Presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, explicar aos senadores as decisões tomadas em relação à inflação e à estabilidade financeira
Lula Marques/ Agência Brasil - 10.08.2023
Presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, explicar aos senadores as decisões tomadas em relação à inflação e à estabilidade financeira

Durante a crise decorrente da pandemia da covid-19 , o Banco Central do Brasil (BCB) respondeu rapidamente, cortou a taxa de juros e se empenhou para não deixar a economia “emperrar”. Podemos discutir o tamanho do corte, mas não há muita divergência na sua necessidade à época. Vieram as vacinas e a saída das intervenções não-farmacêuticas e, com elas, a combinação de uma demanda reprimida, da recuperação da renda e dos efeitos dos estímulos fiscais e monetários, contribuiu para a retomada da economia. 

Mas essa demanda encontrou uma oferta desorganizada, com problemas nas suas cadeias produtivas, além de sofrer as consequências da guerra na Ucrânia. Mais uma vez, o BCB respondeu tempestivamente e subiu os juros em um dos maiores apertos monetários que já tivemos no país. Em que pese o nível final dos juros nessa investida contra a inflação ser alvo de debate, quando a entidade monetária ficou confortável com a trajetória da desinflação no país, o Comitê de Política Monetária — Copom — decidiu iniciar a queda da taxa juros: cortou a taxa Selic em meio ponto percentual e a expectativa é que venham mais cortes . Se o próprio banco central sinalizou essa possibilidade (a de novos cortes), surge a dúvida: por que não cortar tudo de uma vez?

Ben Bernanke (ex-presidente do Federal Reserve, o banco central dos EUA, que também foi laureado com o prêmio Nobel em Economia em 2022) fez um discurso em 2004 intitulado "Gradualismo", no qual ele elenca três motivos que suportam a escolha por alterações mais suaves na taxa de juros: (i) a incerteza sobre a economia e o final do ciclo, (ii) a maior influência nas taxas de juros de títulos com vencimentos mais longos e (iii) a redução do risco financeiro. Vamos a eles. 

Obviamente, sabemos que a economia não é uma máquina facilmente calibrada e, portanto, as escolhas dos gestores de política econômica são baseadas em diagnósticos e projeções. Mas por que então não baixar a taxa de juros para o melhor palpite da entidade monetária hoje? Porque há muita incerteza sobre como as empresas, as famílias, o mercado financeiro, enfim, como todo mundo vai receber e, especialmente, reagir às alterações nos juros. Há dúvidas não apenas sobre os impactos da política monetária para um dado tamanho do corte, mas também sobre a estrutura da economia e o que pode surgir de novo (Uma nova guerra? A descoberta de recursos naturais? Crise em outros países?). Nesse caso, como cita Bernanke, William Brainard já recomendava, em 1967, parcimônia. Quando não se sabe o caminho, talvez faça sentido ir com calma. 

Outro ponto se dá por meio do canal das expectativas. As taxas de juros dos títulos com vencimentos mais longos são influenciadas pelo que os agentes esperam que vá acontecer com a economia. E por que isso é importante? Porque são essas taxas que impactam diversas decisões em país: por exemplo, elas servem de referência para as taxas de juros cobradas pelos bancos em um empréstimo; elas também são usadas como referência para os empresários no momento de fazer um investimento (se estiverem altas, talvez isso crie o incentivo para poupar ao invés de comprar máquinas e equipamentos e expandir a produção). O que o Banco Central faz é definir apenas uma taxa de juros (no Brasil, a taxa Selic). As outras, o mercado define.

Bernanke dá um exemplo que pode nos ajudar: imagine um banco central que sempre que aumenta os juros em uma reunião, diminui na outra. Aumentos hoje poderiam não ter nenhum efeito no limite, já que os agentes esperariam uma queda logo a seguir. Assim, ir devagar evita muitas correções de rota, o que ajuda a formar as expectativas do mercado e, com isso, aumenta a influência do banco central nas outras taxas de juros.

Finalmente, a estabilidade financeira. Vimos recentemente que o início do ciclo gradual de aumento nos juros nos EUA levou alguns bancos regionais à falência. Por quê? Quando os juros sobem, mudam os preços dos ativos. Especialmente, quando sobem os juros, caem os preços dos títulos cujas taxas de juros foram definidas anteriormente. Assim, se os bancos que detêm esses títulos, e que passam a valer menos, não se prepararam para essa situação, a queda no valor dos seus ativos pode trazer problemas. Agora, imagine se o Federal Reserve tivesse aumentado tudo de uma vez. O estrago teria sido muito maior.

Obviamente, temos casos extremos nos quais o custo do gradualismo pode ser maior que o custo do erro (a crise da Covid é um exemplo nesse sentido). São exceções que confirmam a regra (ou ao menos a prática) dos bancos centrais: ir devagar para chegar ao lugar certo.

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