Depois do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira,
o presidente Jair Bolsonaro (PL) também afirmou que banqueiros assinaram manifesto pela democracia porque perderam dinheiro com o Pix, lançado oficialmente em 2020. "É o Pix, eu dei uma paulada neles", declarou Bolsonaro em conversa com apoiadores no cercadinho do Palácio da Alvorada nesta quinta-feira (28).
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"No nosso governo, [teve] a criação do Pix. Alguém falou 'Vamos taxar', eu falei 'Não, tem taxação não'. Você pode ver esse negócio de carta aos brasileiros em favor da democracia, os banqueiros tão patrocinando. É o Pix, eu dei uma paulada neles. Os bancos digitais também, que nós facilitamos. Nós estamos acabando com o monopólio dos bancos, eles estão perdendo o poder. Carta pela democracia, qual a ameaça que eu tô fazendo à democracia?".
Na última terça, a Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) divulgou um manifesto intitulado "Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito". Até a manhã de hoje, o documento já havia atingido a marca de 215 mil assinaturas.
"Estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições", diz o documento que, em nenhum trecho, cita Bolsonaro.
"Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do
processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente
conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais
poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da
ordem constitucional".
"Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a
secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a
democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui
também não terão", continua.
Entre os signatários, estão os banqueiros Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, copresidentes do Conselho de Administração do Itaú Unibanco, e de Candido Bracher, ex-presidente do banco e hoje membro de seu conselho.
Além deles, também assinam a carta juristas, artistas, empresários e outras entidades da sociedade civil, como os cantores Chico Buarque e Arnaldo Antunes, o padre Júlio Lancelotti, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e o ex-jogador de futebol e comentarista Walter Casagrande.
O texto também diz que "no Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições".
"Carta pela democracia, qual a ameaça que eu tô fazendo à democracia?"
Não é de hoje que o presidente Jair Bolsonaro ataca as instituições democráticas e o sistema eleitoral brasileiro. Somente no último dia 18, durante reunião com embaixadores, Bolsonaro disse mais uma vez, sem provas, que o sistema eleitoral brasileiro é suscetível a fraudes.
Ele voltou a apresentar uma versão distorcida de um inquérito da Polícia Federal de 2018. Segundo ele, hackers teriam ficado por oito meses dentro de computadores do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Contudo, ainda no ano passado, a PF já havia concluído que o ataque não comprometeu a segurança das urnas.
Também afirmou que apenas dois países no mundo possuem um sistema eleitoral semelhante ao brasileiro, o que não é verdade. Ainda saiu em defesa das propostas das Forças Armadas para as eleições e lembrou já ter proposto voto impresso ao Congresso Nacional.
Além disso, atacou nominalmente os ministros Edson Fachin (presidente do TSE), Luís Roberto Barroso (ex-presidente do TSE), e Alexandre de Moraes (do STF).
Em resposta, o TSE fez um compilado de conteúdos que rebatem as alegações do presidente na reunião. Veja aqui.
Mais recentemente, no dia 24, o Partido Liberal (PL) oficializou a candidatura de Bolsonaro à presidência da República. E durante a convenção, ele voltou a atacar o STF. O presidente chegou a convocar um ato para o dia 7 de setembro, dizendo que os "surdos de capa preta" precisam entender o que é a voz do povo.
"Convoco todos vocês agora para que todo mundo no 7 de setembro vá as ruas pela última vez. Esses poucos surdos de capa preta têm que entender a voz do povo. Tem que entender que quem faz as leis é o Legislativo e o Executivo. Todos tem que jogar dentro das quatro linhas da Constituição", disse, sem mencionar, de fato, a Corte.
Ciro Nogueira diz que banqueiros assinaram carta porque perderam R$ 40 bilhões com Pix
O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, afirmou na terça-feira que banqueiros teriam aderido ao manifesto pela democracia organizado pela Faculdade de Direito da USP porque os bancos perderam R$ 40 bilhões por ano com a criação do Pix.
Pelas redes sociais, o ministro alegou que hoje os banqueiros podem assinar cartas como essa porque o Banco Central é independente e que, por isso, eles não precisam temer perseguição. No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei Complementar 179/2021, que estabelece autonomia à entidade monetária.
Pela lei, presidente e diretores do BC passaram a ter mandatos fixos de quatro anos, não coincidentes com o do presidente da República. Nogueira disse que esse mesmo Banco Central independente coloca em prática o Pix, que segundo ele, "transferiu mais de R$ 30, 40 bilhões de tarifas que os bancos ganhavam a cada transferência bancária e hoje é de graça".
"Então, presidente [Bolsonaro], se o senhor faz alguém perder 40 bilhões por ano para beneficiar os brasileiros, não surpreende que o prejudicado assine manifesto contra o senhor".
Toma-se o Itaú Unibanco, cujos conselheiros assinaram o manifesto, como exemplo. Não houve perdas de receitas; pelo contrário. O banco anunciou ter encerrado 2021 com lucro líquido de R$ 24,988 bilhões, acima do observado em 2020, quando reportou ganhos de R$ 18,9 bilhões.
Pix não foi pensado no governo Bolsonaro
Ainda que Ciro Nogueira e Jair Bolsonaro tenham atribuído a criação do Pix à gestão atual, o sistema de transferências instantâneas foi pensado durante o governo de Michel Temer (MDB), conforme apurou o colunista do GLOBO Alvaro Gribel.
Embora tenha sido lançado no governo Bolsonaro, o projeto já estava incluído na chamada "Agenda BC+", pensada quando Ilan Goldfajn ainda estava à frente do Banco Central (2016 - 2019).
Em dezembro de 2016, Goldfajn já sinalizava que a entidade monetária poderia lançar uma ferramenta inspirada no Zelle, plataforma similar ao Pix que a fintech Early Warning Services havia anunciado pouco tempo antes nos Estados Unidos.
"As inovações tecnológicas têm mudado o mundo em várias áreas. Nós estamos acompanhando essas inovações no sistema financeiro. Temos inovações nas formas pagamento", afirmou à imprensa à época.
Foram anos de desenvolvimento até que o sistema fosse lançado de fato. As ideias foram incorporadas pelo seu sucessor, Roberto Campos Neto (2019 -).
Em 2019, a agenda foi rebatizada de "Agenda BC#". Naquele ano, durante a divulgação do programa, Campos Neto falou em "democratização do sistema financeiro". Veja no vídeo:
Ou seja, o desenvolvimento do Pix também não tem nada a ver com a autonomia do Banco Central, como sugeriu Ciro Nogueira.
Às vésperas do lançamento, Bolsonaro não sabia o que era o Pix
Em outubro de 2020, às vésperas do lançamento do sistema de transferências instantâneas do Banco Central, o Pix, Jair Bolsonaro recebeu parabéns de um apoiador pela tecnologia. Sem entender do que se tratava, o presidente começou a falar sobre aviação civil.
"Tem uma... não li... temos uma do Tarcísio essa semana que vai praticamente desregulamentar, desburocratizar tudo sobre aviação civil, carteira de habilitação para piloto", respondeu.
"Não, esse é do Banco Central, para pagamentos", devolveu o apoiador, que em seguida explicou o que era o Pix. Veja no vídeo abaixo:
Fiesp também articula manifesto em defesa da democracia
Além da carta aos brasileiros, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também articula um outro manifesto pela democracia. Chamado de Chamado de "Em Defesa da Democracia e da Justiça", o documento deve ser publicado nos principais jornais do país nos próximos dias e lido no dia 11 de agosto, em evento no largo de São Francisco, junto com o texto da Faculdade de Direito da USP.
Na última quarta (27), a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou em comunicado que vai assinar o manifesto da Fiesp. "A Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), no âmbito de sua governança interna, por maioria, deliberou por subscrever documento encaminhado à entidade pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), intitulado 'Em Defesa da Democracia e da Justiça'".
A Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, que no ano passado ameaçaram deixar a Febraban por um motivo parecido, não apoiaram a assinatura.