Primeiros meses do novo governo trazem incertezas, diz Werner Roger
Lorena Amaro
Primeiros meses do novo governo trazem incertezas, diz Werner Roger

A volatilidade nos mercados tem sido uma tônica no primeiro mês do novo governo federal eleito. A cada declaração que agrade ou desagrade os investidores profissionais, movimentos de alta ou baixa, próprios dos momentos de incertezas. Isso vem reforçando à tese que seguidamente defendemos aqui: é essencial manter um portfólio posicionado em empresas com receitas ligadas à moeda estrangeira, com clientes exportadores e com forte estrutura de capital. Se ocorrer estresse maior nos mercados, o dólar pode bater em muito a banda de R$ 5,10 a R$ 5,60, que já observamos há algum tempo. Nesses casos, a receita dolarizada atual como proteção contra a disparada da moeda norte-americana.

Da mesma forma, os juros podem se deslocar ainda mais para cima. Hoje o mercado vive um momento de impasse muito importante. Boa parte das empresas alavancadas da bolsa podem simplesmente não sobreviver sem capitalização ou queda de juros. No mínimo, sofrerão uma forte redução na atividade e perderão fatia de mercado por falta de capital de giro e recursos para investir na atividade.

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Percebe-se que o valuation de diversas empresas não é compatível com esse cenário. Nem mesmo a própria trajetória da dívida brasileira é sustentável com tamanho juro real. Ou seja, os preços da curva de juros atualmente terão em algum momento que passar por um grande ajuste. Esse reflexo ainda não foi precificado em diversos ativos e não é o consenso no mercado.

Ativos imobiliários são muito sensíveis e, no limite, a depender do tamanho do déficit público e da necessidade de refinanciamento da dívida, os títulos podem sofrer desvalorização. A remuneração cada vez maior exigida pelos investidores pode criar uma espiral explosiva. A tentação governamental de implementar medidas heterodoxas será imensa.

Já vimos esse filme antes, mais de uma vez. Estamos na região limítrofe entre a precificação do "retorno à média" e do pessimismo extremo. Se o cenário de juros e déficit for perpetuado, as empresas domésticas alavancadas têm ainda muito espaço para se desvalorizar; e se o cenário se reverter, a bolsa poderá corrigir para cima. Resta observar. O governo está apenas começando e Lula, como um experiente capitão, poderá corrigir o rumo, evitando que essa deterioração aconteça (voltando ao início de seu primeiro governo, em 2003).

Um cenário possível é de aumento de impostos e redução gradual de gastos ao longo do mandato: com o tempo, a pressão inicial por medidas populistas diminuiria, de forma que a estabilização fiscal ocorreria ao longo dos quatro anos. Não é o cenário ideal, que envolveria um aumento de carga tributária; mas dada a precificação da curva de juros atual, é otimista.

Equacionada a questão fiscal, a bolsa tem espaço para uma grande expansão de múltiplos, além dos próprios resultados das empresas. Os estrangeiros vêm apostando na bolsa brasileira, talvez lembrando o ganho durante os mandatos anteriores do presidente Lula, enquanto os investidores institucionais buscam a proteção da renda fixa e a remuneração atraente. No entanto, como comentado, uma deterioração forte das contas públicas e uma desconfiança do mercado podem tirar tais investidores da zona de conforto – não custa lembrar: não existe investimento sem risco, e a remuneração maior implica risco maior.

O novo Congresso, por sua vez, aponta mais para o centro, e a direita exercerá um poder moderador – até vetando projetos do governo desalinhados com a responsabilidade fiscal. A independência do Banco Central, com seus pragmáticos presidente e diretores, assegura à autoridade monetária um poder importante: o de não adotar uma ação expansionista – ou seja, mantendo o olho na contenção da inflação, à revelia de tentações do Executivo.

Dizia-se que a renda fixa tinha morrido quando a Selic estava em 2%; agora, com a Selic em 13,75%, o que se diz é que a bolsa morreu. O mercado é cíclico e o momento de compra é justamente quando a situação parece caótica e há mais ruídos presentes. Quando a situação se acalmar, o preço será outro.

Sobre a retomada dos investimentos públicos no Orçamento, a exposição a produtos consumidos em obras públicas, mas que possuem demanda privada doméstica e de exportação, também é positiva. Não se cria dependência do investimento público – que, se vier, será benéfico e ampliará a demanda por máquinas, caminhões, armazenagem, commodities químicas e metálicas. Mas setores como o agrícola, de mineração e outros também têm forte demanda.

O novo ministro da agricultura, Carlos Fávaro, afirmou que quer fortalecer a Conab, com a construção de estoques estratégicos que precisarão ser abastecidos. As obras do possível novo PAC precisarão de máquinas e caminhões, o saneamento "incentivado" pelo poder público precisará de químicos etc. Sobre o Plano Safra, Fávaro também falou que a prioridade primeira do seu mandato será garantir recursos para o programa. Em suma, os setores investidos devem continuar com a mesma dinâmica positiva. Encaminhada a questão fiscal, os juros no Brasil poderão baixar e a tendência econômica que vem sendo apresentada, de crescimento sustentável, poderá continuar.

Mudanças de rumos e impactos políticos não faltaram nos últimos anos, assim como diferentes taxas de juros. Tivemos: o impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em 2016; o governo Temer, com o Joesley Day, em 2017; greve dos caminhoneiros e eleições em 2018; dúvidas sobre as reformas econômica e previdenciária em 2019; a pandemia de Covid-19, iniciada em 2020; e as eleições em 2022. Foram anos intensos, com inúmeras mudanças, mas nossa estratégia não está entre estas mudanças.

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