Disparidade nos salários tem base multifatorial, apontam especialistas
Agência Brasil
Disparidade nos salários tem base multifatorial, apontam especialistas

Segundo  dados do 1º Relatório Nacional de Transparência Salarial,  as mulheres trabalhadoras ganham 19,4% a menos que os homens no Brasil.  O levantamento foi divulgado nesta semana pelos ministérios das Mulheres e do Trabalho e Emprego.

Segundo Luciana Caetano, economista e professora da Universidade Federal de Alagoas, as disparidades só podem ser compreendidas a partir dos processos históricos, incluindo a dimensão cultural, além das dimensões política e econômica.

“O ingresso de mulheres no mercado de trabalho, no auge do capitalismo industrial, não se deu em condições iguais aos homens, embora a formação de um exército de reserva de força de trabalho tenha provocado um rebaixamento salarial para o total do proletariado”, pontua.

Um total de 49.587 empresas com 100 ou mais funcionários atendeu à exigência legal de enviar dados sobre igualdade salarial. Essas empresas, que representam 73% do total, têm em média 10 anos ou mais de existência e empregam cerca de 17,7 milhões de pessoas.

O estudo foi feito com base nos  dados fornecidos no eSocial, plataforma federal para coleta de informações relacionadas ao trabalho, previdência e tributos.

A obrigatoriedade está prevista na Lei nº 14.611, sancionada pelo presidente  Lula em julho de 2023, que aborda a igualdade salarial entre homens e mulheres.

“Mesmo em um governo de esquerda, a maioria esmagadora da composição ministerial é de homens majoritariamente brancos. Isso reforça a tese de que a força da cultura se sobrepõe aos discursos politicamente corretos. Atualmente, as mulheres ocupam aproximadamente 16% de cargos políticos eletivos e também são minoria na ocupação de cargos comissionados ou diretivos em instituições privadas”, analisa.

O relatório indica que 51,6% das empresas possuem planos de cargos e salários, enquanto 38,3% adotam políticas para promover mulheres a cargos de direção e gerência. Apenas 32,6% têm políticas de apoio à contratação de mulheres, e 26,4% oferecem incentivos específicos para a contratação de mulheres negras.

O relatório inclui dados de remuneração por grandes grupos ocupacionais e posições de liderança nas empresas. A disparidade salarial entre homens e mulheres varia conforme o grupo ocupacional, alcançando 25,2% em cargos de dirigentes e gerentes.

Diferenças regionais
Para a docente, as diferenças tendem a ser mais elevadas nas unidades federativas com maior densidade econômica e renda média mais alta.

“Nos territórios mais empobrecidos, o salário mais alto fica mais próximo do piso salarial definido pelo salário mínimo. Em Alagoas, por exemplo, aproximadamente 70% da população aufere renda de até 2 salários mínimos , conforme dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais). No Brasil, esse percentual cai para 56% e nos estados mais ricos, cai mais um pouco. Portanto, as discrepâncias tendem a ser maiores em estados mais ricos e entre trabalhadores de nível superior”, finaliza.

São Paulo lidera com o maior número de empresas participantes, totalizando 16.536, e apresenta uma diversidade significativa de situações. A diferença salarial entre homens e mulheres no estado é semelhante à média nacional, com as mulheres recebendo 19,1% a menos que os homens. A remuneração média no estado é de R$ 5.387.

Já no Piauí, por exemplo, a diferença salarial entre homens e mulheres é a menor do país, com as mulheres recebendo 6,3% a menos que os homens. O estado conta com 323 empresas participantes, totalizando 96.817 ocupados, e a remuneração média é de R$ 2.845,85.

A maior disparidade salarial no Brasil acontece no Espírito Santo, onde as mulheres recebem 35,1% menos que os homens. Em seguida, nos estados mais desiguais, estão Paraná (66,2%), Mato Grosso do Sul (67,4%) e Mato Grosso (68,6%).

Minorias
O relatório indica que as mulheres negras, além de estarem em menor número no mercado de trabalho, também recebem menos em comparação com as mulheres brancas. A remuneração média para mulheres negras é de R$ 3.040,89, enquanto para as não negras é de R$ 4.552,45, uma diferença de 49,7%. Já entre os homens, os negros ganham em média R$ 3.843,74, enquanto os não negros recebem R$ 5.718,40, representando uma diferença de 48,77%.

Apenas 20,6% das empresas têm políticas de incentivo à contratação de mulheres LGBTQIAP+,  enquanto 23,3% incentivam a contratação de mulheres com deficiência. Apenas 5,4% possuem programas específicos para mulheres vítimas de violência. Além disso, poucas empresas adotam políticas como licença maternidade/paternidade estendida (17,7%) e auxílio-creche (21,4%).

Lideranças
Segundo pesquisa da Grant Thornton, empresa global de auditoria, consultoria e tributos, mostra que as mulheres ocupam 38% dos cargos de liderança no Brasil. O resultado representa um avanço comparado a 2019, quando a proporção era de 25%.

Outro estudo, dessa vez da consultoria McKinley, mostra que a presença de mulheres no mercado de trabalho e em cargos de liderança pode gerar um aumento de até US$ 12 trilhões no Produto Interno Bruto (PIB) global até 2023. No caso do Brasil, o acréscimo poderia ser de até US$ 410 bilhões.

Ana Cleonice Sá, professora do Curso de Recursos Humanos da Faculdade Anhanguera, destaca que essa movimentação é relevante para a inclusão de mulheres nos negócios. “É preciso quebrar barreiras para empresas que ainda resistem a presença feminina, pois um primeiro movimento gera grandes transformações em toda a estrutura. Ou seja, com a entrada de uma mulher, a porcentagem de chances de abrir oportunidades para o público feminino aumenta ainda mais”, explica.

Caráter multifatorial
A economista e professora Lilian Lopes Ribeiro, da Universidade Federal do Ceará (UFC), acredita que apesar hoje existirem mecanismos legais que coíbem a discriminação salarial entre homens e mulheres, essa discriminação é muitas vezes velada, oculta e, portanto, de difícil comprovação. “Em situações em que o salário é determinado pelo nível de produtividade do trabalhador, a baixa remuneração salarial entre as mulheres, comparada à dos homens, ocorre devido a dupla jornada de trabalho que as mulheres enfrentam no dia a dia”, defende.

“Os cuidados com os filhos e com a casa tornam as mulheres, em média, “pobres de tempo” e impactam negativamente nelas, inseridas em um mercado de trabalho que é cada vez mais competitivo. É oportuno salientar que essa dupla jornada está, em grande medida, relacionada a costumes e valores impostos por uma sociedade machista e patriarcal ao longo de gerações, sendo, portanto, um problema estrutural”, complementa a docente.

“Creio que medidas já estejam sendo implementadas na esfera estatal e também no âmbito das empresas. Mas é preciso ampliá-las. Vemos que há uma baixa proporção de empresas com políticas voltadas ao incentivo a contratação de negros, sobretudo de mulheres negras. No entanto, para que haja uma contratação maior de trabalhadores negros e/ou mulheres, é preciso que cursos técnicos e superiores de qualidade sejam acessíveis”, finaliza.

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