Base da alimentação do brasileiro, o arroz e o feijão representam 38% do montante de alimentos jogado fora no país. O dado faz parte da pesquisa sobre hábitos de consumo e despedício de alimentos do projeto Diálogos Setoriais União Europeia – Brasil, liderado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e apoiado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
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O estudo sobre desperdício ouviu 1.764 famílias de diferentes classes sociais e de todas as regiões brasileiras. O ranking dos alimentos mais desperdiçados mostra arroz (22%), carne bovina (20%), feijão (16%) e frango (15%) com os maiores percentuais relativos ao total desperdiçado.
“A grande surpresa foram as carnes aparecerem com um índice tão alto de desperdício, um produto de alto valor agregado, de alto valor nutricional e que é desperdiçado", comentou Carlos Lourenço, professor de marketing da Escola de Administração de Empresas da FGV de São Paulo.
Entre os motivos do desperdício apontados pelos pesquisadores estão a busca pelo sabor e a preferência pela fartura dos consumidores brasileiros. O não aproveitamento das sobras das refeições é o principal fator para o descarte de arroz e feijão.
Como exemplo desses eventos, o professor da FGV citou o caso de um participante do levantamento que, após um churrasco, acabou descartando quatro quilos de carne. Há, ainda, quem tenha salgado demais o feijão durante o cozimento e jogou toda a panela fora em vez de tentar recuperar o alimento.
Cultura da abundância
Os resultados mostraram que 61% das famílias priorizam uma grande compra mensal de alimentos , além de duas a quatro compras menores ao longo do mês. De acordo com os pesquisadores, esse hábito aumenta a propensão de comprar itens desnecessários, especialmente quando a compra farta é combinada com o baixo planejamento das refeições.
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Algumas contradições também aparecem entre o público pesquisado. Enquanto 94% afirmam ser importante evitar o desperdício, 59% não dão importância se houver comida demais na mesa ou na despensa. A maioria das famílias (68%) valoriza muito ter uma despensa e geladeira cheias de alimento.
Outra descoberta relevante da pesquisa é que 43% das pessoas concordam que “os conhecidos jogam comida fora regularmente”, mas quando abordado o comportamento da própria família o problema não aparece tanto.
Segundo Lourenço, apesar do grande desperdício, o brasileiro tem a percepção do impacto social desse comportamento e parece fazer um esforço para não jogar tanta comida fora. “Essa consciência aparece na pesquisa”, afirmou o professor.
Desperdício é problema geral
De acordo com Lourenço, o motivador do desperdício é transversal e acontece em todas as classes sociais. “Não há um vilão”, ressaltou. “Talvez fosse mais fácil se tivesse, mas é um problema geral da nossa sociedade”. Segundo ele, apenas em hortaliças o desperdício acontece mais nas classes A e B do que nas classes C e D.
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Para o ministro do Meio Ambiente, Edson Duarte, é preciso atuar em todos os elos da cadeia: impedir que o produto fique no campo, com tecnologias que aumentem a produtividade e preservem o meio ambiente; garantir que o alimento chegue à mesa do consumidor; e educar as pessoas para evitar o desperdício.
“Um terço de toda a produção agrícola está sendo desperdiçada, seja no pós-colheita, seja em toda a cadeia de alimentos. Se combatêssemos isso com efetividade, estaríamos combatendo a fome e diminuindo a pressão sobre nossas florestas e nossos recursos naturais”, explicou Duarte.
Etapas do estudo
Na fase inicial da pesquisa, 62 consumidores foram entrevistados em supermercados, lojas de conveniência e feiras livres. A coleta de dados envolveu um grupo de pós-graduandos das universidades de Bocconi (Itália), St. Gallen (Suíça), Viena (Áustria) e Groningen (Holanda). O objetivo foi avaliar hábitos de compra e consumo dos brasileiros a partir do olhar europeu.
“Os estudantes europeus ficaram impressionados com a quantidade dos alimentos adquiridos pelos brasileiros, principalmente nas compras semanais”, disse Lourenço, lembrando que os pós-graduandos se perguntavam por que nas lojas de conveniência, onde as compras são menores, os carrinhos utilizados eram enormes.
Na segunda fase, depois de uma triagem, foram selecionadas três mil pessoas de todo o país e, destas, 1.764 participaram efetivamente da primeira etapa quantitativa da pesquisa. Entre elas, 638 famílias participaram também do preenchimento de um diário alimentar, que incluiu dados sobre quantidades desperdiçadas e fotos dos alimentos descartados.
A conclusão é a de que o brasileiro está mais preocupado com sabor e aparência dos alimentos do que em consumir alimentos saudáveis ou pouco calóricos. Segundo o presidente da Embrapa, Maurício Lopes, o consumidor exalta mais o design dos alimentos do que seu valor nutricional na hora da compra.
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“Temos uma cultura de expor em excesso, de exaltar o visual. Quando entramos no supermercado, é ótimo ter gôndolas cheias de alimentos bonitos e polidos, então consumimos primeiro com os olhos para depois pensar na consequência desse consumo”, explicou.
Falta de engajamento
Por fim, na terceira fase da pesquisa, foi feito um levantamento de dados em blogs e redes sociais para avaliar como o tema desperdício de alimentos foi propagado na internet nos últimos meses. Os resultados indicaram que 75% desse assunto é tratado por instituições públicas e privadas e há pouco envolvimento das pessoas nesse tema.
Para Lourenço, é preciso pensar em estratégias de comunicação para sensibilizar e engajar o público nessa causa. “Há um esforço institucional que não reverbera nas pessoas, elas não reportam, não fazem a viralização, então a informação não se propaga”, destaca o professor da FGV.
As ações de cooperação para o combate ao desperdício alimentar, financiadas pela União Europeia, são desenvolvidas com outros parceiros, como o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e a organização não-governamental WWF-Brasil.
Segundo o embaixador da União Europeia no Brasil, João Gomes Cravinho, o tema não tem tanta audiência nos debates públicos como deveria ter, mas quando a perspectiva é de 10 bilhões de pessoas no planeta em 2050, é preciso pensar em formas de alimentá-las com comidas seguras e nutritivas.
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“É fundamental que saibamos escolher políticas públicas que não nos obriguem a decidir entre alimentar o planeta ou salvar o planeta. A produção deve se tornar cada vez mais sustentável, sem desperdício , e menos um peso para os nossos recursos naturais”, defendeu Cravinho.
*Com informações da Agência Brasil