Fernando Capez, diretor executivo do Procon
Procon-SP
Fernando Capez, diretor executivo do Procon


Já houve tempos em que a doutrina e a jurisprudência confundiam o dano moral com o dano extrapatrimonial. Se analisarmos a questão tecnicamente, verificaremos que o dano moral pode assumir outros contornos, como aqueles que podem acarretar angústia, dor emocional, sofrimento, ou até, lesionar questões ligadas aos direitos da personalidade do cidadão.


Os direitos da personalidade são inerentes às pessoas naturais e jurídicas, desde que dotadas de personalidade jurídica, e objetivam a promoção da defesa da integridade física , moral e intelectual da pessoa.

Apresentam como características sua indisponibilidade, perpetualidade, oponibilidade erga omnes, intransmissibilidade, incomunicabilidade, impenhorabilidade, imprescritibilidade e irrenunciabilidade.

São espécies de direitos de personalidade:

  • o direito à vida, consubstanciado na proteção da existência da pessoa natural e jurídica;
  • direito à integridade física, sendo vedado qualquer tipo de agressão ao composto biopsicológico da pessoa;
  • direito ao corpo, sustentado pela possibilidade de livre utilização do corpo em todas as suas potencialidades, desde que não atente contra a vida e incolumidade biopsíquica da pessoa;
  • direito à imagem, compreendido como qualquer forma de exteriorização da imagem do titular;
  • direito à honra, relacionado aos aspectos morais da pessoa;
  • direito aos alimentos, entendido como a obtenção de meios para a manutenção mínima de sua subsistência;
  • direito ao cadáver, respeitando os aspectos post mortem do titular, dentre outros.

O rol apresentado não é exauriente, sendo apenas alguns exemplos de direitos de personalidade. Por essa razão que não encontramos tipificação específica em lei que regule os direitos da personalidade, vez que fazem parte da tutela geral da personalidade.

Nesse cenário, reforça-se que qualquer tipo de lesão aos direitos acima mencionados ou a outros que eventualmente componham a integridade existencial da pessoa, serão passíveis de reparação por dano moral.

Antigamente, a reparação por dano moral só era possível se estivesse relacionada a uma indenização por dano material; todavia, o art. 186 do Código Civil passou a admitir, a partir de 2002, o dano exclusivamente moral, em obediência aos preceitos constitucionais contidos nos arts. 1º, III e 5º, V e X.

  • Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
  • III - a dignidade da pessoa humana;
  • Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
  • V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
  • X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Nesse sentido, citamos os ensinamentos de Christiano Cassetari, em seu Elementos de Direito Civil, 2ª, edição, p. 310:

“Quando se fala em dignidade da pessoa humana, fala-se, também, em um conjunto de atributos ou valores inerentes à pessoa, que, se violados, ensejarão dano moral”.

Diferentemente do que ocorre com o dano material, objeto de ressarcimento por parte do agressor; o dano moral é reparado. Tal diferenciação terminológica se dá pelo fato de que no dano material o ressarcimento tem o condão de tentar reconduzir a vítima ao status quo ante.

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Por sua vez, no que tange ao dano moral, por tratar-se de lesão a elementos fundantes do existencial do ser, a recondução ao estado anterior à lesão é impossível, razão pela qual a melhor técnica jurídica optou pelo uso da expressão “reparação”.

O dano moral pode ser subdividido entre próprio e impróprio. O dano moral próprio é aquele relacionado ao denominado pretium doloris (preço da dor), ou seja, aquele gravame capaz de causar dor, sofrimento, amargura, abalo psicológico ou angústia.Por sua vez, o dano moral impróprio é remete-se ao gravame a algum direito da personalidade da vítima.

Outra subdivisão possível no estudo do dano moral é quanto à natureza da culpa. No dano moral objetivo (in re ipsa), a culpa do agente é presumida e não precisa ser demonstrada pela vítima para receber a reparação. Nesse sentido, citamos julgado do STJ:

“Sempre que demonstrada a ocorrência de ofensa injusta à dignidade da pessoa humana, dispensa-se a comprovação de dor e sofrimento para a configuração do dano moral”. (REsp 1.292.141-SP, rel. Min Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. 04.12.12)

Já o dano moral subjetivo é aquele no qual a culpa do agente precisa ser provada, cabendo o ônus da prova ao autor em fatos constitutivos de seu direito, e ao réu quanto à existência de causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do autor (art. 373, I e II, do CPC).

Ressalte-se que, em razão de sua hipossuficiência e vulnerabilidade, sem se tratando de dano moral contra o consumidor, poderá o juiz inverter o ônus da prova.

Art. 6º do CDC. São direitos básicos do consumidor:

  • VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;
  • Art. 373, § 1º, do CPC. Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

Por fim, no que tange ao atingimento do dano causado, o dano moral pode ser subdividido em dano moral direito e indireto. O dano moral direto é aquele que tem o âmbito de atingimento da lesão constrita apenas à figura de quem sofreu o evento danoso.

Já no dano moral indireto apresenta grau de atingimento amplo, abarcando além da vítima direta, terceiros que não estavam diretamente ligados ao fato danoso. Por essa razão o dano moral indireto também pode ser denominado como “dano moral em ricochete”.

“ (...). 2. Reconhece-se a legitimidade ativa dos pais de vítima direta para, conjuntamente com essa, pleitear a compensação por dano moral por ricochete, porquanto experimentaram, comprovadamente, os efeitos lesivos de forma indireta ou reflexa. Precedentes. 3. Recurso especial não provido”. (STJ. REsp 1.208.949-MG, rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJe 15/12/2010).

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