Após sofrer dois adiamentos consecutivos, o Censo finalmente está sendo realizado e a previsão é que o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgue os dados em abril. Afinal, depois de toda a confusão, qual o grau de confiabilidade da pesquisa?
O Censo deveria ocorrer a cada dez anos, no entanto, por conta da pandemia, em 2020, e falta de verba , em 2021, os agentes só saíram às ruas no dia 1º de agosto de 2022, 12 anos e meio depois do último levantamento e por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF).
Para especialistas, o atraso deve-se ao "negacionismo estatístico" do governo passado, de Jair Bolsonaro (PL).
"Os motivos oficias do atraso foram a pandemia e o corte de verbas, mas o extraoficial foi o negacionismo. Além do negacionismo da vacina, da ciência, tinha o negacionismo estatístico. O ex-presidente Jair Bolsonaro negava os dados populacionais, de desemprego, entre outros, do IBGE. Na prática, essa foi a razão da demora", diz Ricardo de Sampaio Dagnino, professor do Departamento Interdisciplinar da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e membro da Abep (Associação Brasileira de Estudo Populacionais).
"Houve quase que uma greve dos recenseadores por conta de atraso nos pagamentos. Isso é inédito", adiciona.
Dagnino exemplifica citando o caso em que o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, criticou o IBGE, acusando-o de estar "na idade da pedra lascada".
Entre no canal do Brasil Econômico no Telegram e fique por dentro de todas as notícias do dia. Siga também o perfil geral do Portal iG
"O IBGE está na idade da pedra porque o Brasil está na idade da pedra então. A missão do IBGE é retratar o Brasil, e se o país está atrasado em alguns aspectos, a pesquisa tem que dar um passo atrás e respeitar. Por exemplo, o indígena precisa ter um recenseador indígena, na favela, precisa ter alguém da favela, que conheça aquela realidade", afirma.
José Carlos Milléo De Paula, do Departamento de Geografia da UFF (Universidade Federal Fluminense), diz que houve um esforço do governo Bolsonaro para instituir um desmonte no IBGE.
"Importantes organismos de pesquisa e de sondagem foram desidratados. Tudo foi desmontado, infelizmente, e o IBGE não foi exceção. Por isso o atraso, se o topo não estiver alinhado com a base, que são os recenseadores, você vai ter problemas", comenta.
Os especialistas reforçam que o Censo é a principal pesquisa demográfica realizada no país e que precisa ser valorizado tanto pelo governo quanto pela população. A Abep e ex-presidentes do IBGE se posicionaram por meio de carta aberta para defender a pesquisa.
Recusas podem afetar os dados?
O Instituto informou que a taxa média de domicílios que se recusaram a responder a pesquisa é de 2,43%, sendo que em estados mais populosos, como São Paulo, esse índice chega a 4,49%, o que equivale a cerca de 720 mil domicílios. Mato Grosso é o segundo estado com maior percentual de recusas no país (3,38%) e Cuiabá também aparece em segundo lugar no ranking entre as capitais (4,3%).
Para especialistas, esse dado não é preocupante, pois os técnicos do IBGE possuem maneiras de atenuar essas recusas. Inclusive, impondo a Lei nº 5.534 de 14 de novembro de 1968, que garante ao cidadão o direito de sigilo estatístico e seu dever de prestar informações ao IBGE.
"O IBGE faz Censos desde a década de 1930, então existem estratégias para afinar os dados após as negativas", diz Sampaio Dagnino, adicionando: "Nunca vi essa lei ser imposta, normalmente só a comunicação dela já faz a pessoa ou o condomínio permitir a entrada do recenseador para coletar os dados".
"Recusas sempre existiram, é normal, e o IBGE tem métodos estatísticos para fazer inferência nos domicílios recusados. Conhecendo o setor censitário, por exemplo, seja um condomínio ou uma favela, é possível estimar como seria a resposta daquele domicílio a partir do grau de instrução e do perfil de renda daquela área, mas esse é um caso extremo, se não houver maneira nenhuma de reverter a recusa", explica.
Em tese, o trabalho de campo termina em fevereiro, mas processos de revisão, controle de qualidade e apuração do Censo seguirão sendo realizados até abril para que os dados possam ser compilados com o menor índice de erros possível.
Para reverter algumas recusas, os técnicos do IBGE elaboraram um protocolo que deve ser seguido pelos recenseadores e pela coordenação local até abril.
"Há um modelo de ofício a ser entregue aos síndicos ou à representação dos condomínios. Quando esse documento não tem efeito prático, o recenseador é instruído a recorrer à polícia local. Essa é a recomendação porque, por lei, ninguém pode impedir uma unidade habitacional de responder ao Censo. Há situações em que uma pessoa tenta impedir um condomínio inteiro de participar do Censo", afirma o coordenador técnico do Censo, Luciano Duarte.
Novidades
A edição de 2022 do Censo Demográfico traz algumas novidades. Pela primeira vez, os moradores de territórios quilombolas serão recenseados. Neste ano, também haverá coleta do CPF e do telefone do entrevistado pela primeira vez.
Para este grupo foram considerados os territórios quilombolas delimitados pelo Incra e pelos institutos estaduais de terra. Também foram mapeados os agrupamentos quilombolas identificados pelo IBGE e outras localidades não definidas em setores censitários que vieram a constituir áreas quilombolas. Somadas a fontes, o Instituto chegou a 5.972 localidades quilombolas no Brasil.
Assim como no questionário destinado aos povos indígenas, na abordagem aos quilombolas haverá abertura restrita de quesitos quando o recenseador estiver em uma área quilombola. A pergunta será "você se considera quilombola?" e, se a resposta for positiva, o morador deverá responder ainda o nome de sua comunidade. Com essas respostas será conhecido o número de quilombolas existentes no país e que comunidades pertencem.
Entre as novidades nos questionários do Censo deste ano estão temas nunca antes investigados, como diagnóstico de transtorno do espectro autista por profissional de saúde e coleta do CPF dos informantes para uma melhor qualidade de cobertura da operação.
"Por ser a primeira vez, você tem uma dificuldade inerente a isso. Você tem que criar conceituações e acessos para estimar esse número. Eu acredito que a gente vá sofrer as dores dessa estreia, mas à medida que vai se fazendo a pesquisa, vai vencendo essas dificuldades", diz o professor José Carlos Milléo De Paula, do Departamento de Geografia da UFF.
Sampaio Dagnino, membro da Abep, lembra também que os dados de CPF e telefone não serão compartilhados com outros órgãos como, por exemplo, a Receita Federal, devido à lei que impõe sigilo às informações estatísticas.
O que diz o IBGE?
Em nota, o IBGE garantiu que o Censo Demográfico 2022 está sendo realizado de forma transparente, com vários mecanismos de controle e seguindo rigorosamente as etapas necessárias, o que assegura qualidade em todas as fases da operação.
O IBGE informou, ainda, que está dedicado a minimizar os efeitos do atraso na conclusão da operação censitária para a qualidade dos resultados. "Ressaltamos que cerca de 65% da coleta das informações do Censo 2022 foi feita até o mês de outubro. Destacamos ainda que se trata de uma pesquisa com coleta eletrônica, o que reduz a possibilidade de erro durante a captação das informações, visto que as datas de referência da pesquisa fazem parte das perguntas inseridas no Dispositivo Móvel de Coleta (DMC)”, emendou.
"Existem perguntas de cobertura para verificação das informações, além da etapa de supervisão prevista". O órgão revelou, também, que os dois atrasos que impediram a realização do Censo em 2020 e 2021 resultaram em aprimoramento de alguns processos de operação.
De acordo com o IBGE, a falta de pessoal, especialmente para a coleta de dados, causou o prolongamento do período da pesquisa. Um dos motivos notados pela instituição para a escassez, em alguns municípios, tem relação com outras oportunidades de emprego existentes no local.
Para reduzir o problema, o IBGE adotou ações como a edição de medidas provisórias com o objetivo de flexibilizar o recrutamento e permitir a contratação de servidores públicos aposentados. Além disso, aumentou a remuneração dos recenseadores, implementou o pagamento de ajuda locomoção das equipes e fez acordos com secretarias municipais de saúde e universidades.