A reforma da Previdência incluirá os militares em uma 'segunda parte'. Ao menos, é o que garantiu o presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), em entrevista à Bloomberg News , em Davos, Suíça, onde esteve para o Fórum Econômico Mundial.
O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), revelou que o plano "já está acertado há muito tempo", embora o primeiro mês de governo tenha sido marcado, entre outras coisas, pelos desentendimentos em relação à presença ou não dos militares na reforma,. Ministros do núcleo militar do governo chegaram a se posicionar de forma contrária à inclusão da categoria na reforma da Previdência , enquanto Paulo Guedes, ministro da Economia, e Hamilton Mourão, vice-presidente, afirmaram que as novas regras devem "valer para todos".
O governo não detalha qual será a proposta de reforma da Previdência enviada ao Congresso, mas aborda o tema regularmente dando algumas indicações, como a economia prevista em um período de dez anos após entrada em vigor, que pode chegar a R$ 1,3 trilhão, segundo Guedes . "Isso terá um poderoso efeito fiscal e vai resolver por 15, 20, 30 anos", afirmou o ministro, reiterando a necessidade de aprová-la, dizendo que "é isso ou seguimos [o exemplo da] Grécia", relembrando um país que viveu grave crise econômica nos últimos anos, sobretudo por conta do descontrole de gastos públicos e da situação previdenciária.
O mercado financeiro vê com bons olhos o plano de reformas estruturais, que é o grande mote econômico do governo Bolsonaro , o que se traduz, na Bolsa de Valores brasileira, em sucessivos recordes históricos . O Ibovespa, resultado de uma carteira hipotética de ações das principais empresas que compõem a B3, como é conhecida a Bolsa de São Paulo, já ultrapassou os 95 mil pontos, no dia 17 de janeiro, no maior resultado da série histórica, refletindo o otimismo geral das mais de 300 empresas com ações na B3.
No entanto, nem tudo são flores para a equipe econômica. A reforma da Previdência é um tema delicado, impopular e alvo recorrente de críticas e denúncias de "cortes de direitos". O governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) não conseguiu aprová-la no Congresso, além de ter sido fortemente atacado por setores da sociedade civil brasileira. O emedebista terminou o mandato com a menor aprovação de um presidente na história brasileira. Um dos motivos de desaprovação foi a exclusão dos militares da reforma, algo que, em um governo liderado por um capitão reformado – Bolsonaro – e um general do Exército – Mourão – poderia representar impactos ainda mais significativos, podendo, inclusive, dificultar a governabilidade de um projeto recém-iniciado.
Como funciona a aposentadoria dos militares?
Consenso até mesmo entre as falas desencontradas de ministros e as 'posições oficiais' do presidente é que a aposentadoria dos militares e a dos civis são diferentes, tendo em vista que a carreira militar traz peculiaridades e demandas diferentes.
Em outros países do mundo, como Estados Unidos, Reino Unido e Itália, também há diferenciação entre os regimes de aposentadoria. No entanto, no Brasil, a categoria goza de uma série de privilégios, que elevam os gastos públicos e, inclusive, superaram o rombo da previdência do INSS em 2018 .
No Brasil, os militares ativos e inativos contribuem com 7,5% do salário bruto mais 3,5% para assistência médico-hospitalar, enquanto os civis contribuem com 11% do valor bruto de sua remuneração. Segundo o Ministério da Defesa , eles podem ir para a reserva ou ser reformados (como é o caso de Bolsonaro) após 30 anos de serviço. Uma vez inativos, passam a receber integralmente o valor do último salário em que atuavam.
- Nos EUA , não há contribuição para um plano específico das Forças Armadas, e, para ter direito a 100% do salário mais alto da carreira, é preciso cumprir 40 anos de serviço, em média;
- No Reino Unido , os militares também não contribuem para a aposentadoria das Forças Armadas britânicas, porém há uma idade mínima: 60 anos. Após 30 anos de serviço, o benefício passa a ser de 63,8% do último salário recebido em ativa, mais uma parcela complementar contributiva;
- Na Itália , novamente é usada a idade mínima, que sobe para 61 anos. O militar contribui durante o período em ativa e, depois de atingir a idade necessária, passa a receber o valor do último contra-cheque enquanto atuava;
A remuneração básica de um soldado varia entre R$ 1,5 mil e R$ 1,8 mil no Brasil; de um capitão, é de R$ 9 mil; e de um almirante do ar, de R$ 14 mil. Ainda há a possibilidade de acumular gratificações que podem até dobrar esses valores.
Segundo dados divulgados pelo jornal O Estado de São Paulo , militares da reserva e reformados das Forças Armadas ganham aposentadoria média de R$ 13,7 mil. Esse valor representa 34,30% a mais do que a remuneração dos servidores públicos civis, que é de R$ 9 mil, e 86,86% acima do benefício médio pago pelo INSS, de R$ 1,8 mil, ao restante dos trabalhadores brasileiros.
Os argumentos da categoria para não serem incluídos na reforma vão de perdas e defasagem de salários desde 2002 – ano que sucedeu a reforma da Previdência feita durante o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – até o argumento principal, que é não ter direito a férias e estar sempre à disposição.
"Estamos sempre prontos a colaborar com a sociedade. Mas o primeiro ponto, que é constitucional: os militares não fazem parte do sistema previdenciário, como na maior parte dos países do mundo. É uma situação diferenciada", afirmou o general Edson Pujol, comandante do Exército, em sua cerimônia de posse, em 11 de janeiro deste ano .
"Nós temos uma diferença muito grande de qualquer outro servidor público ou privado. Nós não temos hora extra, não temos adicional noturno, não podemos nos sindicalizar", justificou.
O chefe do GSI, Augusto Heleno, disse que os militares sofreram uma série de perdas desde 2002 e que os salários estão muito defasados em relação a outras carreiras do serviço público. No entanto, ele diz que, em caso de necessidade, os militares estarão prontos e não deixarão de colaborar com a reforma.
O comandante do Exército endossa a ideia, afirmando que os militares seguirão o que for estabelecido pelo governo por entender uma possível necessidade. "A nossa intenção, minha, como comandante do Exército, se perguntarem, claro, nós não devemos modificar o nosso sistema. Nós, militares, primeiro, somos disciplinados, obedecemos as leis e a Constituição. Então, se houver uma decisão do Estado brasileiro, da sociedade brasileira, de mudança, nós iremos cumprir."
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O que pode mudar e por que a segunda etapa da reforma da Previdência?
O governo estuda, segundo Mourão afirmou em entrevista ao Estadão , aumentar o tempo de serviço dos militares de 30 para até 35 anos, adotando novas regras de transição. Além disso, as pensionistas, que hoje não contribuem, podem passar a ter de contribuir assim como um militar, de acordo com o vice-presidente.
"Num primeiro momento, esse aumento vai variar num espaço entre 30 e 35 anos. Seria o novo patamar a ser atingido. E hoje a pensionista não paga nada. Ela passaria a contribuir", afirmou o general Mourão. Benefícios como o acúmulo de duas pensões e remuneração equivalente a dois postos acima na carreira mediante contribuição maior acabaram com a reforma feita no início do milênio.
A estratégia que o governo deve adotar, segundo indicou Bolsonaro em Davos, deverá ser de encaminhar o projeto de lei para os militares logo no início do ano legislativo, já com o novo texto da reforma, para reforçar que todos farão parte do processo de busca pelo equilíbrio da Previdência e das contas públicas do País.
A equipe econômica entende que, além de efetivamente aumentar o corte de gastos, a inclusão dos militares deve aumentar a chance de aprovação do texto pelo Congresso Nacional .
As regras de aposentadoria para as Forças Armadas, hoje previstas em lei ordinária, não carecem de emenda constitucional para serem alteradas, o que facilita o processo. Segundo o governo, essa é a razão para o tema não ser incluído na emenda que será apresentada em plenário, uma vez que o governo pretende aproveitar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, que já está em tramitação.
Onyx Lorenzoni , ministro-chefe da Casa Civil, apresentou a lista de metas para os primeiros 100 dias de governo , e a reforma, uma das grandes prioridades do governo, não foi incluída. Segundo ele, a questão é complexa e ainda está sendo estudada, mas a proposta deverá ser apresentada em breve.
"Não são todas e nem necessariamente as mais importantes. São metas que o governo vai se empenhar para ter a condição de apresentar após 100 dias de governo. Estamos apresentando metas finalísticas escolhidas pelos ministérios, marcando o compromisso das pastas com esses objetivos", justificou Lorenzoni.
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A expectativa é de que o governo finalize os estudos acerca da reforma da Previdência , apresente a primeira parte da proposta aproveitando a PEC em tramitação proposta pelo governo Temer, adicionando as mudanças desejadas por meio de uma emenda constitucional, para, então, adicionar os militares na reforma com um projeto de lei.