No 21º andar da sede da Caixa Econômica Federal , em Brasília, a nova presidente do banco estatal, Daniella Marques, exibe em um quadro de anotações a sua estratégia para reverter o maior escândalo da história da instituição, que resultou na queda de Pedro Guimarães , seu antecessor, acusado de assédio sexual.
Ela quer lançar um grande pacto entre os setores público e privado para enfrentar a violência contra a mulher e incentivar o empreendedorismo. Nessa estratégia, a Caixa deverá lançar um atendimento exclusivo para mulheres na agência e um extrato bancário com QR Code, que permita abrir uma cartilha sobre proteção para mulheres.
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Em outra frente, a ex-secretária de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia pretende investir em tecnologia para reter clientes que se relacionam com o banco. Veja abaixo os principais trechos da entrevista ao GLOBO:
Após três semanas à frente da Caixa, qual o seu diagnóstico sobre o banco?
O primeiro passo foi construirmos um plano de ação em relação à crise, aos fatos expostos. O Conselho de Administração do banco me apoiou muito. Conseguimos nos mover muito rápido e nos posicionar para criar uma estrutura isonômica e séria de apuração dos fatos. Abri um canal de diálogo, apoio e acolhimento para mulheres. Tem uma sala de atendimento permanente que eu visito com frequência.
O processo todo corre em absoluto sigilo. Então, o que me comprometi na minha posse e fiz rapidamente foi criar governança de apuração independente e rigorosa. Isso está acontecendo. Não posso expor as pessoas, as famílias das pessoas, o próprio banco em si.
O que está sendo feito para corrigir erros da gestão passada?
Não sou juíza e não cabe a mim julgar evidências de fatos. Cabe a mim construir uma governança sólida de apuração. Mas, quando se olham as evidências, os sintomas do fato, quando se fala em possíveis denúncias de assédio, isso é um sintoma de uma doença que, na verdade, infelizmente ainda está presente no Brasil, com toda essa questão de abuso infantil, violência doméstica contra mulheres e assédio sexual no ambiente de trabalho.
A minha proposta para o conselho foi a Caixa, além de ser o banco de todos os brasileiros, que traz empreendedorismo como ferramenta de transformação social, ser a mãe da causa das mulheres.
Como isso ocorrerá na prática?
Conversei com vários institutos, com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e com a própria Febraban (Federação Brasileira de Bancos) para o sistema financeiro se unir numa rede de proteção de mulheres. Falta rede, falta conscientização, falta proteção às vítimas, falta difusão dos canais de denúncia, principalmente para a população mais vulnerável.
Tenho que usar a minha força de rede bancária para criar um mecanismo de proteção para as mulheres. Teremos um espaço para mulheres dentro das agências, que estamos chamando de “Caixa para elas” e que vamos lançar no fim do mês.
Quando geramos conscientização, inibimos novos fatos, porque as pessoas vão ver que tem alguém olhando, e começaremos a encorajar as vítimas. Cada extrato (bancário) pode ter mensagens como: você pode ser MEI (microempreendedor individual), um código 18O (Central de Atendimento à Mulher) com QR Code e com toda a cartilha de prevenção e combate à violência.
Quero pegar não só a força de rede da Caixa, mas fazer construir um grande pacto nacional de proteção das mulheres.
A senhora já foi vítima de assédio?
Eu não queria falar da minha vida privada. Vejo essa questão como comportamento inadequado em ambiente de trabalho. Para mim, lugar de trabalho é lugar de exercício de vocação, mérito e respeito. Ponto final. Quer fazer piada, brincar, ver filme e foto? Tem outros lugares adequados que não o ambiente de trabalho.
Por que não foram tomadas providências antes quando começaram a surgir, há algum tempo, as primeiras denúncias de assédio sexual?
Não posso responder pela gestão passada. Recebi uma pesquisa, na semana passada, que mostra que 52% das mulheres economicamente ativas são vítimas de assédio. Isso não é um problema exclusivo da Caixa. Mas a Caixa pode liderar esse processo de mudança, sendo promotora do empreendimento feminino. Essa é a semente que eu vou deixar na rede do banco.
A senhora pretende dar continuidade ao projeto "Caixa Mais Brasil" do seu antecessor e viajar pelo país?
Não. Quero estar próxima da rede, mas como executiva, engajando e apoiando quem trabalha na Caixa. A força do banco está na rede, em quem está operando na ponta. São mais de 90 mil pessoas, em quase 100% dos mais de cinco mil municípios. Na reestruturação que fizemos, juntamos as vice-presidências de Logística com a de Pessoas para ter maior eficiência e fluidez, conciliando a gestão de pessoas e processos a partir da matriz.
Acredito em um estilo de gestão mais nuclear. Pretendo dar mais liberdade de argumentos. Ontem fiz uma live com as pessoas da Caixa e lancei o desafio “tem Caixa para mais”, que eles mesmo respondam, como é que nos tornamos mais próximos e mais empáticos para atender melhor o cidadão, conciliando toda a nossa vocação social com uma vocação de resultados.
Para a senhora, há algum conflito entre a vocação social da Caixa e a agenda liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes?
Nenhum. Pelo contrário. A Caixa foi o banco operador do auxílio emergencial. Aí, teve um processo bastante interessante que foi a criação da plataforma digital de governo (gov.br) para atender o cidadão. Essa plataforma tem hoje mais de 4 mil serviços digitalizados e mais de 130 milhões de pessoas. Quero pegar toda essa vocação social para fortalecer a promoção do empreendedorismo como ferramenta de transformação social.
A melhor máquina de difusão de ideias liberais e de economia de mercado que podemos ter é trabalhar por meio da promoção do empreendedorismo, da educação financeira na base. Tive uma reunião recente com o Sebrae para ampliar o acordo de cooperação e entrar de forma mais integrada e próxima para promover o empreendedorismo no Brasil. O Sebrae entra com a qualificação, enquanto eu entro com o crédito, educação financeira e a tecnologia.
Guedes defende a privatização dos bancos públicos. Esse é o caminho para a Caixa?
Não é o momento para pensar nisso. Não está no plano. Acho que podemos ter um olhar de sustentabilidade de negócios da Caixa. Com essa revolução digital e de produtos financeiros, se não investirmos na sustentabilidade dos nossos negócios agora, daqui a dez anos teremos só um banco social que não dá resultado.
Preciso simplificar a vida do cliente. Por que ele não está aqui? Porque no banco o processo é muito burocrático. A Caixa é o transatlântico e tem um monte de barquinho, de banco digital, tentando tirar um pedacinho da minha casca. Só que agora reorientamos o transatlântico para deixar o cliente aqui dentro.
E qual será o plano para reter mais clientes?
Primeiro, vamos reorientar o foco dos grandes para pequenos e médios empreendedores. Segundo, quero trazer o cidadão para o centro do enfoque da Caixa, trabalhar desde a progressão financeira dele até a máxima independência financeira. Precisamos ser também o banco das prefeituras em resíduos, saneamento, iluminação pública e escola.
A senhora pretende dar continuidade ao processo de abertura de agências, na contramão do mercado?
A Caixa estar presente onde nenhum banco está tem a ver com a nossa vocação social. Em termos de despesa, isso não teve uma oneração muito grande. Essa estratégia não foi de expansão, mas sim de realocação de foco. Queremos manter essa essência de estar presente onde nenhum outro banco quer estar, porque talvez não seja tão rentável aquele posto.
Mas isso adiciona valor à marca. Se trabalho na progressão de renda e riqueza das pessoas e coloco elas no caminho da prosperidade, certamente, a Caixa vai ser a marca mais admirada do Brasil.