Na última semana, foi aprovado no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar 93/2023, conhecido como “Novo Arcabouço Fiscal”, que veio em substituição à regra do “Teto dos Gastos” vigente até então. Segundo o atual governo, a ideia da alteração da regra foi criar uma forma sustentável de preservar as finanças públicas no país, sem a rigidez que supostamente estaria sendo imposta pela regra anterior.
Para entender melhor o que está em jogo, devemos lembrar que o Teto dos Gastos foi instituído em 2017 como uma forma de se evitar que o governo federal mantivesse um ritmo de crescimento das despesas acima de suas receitas, tornando insustentável a trajetória da dívida pública.
O objetivo era dar uma garantia de que o país não entraria em insolvência, retomando, assim, a confiança e o crescimento econômico. Na época, foram fixados, por 20 anos, limites individualizados para as despesas primárias dos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que seriam corrigidos anualmente pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Mas, já naquela época, algumas despesas ficaram fora do teto , entre elas, as transferências de recursos da União para estados e municípios, gastos para realização de eleições, despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes e verbas para o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Profissionais da Educação Básica (Fundeb).
A regra do Teto dos Gastos tinha a vantagem de ser de simples compreensão e acompanhamento, além de estimular uma discussão mais franca sobre o nível de gastos públicos que a sociedade estava disposta a financiar e, principalmente, como os recursos arrecadados seriam distribuídos. Entretanto, com a pandemia e as constantes brechas abertas pelo Congresso durante o governo Bolsonaro, ficou claro que os nossos políticos não estavam satisfeitos com os limites legais impostos por eles mesmos.
Assim, aos poucos, a partir de 2019, o Teto dos Gastos foi sendo gradativamente relaxado e desmoralizado por uma série de medidas, como a PEC 102/19 (que passou a dividir com estados e municípios o resultado de leilões do pré-sal), a PEC 186/19 (Auxílio Emergencial), a PEC 1/22 (Auxílio Brasil), a PEC 23/21 (Precatórios) e a PEC 32/22 (Transição).
A partir daí criou-se um entendimento equivocado de que a regra vigente impunha um limite insustentável, que impedia a realização de políticas públicas. E, pegando carona nesse discurso, o novo governo resolveu propor a regra do Arcabouço Fiscal.
Esta nova regra define metas e prevê zerar o déficit da União já no próximo ano e, a partir daí, passará a definir metas de superávits primários (resultado das contas públicas excluindo os juros pagos) como proporção do PIB para os anos subsequentes, permitindo variações de 0,25% para baixo ou para cima. Entretanto, a PEC da Transição sozinha ampliou o teto de gastos deste ano em R$ 169 bilhões e hoje as projeções de déficit primário para 2023 estão em torno de 1%. Dado esse cenário, é pouquíssimo crível que o governo consiga “zerar” o déficit no próximo ano e nos subsequentes, a não ser à custa de uma elevação brutal de tributos.
Mas, para além desse aspecto, a nova regra apresenta problemas adicionais. O primeiro deles é que atrela a elevação de gastos públicos ao aumento de receitas (do ano anterior). O grande problema é que uma parte das receitas tende a ser incerta e até mesmo temporária, enquanto a maioria das despesas públicas, quando incorridas, passam a ser permanentes.
Ou seja, mesmo definindo um percentual de acréscimo de despesas públicas limitado a uma banda que varia entre 50% ou 70% do crescimento da receita, e um teto superior para o aumento dessas despesas (conforme o texto do Arcabouço Fiscal), o que observamos é que, na melhor das hipóteses e sendo bem otimista, a estabilização da dívida pública só ocorrerá em um futuro bem distante.
E isso sem mencionar a lista de gastos que ficaram fora da nova regra, das quais são apenas alguns exemplos os derivados da obrigação de dar aumento real do salário mínimo, das despesas excepcionais e imprevisíveis (créditos extraordinários), dos recursos do Fundeb e do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF).
O caso dos investimentos públicos é bastante emblemático, na medida em que o seu total deva ser sempre igual ou maior do que o ano anterior, em termos reais, além de contar com a possibilidade de ser levado a um novo patamar superior toda vez que o governo superar a meta de superávit primário.
Por outro lado, é fato que existem punições para o governo de plantão pelo descumprimento das metas, mas que são muito similares àquelas já previstas no texto do Teto dos Gastos. Mas vale lembrar que os gestores não poderão ser punidos pelo não cumprimento das metas estabelecidas pelo Novo Arcabouço caso tenham respeitado as medidas de contingenciamento e acionado aquelas automáticas de controle.
Nesse sentido, o novo texto gera pouco incentivo para que os gestores se limitem ao quanto está no texto da lei, sem a preocupação de buscar medidas adicionais que possam reduzir gastos públicos de maneira eficiente e permanente.
No final do dia, o que fizemos foi trocar um marco fiscal que gerava incentivo para a discussão sobre alocação eficiente dos gastos públicos e corte de despesas improdutivas por outro que, “na melhor das hipóteses”, cria incentivos para se buscar novas fontes de receitas para o governo, principalmente aquelas derivadas de arrecadação tributária.