O mecanismo de responsabilização civil objetiva foi o adotado pelo Código de Defesa do Consumidor como forma geral, conforme pode ser facilmente apreendido na leitura do art. 14. Todavia, a própria lei excepcionou essa regra, consagrando em seu § 4º a responsabilidade civil subjetiva dos profissionais liberais.
Art. 14, §4º. “A responsabilidade dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.
Ou seja, os profissionais liberais, em que pese serem prestadores de serviço, responderão subjetivamente pelos defeitos no serviço por eles prestados. Ressalte-se que a excepcionalidade trazida pelo art. 14, § 4º, do CDC, não excluiu a aplicação dos demais deveres que o prestador deve ter com o consumidor, tais como o de informação (art. 5º, XIV da CF/88 e art. 6º, III do CDC), transparência, boa-fé e vedação de publicidade enganosa (art. 37, § 1º do CDC).
Sabedores da regra diferenciada imposta pelo CDC, faz-se a seguinte questão: Quem é o profissional liberal? Comumente diz-se que é aquele que trabalha por conta própria, por si só, de forma livre, o que a grosso modo não está equivocado. Porém, a sociedade tende a identificar os profissionais liberais como apenas aqueles portadores de diploma de nível superior que prestam serviço especializado autonomamente, tais como: advogados, médicos, dentistas, arquitetos e engenheiros.
Tal visão, com respeito às opiniões em contrário, já está ultrapassada, vez que o conceito de profissional liberal deve ser estendido àqueles que não são detentores de grau de ensino superior, como sapateiros, marceneiros, gesseiros, costureiras, dentre outros. Tais profissionais desempenham tarefa específica em sua área de atuação e sua contratação pelo consumidor é intuiu personae , ou seja, em razão das especificidades pessoais e qualidades apresentadas pelo prestador de serviço no mercado.
Fator importante que deve ser ressaltado é que para a configuração da atuação do prestador de serviço como profissional liberal, é preciso que prestem o serviço com autonomia, por conta própria, sem subordinação. Caso o prestador esteja vinculado a uma pessoa jurídica, esta será responsabilizada pelos danos causados ao consumidor e a responsabilidade será objetiva, independente de dolo ou culpa. Nesse sentido, nos mostram Cláudia Lima Marques, Herman Benjamin e Bruno Miragem, em Comentários ao Código de Defesa do Consumidor , 6ª edição, p. 569:
“Também me parece que as pessoas jurídicas formadas por médicos ou outros profissionais perdem este privilégio, devendo ser tratadas como fornecedores normais, elas mesmas não profissionais liberais”.
Quando um consumidor contrata um profissional liberal para um determinado serviço, o faz por uma razão. Por exemplo, o advogado é contratado para representação em Juízo; o dentista para um tratamento de cárie ou uma costureira para a readequação de uma vestimenta. A contratação gera direitos e deveres para ambas as partes, ficando o consumidor obrigado a pagar o preço e ter direito de receber o que fora contratado e ao profissional liberal o dever de prestar o serviço e o direito de receber o valor cobrado.
Você viu?
Dependendo do tipo da atividade desempenhada pelo profissional liberal, a obrigação por ele adquirida pode apresentar duas naturezas, quais sejam: obrigação de resultado e obrigação de meio.
A obrigação de resultado é aquela que o profissional liberal assume o dever de atingir um resultado certo e determinado, sem o qual configurará o inadimplemento contratual. Por sua vez, a obrigação de meio é aquela que o profissional liberal se obriga a desempenhar sua função com a habilidade, técnica, prudência e diligência necessárias para se atingir um resultado, sem, todavia, se vincular a obtê-lo.
Nesse sentido, podemos dizer que nas obrigações de resultado a finalidade certa e determinada é o conteúdo da obrigação. Já nas obrigações de meio, o conteúdo da obrigação é o desempenho correto da atividade profissional.
Um médico, ao submeter o paciente ao tratamento oncológico, utilizará todo o conhecimento profissional amealhado ao longo dos anos e disporá de todos os aparatos tecnológicos disponíveis na busca da cura da enfermidade, sem, contudo, assegurar o êxito do tratamento; tratando-se, portanto, de uma obrigação de meio. De outra forma, o médico cirurgião plástico estético, ao mostrar projeções de como ficarão as partes do corpo submetidas à intervenção, vincula-se à imagem por ele prometida, configurando-se, assim, uma obrigação de resultado.
Quanto à natureza da obrigação do médico profissional liberal, nos ensina Sérgio Cavalieri Filho, em Programa de Responsabilidade Civil, 7ª edição, p. 360 e 369:
“Nenhum médico, por mais competente que seja, pode assumir a obrigação de curar o doente ou de salvá-lo, mormente quando em estado grave ou terminal (...). A obrigação que o médico assume, a toda evidência, é a de proporcionar ao paciente todos os cuidados conscienciosos e atentos, de acordo com a aquisição da ciência (...). Logo, a obrigação assumida pelo médico é de meio, e não de resultado, de sorte que, se o tratamento realizado não produziu o efeito esperado, não se pode falar, por si só, em inadimplemento contratual” (p. 360)
“O mesmo já não ocorre com a cirurgia estética. O objetivo do paciente é melhorar a aparência, corrigir alguma imperfeição física – afinar o nariz, eliminar as rugas do rosto etc. Nesses casos, não há dúvidas, o médico assume obrigação de resultado, pois se compromete a proporcionar ao paciente o resultado pretendido” (p. 369)
Por fim, faz-se necessário dizer que, conforme a natureza da obrigação assumida pelo profissional liberal (meio ou resultado), a apuração da responsabilidade será feita com base na natureza da culpa a ela vinculada. Nesse sentido, serão aplicáveis as regras de responsabilidade civil subjetiva com culpa provada para os casos de obrigação de meio, e de responsabilidade civil subjetiva com culpa presumida nos casos de obrigação de resultado.