada a gravidade da situação, ele seria obrigado a enfrentar a dura realidade do país e adotar ao menos algumas medidas corretivas. 

O problema é que mesmo para isso teria que mudar sua base de apoio no Congresso, uma vez que a atual nunca permitiria uma guinada da  política econômica desse tipo. Ou seja, Massa criou uma armadilha para si mesmo e para a própria Argentina

Nesse sentido, se o melhor para o  Brasil é ver o nosso terceiro maior parceiro comercial voltar a crescer, ainda acho melhor torcer para a vitória de Milei , com todas as suas falas bizarras, inclusive sobre o Mercosul . Isso porque parte de suas propostas, além de caminhar na direção correta, estão menos distantes das ideias da maioria do Congresso argentino atual. 

Ou seja, é mais fácil para Milei ter um choque de realidade do que o próprio Massa; mesmo porque implementar apenas parte de suas propostas (como, por exemplo, privatizações) na situação atual da Argentina , certamente, representará um enorme avanço no meio de tanto caos econômico, além um imenso ganho político futuro.

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