Uma hipótese possível sobre as causas do baixo crescimento econômico no Brasil ao longo de várias décadas poderia se dar na dinâmica do acúmulo de capital. Desde a década de 1950 (por meio dos trabalhos de Robert Solow e Trevor Swan, por exemplo), no entanto, sabemos que não é esse fator que explica a diferença da riqueza das nações no longo prazo, ainda que ele possa impactar a dinâmica da transição na jornada de desenvolvimento econômico de cada país. Nesse processo, há diversos modelos que indicam que, ao acumular capital físico, o aumento da renda seria compartilhado entre os diferentes agentes da economia. Isso se daria porque ao contar com mais máquinas, equipamentos, estruturas e imóveis, as empresas demandariam mais trabalhadores, o que causaria um aumento no salário dos mesmos.
Daron Acemoglu aborda, de maneira teórica, em recente artigo para discussão intitulado “Capital and Wages” , as condições para que o resultado apresentado acima, da chamada “prosperidade compartilhada”, ocorra. O mecanismo exposto no parágrafo anterior tem uma hipótese importante, como nos lembra Acemoglu: que o acúmulo de capital não gera alterações no progresso tecnológico de tal forma a enviesá-lo. (Elaborei há alguns anos um texto sobre o viés do progresso tecnológico e escrevo esta coluna para complementar a análise.)
Será mesmo que não existem situações nas quais mais capital muda a dinâmica da tecnologia a ser adotada?
Imaginemos que as empresas tenham investido em adquirir capital para expandir a produção. Em um ambiente competitivo, elas também devem continuar a melhorar os seus processos e inovar constantemente. Agora, com novas máquinas e equipamentos, será que elas vão procurar qualquer tipo de tecnologia nova ou irão adotar aquelas que potencializam o uso do capital que já acumularam? É justamente nesse contexto que Acemoglu nos mostra que existem condições nas quais o acúmulo de capital não gera aumento de salários, uma vez que não há, necessariamente, aumento na demanda por trabalhadores, mas sim a substituição dos mesmos.
E por que esse cenário é importante? Pensemos na transição do progresso tecnológico acelerada por meio da chamada inteligência artificial. Emergem, naturalmente, diversos questionamentos. Um deles é sobre quem ganha e quem perde com as inovações que virão. Há um processo de destruição criativa que ao encerrar atividades e empregos, abre espaço para novas oportunidades. Frear o progresso não parece ser uma boa ideia ainda que existam custos. Mas os mecanismos elencados por Acemoglu em “Capital and Wages” e em outros trabalhos do mesmo economista nos mostram que pensar em como acomodar a velocidade de transição para novas tecnologias é crucial. Se o mundo deste século não for um no qual os avanços são compartilhados por meio de aquecimento do mercado de trabalho decorrente da maior produção em função de novas formas de produção e mais capital, será importante entender como acolher os perdedores desse processo para que eles possam ter a chance de atualizar as suas habilidades e encontrar espaço em meio às novas oportunidades que se abrirão.
É nesse contexto que as políticas públicas devem ser desenhadas olhando para o futuro, e não reproduzindo erros e práticas do passado. Compreender que o crescimento econômico deve ser inclusivo, que há uma agenda socioambiental da qual o Brasil poderia ser protagonista, e que muitos trabalhadores precisarão de ajuda para atuar nas novas industrias que irão surgir é fundamental para que possamos aproveitar todas as transformações econômicas que estão ocorrendo (e que ainda vão ocorrer) sem que o processo deixe cicatrizes que podem culminar em rupturas sociais desastrosas. Esse é um dos grandes desafios deste século.