Por que o crédito não decola com a queda na Selic?
Redação 1Bilhão
Por que o crédito não decola com a queda na Selic?


O Comitê de Estabilidade Financeira (Comef), colegiado do  Banco Central do Brasil (BCB) menos famoso do que o “primo” Copom, divulgou a ata da sua última reunião e nela há a identificação de que tanto nas operações de alto risco para as pessoas físicas, quanto no total do crédito bancário para as pessoas jurídicas, há uma desaceleração em curso. Ao mesmo tempo, o BCB tem cortado sistematicamente as taxas de juros (e, além disso, já sinalizou que mais cortes virão ). Surge então a seguinte dúvida: por que a diminuição da  taxa Selic não estimula as concessões de empréstimos no mercado financeiro doméstico e reverte o quadro?

Para compreender o canal do crédito na dinâmica macroeconômica, eu gosto bastante de um texto escrito por Ben Bernanke e Mark Gertler intitulado  “Inside the Black Box: The Credit Channel of Monetary Policy Transmission.” (“Dentro da Caixa Preta: O Canal de Crédito da Transmissão da Política Monetária”, em tradução livre). Os autores destacam dois canais: o balanço das empresas e o balanço das famílias. Trabalhemos com o primeiro canal. As diferentes empresas quando recorrem à empréstimos, pagam taxas de juros distintas. Por quê? Temos questões associadas à impostos, (falta de) concorrência e custos administrativos e operacionais e ao nível do custo de captação que ajudam a explicar os juros bancários no Brasil, mas são temas para serem abordados em outros textos. Todavia, as características específicas dos tomadores são ponto fundamental para a análise desenvolvida neste texto. Os autores as sintetizam em dois grupos: a soma dos ativos líquidos e os fluxos de caixa esperados.

O que acontece quando a atividade econômica desacelera? Tanto o valor dos ativos líquidos das empresas (esses muito associados às garantias no mercado de crédito), quanto os fluxos de caixa esperados (vinculados à capacidade de pagamento das empresas) diminuem (ou ao menos não crescem como o esperado quando a economia estava em expansão). Portanto, faz sentido que após a recuperação da economia brasileira da queda sofrida durante a crise da  Covid-19 e, ao longo do tempo, com a reversão dos choques de oferta e arrefecimento de choques de demanda, a economia perca um pouco de tração (mesmo tendo surpreendido positivamente por dois trimestres consecutivos) e, com ela, o crédito também tende a desacelerar.

Os bancos colocam em dúvida se os ativos colocados como garantias de empréstimos vão ter o valor sustentado em um momento de execução (caso isso ocorra de maneira generalizada) e um PIB menor gera, para a maioria das empresas cujas receitas estão atreladas à dinâmica doméstica, vendas menores. As perspectivas para os fluxos de caixa das empresas, caso acompanhem as expectativas para a economia como um todo, não serão necessariamente ruins, mas tampouco super animadoras.

Ou seja, ainda que as taxas de juros diminuam, existem outros vetores que devem ser considerados para compreendermos a dinâmica do crédito. Com o número de falências em patamar incômodo, não deveria estranhar que o corte de alguns pontos na Selic não estimule tanto assim os bancos a aumentarem as concessões de crédito.


Podemos perceber também que essa lógica também se aplica às famílias, o segundo canal destacado por Bernanke e Gertler. Elas também possuem ativos utilizados como garantias (imóveis, por exemplo) e fluxos de caixa (geralmente, associados à renda do trabalho) esperados que sinalizam a capacidade de pagamento. E como a desaceleração da economia tem impacto heterogêneo, as instituições financeiras optam por reduzir linhas mais arriscadas primeiro.

Ou seja, uma economia um pouco mais devagar desestimula o crédito, mas não podemos esquecer que a desaceleração no crédito também reforça o cenário de economia com taxas de crescimento menores (e, possivelmente negativas de um trimestre para outro, mas, por ora, positivas no acumulado do ano).

A dinâmica do crédito é crucial para compreender a macroeconomia.

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