Os R$ 500 do fundo de garantia não aquecerão a economia, na avaliação de especialista
Agência Brasil/EBC
Os R$ 500 do fundo de garantia não aquecerão a economia, na avaliação de especialista

A opinião geral é a de que o valor de R$ 500 que o governo fixou como teto para os saques nas contas ativas e inativas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) é irrisório. E é mesmo. O dinheiro não resolverá o problema do trabalhador que, além de endividado, muitas vezes nem tem a perspectiva de encontrar um novo emprego.

Tanto isso é verdade que já tem até líderes de partidos — sempre mais atentos à própria popularidade do que aos efeitos de suas escolhas sobre a vida do país — falando em  puxar o limite para o alto na hora em que a Medida Provisória assinada pelo presidente Jair Bolsonaro for posta em votação.

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O governo diz que não. Argumenta que os R$ 500 — mais ou menos meio salário mínimo — são expressivos para os trabalhadores de renda mais baixa e diz que não pretende dar um passo além da linha que estabeleceu.

O governo também diz que o mesmo valor poder ser sacado das contas inativas e que também será possível tirar dinheiro das contas do PIS/Pasep. De saque em saque, a estimativa é a de que cerca de  R$ 42 bilhões irrigarão o mercado.

A previsão mais otimista é a de que essa dinheirama toda tenha um impacto de 0,35 ponto percentual no PIB num espaço de 12 meses. Será que terá mesmo? É pouco provável. E mesmo se acontecer, não passará de um sopro para uma economia que necessita de um vendaval para voltar a andar para frente.

Menos de 20%

É preciso tato para lidar com esse assunto. FGTS é dinheiro do povo e, como tal, deve ser tratado. Sendo assim, tão significativo quanto a discussão do direito que o trabalhador tem de colocar a mão num recurso que, afinal de contas, lhe pertence — como o caso vem sendo tratado pelo governo — é preciso avaliar os impactos que a escolha desse caminho terá sobre o país.

Do ponto de vista pessoal, ninguém pode esperar que esses R$ 500 sejam a solução para os problemas de quem quer que seja. Só para comparar: pelo levantamento mais recente do DIEESE, referente ao mês de junho, o valor da Cesta Básica na cidade de São Paulo é de R$ 501,98. No Rio de Janeiro, R$ 498,67 e em Porto Alegre, R$ 498,41.

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Não é preciso dizer mais nada. A comparação com o valor da cesta básica, por si só, já mostra que a liberação do dinheiro não produzirá qualquer alívio duradouro para o trabalhador que receber os R$ 500 — e que, na melhor das hipóteses, verá seu dinheiro desaparecer numa única ida ao supermercado. Mas nada indica que isso irá acontecer.

De acordo com um cálculo divulgado pela Confederação Nacional do Comércio (CNC) no mesmo dia em que o governo anunciou a liberação do dinheiro, cerca de R$ 7,4 bilhões dos recursos (menos de 20% do bolo) irrigarão o comércio varejista de todo o país no segundo semestre deste ano.

A pergunta óbvia e sempre deixando claro que esses valores não passam de estimativas, é: para onde irão os demais R$ 34,6 bilhões?


Ajuda aos bancos

Acertou quem respondeu que o grosso do dinheiro irá para os bancos — destino que, de certa forma, dará razão à critica que os populistas da esquerda fazem à simpatia excessiva que a equipe econômica do atual governo demonstra ter pelo sistema financeiro. As famílias brasileiras convivem atualmente com os níveis mais elevados de endividamento registrados nos últimos anos

O dinheiro, no final das contas, sairá dos cofres do governo, fará uma breve escala no bolso do trabalhador e logo será usado para quitar o carnê atrasado, cobrir o limite do cheque especial ou pagar faturas em aberto do cartão de crédito.

E, no final das contas, todo o esforço não terá passado de um movimento de transferência de R$ 42 bilhões, que hoje estão em poder do governo, para os bancos do país. 

É lamentável que isso aconteça. Não porque seja errado pagar contas atrasadas nem que o lucro dos bancos seja, por si só, um pecado, como a esquerda adora dizer. O problema é que, mais uma vez, se estará optando por medidas fáceis e de baixo impacto que não deixarão qualquer marca positiva no mercado.

E ainda pode colocar em risco uma das poucas iniciativas bem-sucedidas entre as dezenas invencionices nacionais em matéria de economia.

Populismo de direita

O FGTS é um fenômeno. Em mais de 50 anos de existência, passou a fazer parte da vida do trabalhador, muitas vezes, como a única poupança que ele consegue acumular em seu período produtivo.

Muitos o criticam pelo baixo rendimento (equivalente, numa comparação rasteira, à metade do rendimento real da Caderneta de Poupança) e dizem que, por causa disso, seria melhor entregar o dinheiro diretamente ao trabalhador, que saberia o que fazer com ele.

Construção civil: geração de empregos em massa com dinheiro do FGTS
REPRODUÇÃO/AGÊNCIA BRASIL
Construção civil: geração de empregos em massa com dinheiro do FGTS


Isso, no entanto, não é razão para acabar com tudo o que se acumulou por meio desse mecanismo por meio de um golpe de medidas típicas do populismo de direita.

Esse fundo, como se sabe, é formado pelo depósito compulsório que as empresas fazem em nome de cada funcionário contratado com carteira assinada. Embora possa ser incluído (e, de fato, pode) entre aqueles encargos que oneram a folha de pagamentos no Brasil, ele tem representado, ao longo do tempo, um estoque de poupança que, em muitos momentos, ajudou a estimular a economia e a gerar de empregos.

O dinheiro do FGTS, a princípio, tinha como único destino o financiamento da construção de casas populares coma intermediação do BNH. Depois, passou a ser usado, também para o  financiamento de imóveis de alto padrão e de obras de saneamento.

Desvios

Seja como for, o FGTS ajudou a consolidar a indústria nacional da construção civil (com sua formidável capacidade de gerar empregos) e permitiu que muitos brasileiros comprassem a casa própria que não conseguiriam por outros meios.

A utilização desse dinheiro para financiar empreendimentos privados, como não é raro no Brasil, algumas vezes recebeu críticas e foi objeto de suspeita de desvio.

Uma das denúncias mais recentes envolveu um esquema que beneficiou os ex-deputados Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves (todos do antigo PMDB).

Eduardo Cunha: acusado de receber pedágio para liberar recursos do FI-FGTS
Alex Ferreira/Câmara dos Deputados - 6.10.2015
Eduardo Cunha: acusado de receber pedágio para liberar recursos do FI-FGTS

O esquema consistia na cobrança de um pedágio para liberação de recursos do FI-FGTS, um fundo de investimentos para obra de infraestrutura formado com recursos do Fundo e administrados pela Caixa Econômica Federal.

Segundo o delator Lúcio Funaro teriam sido pagas, com esse pedágio, propinas no valor de R$ 89,5 milhões a Cunha, R$ 17,9 milhões a Geddel e R$ 6,7 milhões a Alves. Os valores são expressivos, não há dúvida. 

O certo seria que nenhum centavo tivesse sido desviado, mas essa não é a questão. O que se discute aqui, porém, não são os desvios, mas o uso lícito do dinheiro e o que se defende é a utilização desses recursos para gerar empregos.

Para não gerar discussões, é só perguntar a qualquer trabalhador desempregado se ele trocaria os R$ 500 liberados pelo governo por um emprego com carteira assinada. A resposta, com certeza, será sim.

Pecado mortal

O governo, de início, chegou a pensar em liberar recursos muito superiores a esses, mas foi demovido da ideia pelos empresários da construção civil .

Eles mostraram ao Planalto que a decisão privaria a construção civil de seu canal mais sólido de financiamento e causaria uma onda de desemprego tão devastadora que faria qualquer efeito positivo de estímulo à economia parecer uma piada.

Veja também: Saque-aniversário do FGTS deve movimentar R$ 150 bilhões, diz governo

Se fossem utilizados para financiar obras de infraestrutura ou mesmo a construção civil pelo país afora, os mesmos R$ 42 bilhões que serão liberados agora teriam um impacto muito mais positivo sobre a saúde econômica do país e sobre a geração de empregos com carteira assinada do que a entrega de R$ 500 ao titular de cada conta ativa ou inativa.

O problema é que o histórico recente de utilização desonesta do dinheiro público no Brasil transformou a simples menção à possibilidade de estímulo à economia com dinheiro oficial uma ideia a ser abatida antes de levantar voo.

Pelo ideário liberal dos almanaques mais superficiais, o capital privado é suficiente para financiar a retomada do desenvolvimento. Basta que ele encontre condições favoráveis que incluem o equilíbrio fiscal e a redução das exigências burocráticas.

Infelizmente, não existe na história nenhum exemplo de país que tenha saído de uma crise tão profunda quanto a atual recessão brasileira sem uma fonte robusta e geralmente estatal de financiamento.

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Calma! Ninguém está defendendo aqui que o dinheiro do povo seja usado sem critérios para financiar obras que, no final das contas, não passarão de uma forma legal de transferir os recursos dos cofres públicos para os bolsos privados.

Nada disso! O que está sendo proposto é que, como o dinheiro é do povo, nada mais justo do que utilizá-lo da forma que mais traga benefícios ao país de forma mais duradoura.

Os mesmos R$ 500 que, para qualquer pessoa, são uma ninharia, formam um bolo formidável quando visto por sua soma. Bem utilizados, teriam um impacto enorme no  estímulo à economia . Mas, pelo visto, o populismo, seja de esquerda ou de direita, considera que pensar o Brasil no médio prazo é uma espécie de pecado mortal.

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