O movimento é proibido por lei, exceto quando falta dinheiro para pagar a dívida pública
Raphael Ribeiro/BCB
O movimento é proibido por lei, exceto quando falta dinheiro para pagar a dívida pública

O governo aprovou a transferência de R$ 325 bilhões do  Banco Central (BC) para o Tesouro Nacional na reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) nesta quinta-feira (27). No caso de “severa restrição de liquidez” para financiar a dívida pública, o Banco Central pode repassar esses recursos ao Tesouro exclusivamente para o pagamento da dívida.

Os recursos que serão transferidos são parte dos R$ 503,2 bilhões de ganho contábil que o  Banco Central registrou no primeiro semestre. Esse ganho é o resultado da variação cambial sobre as reservas internacionais e das operações de câmbio, como os swaps (equivalente a venda de dólar no futuro).

O valor aprovado é menor do que os R$ 400 bilhões que estavam sendo aventados pelo governo nas últimas semanas. O próprio presidente do Banco Central,  Roberto Campos Neto, disse em manifestações recentes, que era necessário manter uma reserva de resultados dentro do balanço do BC.

No entanto, em nota, o Conselho deixou em aberto a possibilidade de novas transferências. "Caso haja necessidade, o CMN avaliará, ainda neste exercício, a ampliação deste valor", diz a nota.

Com a  desvalorização do real dos últimos meses, a reserva em dólares da autoridade monetária passou a ter um valor maior na moeda nacional, o que culminou no ganho contábil de R$ 520 bilhões.

Em uma ocasião normal, essa transferência é proibida. A vedação foi feita por lei em 2019 e procura evitar que o  Banco Central financie o Tesouro Nacional.

Antes dessa legislação, o BC transferia os ganhos com o câmbio regularmente para o Tesouro. Atualmente, ela fica em uma reserva de resultado no próprio Banco Central para utilização em caso de necessidade.

No entanto, a lei prevê uma exceção. No caso de “severa restrição de liquidez” para financiar a dívida pública, o Banco Central pode repassar esses recursos ao Tesouro exclusivamente para o pagamento de dívida. Na nota divulgado pelo Ministério da Economia, o governo argumenta que as condições atuais permitem essa transferência.

"Tendo em vista as condições atuais de liquidez no mercado de dívida, houve a decisão do CMN para a transferência imediata de R$ 325 bilhões dessas reservas para o pagamento da Dívida Pública Mobiliária Interna".

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Durante a pandemia, o governo precisou aumentar seu endividamento para bancar os gastos do enfrentamento à Covid-19. Em junho, a dívida atingiu 85,5% do PIB e, segundo estimativa da Instituição Fiscal Independente, deve chegar a 96,1% no final do ano.

O CMN é composto pelo  ministro da Economia, Paulo Guedes, o presidente do BC, Roberto Campos Neto e o secretário de Fazenda, Waldery Rodrigues.

Questionamentos

A operação causou questionamentos sobre sua intenção e legalidade nas últimas semanas. O próprio Banco Central foi ao  Tribunal de Contas da União (TCU) para verificar se as condições atuais da economia permitiam a realização da transferência.

Em reunião entre os ministros do tribunal e os diretores e o presidente do BC, o assunto foi discutido e o entendimento geral dos ministros foi de que as condições de “severas restrições de liquidez” se aplicavam no momento.

Do lado do BC, Campos Neto fez ressalvas. Ele alertou que era preciso tomar cuidado com a possibilidade de retorno desses recursos para o Banco Central no ano seguinte.

“Prudente minimizar a probabilidade de que uma transferência de resultado do BCB à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) seja sucedida, no exercício contábil seguinte, por transferência da STN ao BCB de forma a recompor o patrimônio líquido do BCB em 1,5% de seu ativo total”.

Nesse ponto, o presidente do BC explica que há um limite para a transferência já que, se o patrimônio líquido do banco estiver próximo do limite mínimo de 1,5% do ativo total, o Tesouro deverá repassar títulos para a autoridade monetária recompor esse patrimônio.

Outro questionamento veio do Ministério Público junto ao TCU, que viu risco de “pedalada fiscal”. Na representação enviada ao tribunal, o subprocurador Lucas Furtado alega que “o governo não vem medindo esforços (para conter as contas públicas) para ganhar notoriedade em busca de dividendos eleitorais”.

“A propósito, é grande a probabilidade de o socorro ao Tesouro Nacional pelo Banco Central não decorrer de problemas de liquidez oriundos de oscilações espontâneas do mercado. É fato notório que o governo vem pressionando imprudentemente as contas públicas, do que dá testemunho o estardalhaço publicitário em torno da inauguração de onerosas obras”, disse o procurador no documento enviado ao TCU.

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