Por que o Banco Central atua no câmbio se o regime é flexível?
Agência Brasil
Por que o Banco Central atua no câmbio se o regime é flexível?


Temos visto notícias de que o  Banco Central do Brasil (BCB) tem atuado no mercado de câmbio. Mais precisamente, em função do vencimento de títulos públicos atrelados à variação cambial ( NTN-A ), a entidade monetária entendeu que poderia haver certa disfuncionalidade temporária no mercado e, para evitar isso, decidiu intervir. Mas a dúvida que motiva este texto é: se o regime de câmbio é flexível, não seria então o caso de deixar o mercado (ainda que temporariamente disfuncional) resolver sozinho essa questão? Para responder isso, nós temos que compreender a diferença entre regime cambial de facto e de jure .


Quando os governos são questionados sobre qual é o regime cambial vigente na sua economia, as respostas dos gestores de política econômica (o regime cambial de jure ) podem diferir do que vigora de fato em função das práticas adotadas no mercado. Ou seja, um governo pode divulgar um câmbio muito flexível, mas, na prática, intervir bastante. Ou o contrário, dizer que é bem administrado quando, efetivamente, deixa o mercado decidir mais do que ele assume.

Há na literatura econômica um esforço de medir qual é o regime cambial de facto . Isso é o que fazem Philipp Harms e Jakub Knaze em um texto publicado em 2021 intitulado " Effective Exchange Rate Regimes and Inflation" . Os autores estimam os regimes cambiais com base em taxas de câmbio ponderadas pelos fluxos comerciais para um grande número de países, inclusive o Brasil. Eles propõem quatro versões diferentes, mas em todos o recado para o caso brasileiro é o mesmo: a flexibilidade é alta, mas não é total. Isso é o que observamos no gráfico abaixo. Cada curva colorida representa uma das estimativas para os regimes cambiais efetivos no Brasil com base em um índice que varia de 1 a 4, sendo que quanto maior o valor, maior a flexibilidade do regime.

Regime cambial efetivo
Gráfico
Regime cambial efetivo


Ao considerarmos os  dados relatório anual do FMI (IMF’s Annual Report on Exchange Arrangements and Exchange Restrictions ), o regime de facto do Brasil teria nota máxima de flexibilidade em todos os períodos. Mas a prática não é exatamente essa. O que observamos é uma flutuação administrada (há também o termo “flutuação suja”, mas a palavra “suja” pode induzir o leitor, erroneamente, a imaginar que é algo ruim, dada a conotação usual dessa palavra, o que não é, necessariamente, o caso quando se trata de regime cambial).

Mas no que consiste essa administração da taxa de câmbio se o regime é flexível? Significa que o banco central não vai “lutar” contra os fundamentos: se a macroeconomia indicar que a taxa de câmbio deve aumentar, ela vai aumentar. Se indicar que vai diminuir, é isso que vai acontecer. A entidade monetária não vai fazer nada para impedir esses movimentos, mas vai acomodar mudanças de fundamentos econômicos que possam, pontualmente, gerar rupturas que ameacem a estabilidade dos mercados financeiros. Ou seja, se a taxa de câmbio fosse R$ 5 por dólar e, em um novo equilíbrio, R$ 6 por dólar, a depreciação do real de R$ 5 para R$ 6 ocorreria sem que o BCB tentasse impedí-la. Mas ele iria manter a liquidez para que esse caminho fosse o menos traumático possível. Há flexibilidade, sim, mas ela é administrada.

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!