Por conta dos seguidos prejuízos e dos escândalos de corrupção revelados nos últimos anos, os Correios já entraram na mira do programa de privatizações do governo. Os argumentos contrários à venda da estatal, porém, são contundentes: além de mostrar sinais de recuperação, tendo registrado lucro nos últimos dois anos, acredita-se que a capilaridade dos Correios no território nacional dificilmente seria sustentada sob o controle de uma empresa privada.
A ideia não é unanimidade nem mesmo dentro do governo. No início do ano, o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB), durante um evento em comemoração aos 356 anos dos Correios , disse não ser favorável à venda da estatal "por enquanto" . Mais recentemente, o próprio presidente da empresa, Juarez Cunha, reforçou sua posição contrária à privatização, argumentando que a estatal não depende integralmente de recursos da União.
Até o ministro da Ciência e Tecnologia, pasta a que os Correios estão subordinados, resiste à iniciativa. No fim de abril, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo , Marcos Pontes disse estar alinhado às diretrizes de Paulo Guedes, mas defendeu que a privatização deve ser baseada em números e levar em conta as necessidades estratégicas do País. "É uma decisão importante que afeta dezenas de milhares de famílias e precisa ser feita de forma responsável e lógica, sem precipitação", defendeu.
Números: lucro e entregas
Depois de quatro anos seguidos de prejuízos, os Correios voltaram a registrar resultados positivos em 2017 e 2018, quando o lucro líquido da estatal chegou a R$ 667 milhões e R$ 161 milhões, respectivamente. No ano passado, se destacou o serviço de entrega de encomendas, cuja receita bruta subiu mais de 20%. A recuperação é fruto de medidas como o programa de demissões incentivadas adotado em 2017 e mudanças nas regras de financiamento do plano de saúde de seus funcionários.
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"Falar que a empresa está quebrada é algo que não condiz com a realidade", defende José Rivaldo da Silva, secretário geral da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (FENTECT). "Até 2011 a gente era elogiado por todo mundo. A partir daí fomos caindo, houve planos de demissões incentivadas , a qualidade do serviço foi se perdendo. Mas isso está sendo recuperado aos poucos", completa.
Só em 2017 os Correios distribuíram 6,9 bilhões de cargas, uma média de quase 19 milhões por dia. A empresa, que mantém parcerias com a União, os estados e os municípios para a prestação de serviços logísticos, como o transporte de materiais biológicos e livros didáticos, também é responsável por entregar as provas do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Naquele ano, por exemplo, os Correios distribuíram quase 14 milhões de cadernos de questões em mais de 12 mil escolas, abrangendo cerca de 1700 municípios.
Para Glaucia Elaine de Paula, especialista em direito administrativo, se o desempenho financeiro dos Correios não agrada ao governo, abrir o capital da empresa é uma alternativa que faz muito mais sentido do que privatizá-la. A ideia, recentemente levantada pelo presidente da estatal , poderia ajudar na reorganização da estatal e tornar sua operação mais eficiente. "Banco do Brasil e Petrobras , por exemplo, fizeram isso. Acho que a ideia é muito boa e muito mais vantajosa para a população do que a privatização", opina a advogada.
Escândalos de corrupção
Os casos de corrupção envolvendo os Correios também são frequentemente citados por quem defende a privatização – e o primeiro deles veio à tona em 2005. Na época, o ex-diretor de Contratação e Administração de Material da estatal, Maurício Marinho, foi filmado pedindo propina para favorecer empresas em licitações, segundo ele, em nome do ex-deputado Roberto Jefferson. O caso, que ficaria conhecido como escândalo do mensalão , levou à condenação de nomes fortes do PT, como o ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu.
O fundo de pensão dos funcionários dos Correios, o Postalis, também apareceu em diversos escândalos de corrupção. Só em 2016, a Polícia Federal deflagrou duas operações – Greenfield e Mala Direta – para investigar crimes de gestão temerária e fraudulenta contra o Postalis e outros três fundos ligados a estatais. O caso mais recente foi revelado em 2018, após a Operação Pausare, que apurou R$ 523,2 milhões em fraudes em três investimentos feitos no fundo.
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Na visão de Glaucia, porém, justificar a venda dos Correios a partir destes escândalos é um discurso "populista" e que "não faz o menor sentido". "A privatização de qualquer estatal, de forma geral, não é péssima, mas tem que ser muito bem estudada. A gente não pode dizer que a única opção para acabar com a corrupção é privatizar, senão a gente privatizaria a Presidência da República ou os governos estaduais", argumenta.
Capilaridade e papel social
Tanto Glaucia como José citam o alcance da operação dos Correios como argumento contrário à privatização. Nenhum dos dois acredita que a população mais marginalizada continuaria sendo assistida se a estatal for vendida. "O Brasil tem cerca de 5,5 mil municípios e em uns 5 mil deles não é um bom negócio fazer entregas. As pessoas de todos os rincões do País têm direito de receber uma compra que fizeram online, por exemplo, e o único que pode fazer isso é os Correios", defende a advogada.
Hoje, segundo revela o representante da FENTECT, há empresas que atuam com entregas no País e que apenas atendem às grandes cidades, deixando os lugares mais afastados para os Correios. "Nós já entregamos vários Sedex com etiquetas de outras empresas", conta José. "[Essas empresas] Fazem entregas nas capitais e nas cidades maiores e encaminham as encomendas de lugares menos acessíveis aos Correios. E não tem nenhum tipo de lei contra isso", critica.
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Enquanto a ideia segue apenas nos planos do governo, o secretário diz que espera conseguir debater com a população e aproveitar os espaços na mídia para argumentar contra a privatização e esclarecer que "os Correios têm jeito". "É uma empresa estratégica, que atua como um agente social importante, e dizer o contrário é mentira. [Resolver a situação dos Correios] Também depende de uma vontade política, mas nós vamos trabalhar junto aos parlamentares e à população para lutar contra essa venda", garante.