A agenda econômica do governo , eleito em 2018 prometendo reformas estruturantes, entra na reta final do mandato de Jair Bolsonaro com poucas conquistas . O esforço do Ministério da Economia no primeiro semestre para aprovar projetos no Congresso antes do recesso de julho e das eleições foi trocado por propostas, muitas com viés mais populista que liberal, visando, segundo especialistas e integrantes do governo, recuperar a popularidade do presidente que tenta a reeleição em outubro.
O governo priorizou projetos que buscam reduzir o preço dos combustíveis e tentam turbinar a campanha de Bolsonaro, como a PEC Eleitoral , que instituiu um estado de emergência para driblar a legislação eleitoral e permitir o aumento de gastos neste ano, sobretudo com pagamento de benefícios temporários, somente até o fim do ano.
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Temas como a reforma administrativa e a reforma tributária, que desde o início do mandato faziam parte da agenda prioritária de Paulo Guedes, ficaram de fora. Tampouco foram aprovados marcos regulatórios, como mudanças no setor elétrico. O projeto que permitiria a privatização dos Correios também não foi priorizado pelo governo no Congresso neste ano.
Avanço em propostas de desburocratização
Neste ano, as apostas da equipe de Guedes foram em propostas mais simples, mas que promovem melhorias de desburocratização e no ambiente de negócios. Foi assim com o Marco Legal das Garantias e as medidas provisórias de modernização dos registros públicos, de securitização e do aprimoramento de garantias para o agronegócio.
Para Juliana Damasceno, economista sênior da Tendências Consultoria e pesquisadora associada do Ibre/FGV, o espírito reformista do governo – que se vendeu contra a corrupção e a favor de reformas estruturais – ficou mais restrito ao período de campanha:
"Não tivemos um governo super reformista, que mudou de perfil para um mais interesseiro e eleitoral. É a forma como esse discurso ficou mais claro. O surgimento de demandas, seja da sociedade, do Congresso ou da equipe que está apoiando a reeleição de um candidato, é típico de anos eleitorais."
PEC dos Precatórios, criação do Auxílio Brasil e Orçamento
Para ela, a existência de regras tenta coibir o uso político da máquina pública a favor da reeleição de um candidato. Mas a monopolização da agenda econômica no Congresso com assuntos de interesse eleitoral começou ainda em 2021, com a aprovação da PEC dos Precatórios (que abriu espaço no orçamento) e a criação do Auxílio Brasil (que substituiu e elevou o Bolsa Família).
E também com a discussão do orçamento, que privilegiou um fundão eleitoral bilionário e deu ainda mais recursos para as emendas de relator, que servem para operacionalizar o orçamento secreto.
Em 2022, a crise nos preços dos combustíveis e a tentativa de interferência de Bolsonaro no comando da Petrobras pressionou ainda mais o governo, que abandonou pautas estruturantes e acabou sendo levado a reboque de iniciativas do legislativo, como a criação de um teto de 17% do ICMS para combustíveis, energia, telecomunicações e transporte coletivo.
"Nos últimos dois anos, o governo se empenhou com força visando a eleição. O foco desde então tem sido o que fazer para ajudar eleitoralmente o presidente. Esse ano isso ficou mais intenso ainda, por conta da inflação e das medidas quase integralmente focadas nisso", pontua Sergio Vale, economista da MB Associados.
Falta de esforço
Para ele, faltou esforço do próprio governo para aprovar algumas pautas, como a reforma tributária, já que o próprio Congresso havia demonstrado interesse em avançar na proposta. Além disso, ele lembra que muitos projetos que de fato avançaram eram de iniciativa do próprio Legislativo:
"Foi uma agenda manca. Houve avanços em alguns casos, como Eletrobras e Marco Legal das Garantias, que são coisas importantes, mas faltaram outras. O governo tinha possibilidade de avançar em outras pautas porque tinha uma certa conjunção de esforços com o Congresso para aprovar reformas nesse sentido. Faltou coordenação política para conseguir fazer essas reformas andarem e um melhor planejamento de política econômica para isso acontecer."
O abandono dessas pautas trará um impacto relevante para a agenda econômica do país. Na avaliação de economistas, alguns temas podem continuar de lado a depender do resultado do pleito, como a agenda de privatizações.
Pandemia freou 'ímpeto reformista'
Para Juliana Damasceno, como o país depende de investimentos externos ou privados, precisa investir em mudanças que propiciem segurança jurídica e melhorias no ambiente de negócios – e isso depende de reformas que não foram tiradas do papel. Ao contrário, o país aposta no improviso, como foi o caso da criação do teto do ICMS.
"É muito difícil conciliar políticas de qualidade com improviso, que piora nossa capacidade de analisar os resultados, permitindo uma calibragem ruim ao impor um limite único para todos os estados e fazer com que isso não fira o pacto federativo. Quando uma proposta assim vem de cima para baixo, também se vale do recurso eleitoral: tem eleição para governador, e o governador que não atende o projeto acaba malvisto", diz.
Sergio Vale avalia que a pandemia freou o ímpeto reformista, mas a operação focada na preocupação eleitoral do governo foi acionada muito cedo. O fato de Bolsonaro estar em segundo lugar nas pesquisas ampliou o apetite por medidas que aumentam o gasto público e promovem estrago fiscal:
"A questão do teto do ICMS foi um exemplo de uma forte mexida em tributação que deveria ter sido feito em uma reforma mais ampla. A política fiscal do governo esse ano foi toda equivocada, mal desenhada, tem sido assim desde o ano passado, e o preço a se pagar a gente já está vendo no ano que vem: curva de juros subindo, a inflação acelerando e taxa de câmbio mais pressionada."
Veja os projetos que não andaram:
Reforma administrativa: naufragou ainda em 2021 e segue fora do radar. Após várias mudanças, o relatório do deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA) foi aprovado em comissão especial em setembro, mas o texto da PEC nunca chegou a ser lido em plenário. Em fevereiro, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chegou a dizer que não descartaria a votação da proposta, talvez após a eleição, mas que para isso ocorrer seria preciso empenho do governo.
Reforma tributária: foi fatiada para tentar agilizar alguma aprovação, mas nada caminhou. Na proposta que alterava as regras para o Imposto de Renda, o texto chegou a ser aprovado na Câmara, mas foi engavetado no Congresso, onde o senador Ângelo Coronel (PSD-BA) apresentou nova versão, ajustando apenas a tabela do IR para pessoas físicas.
Já no campo dos impostos sobre consumo, a PEC 110, relatada pelo senador Roberto Rocha (PTB-MA) está parada na CCJ da casa. Primeiro projeto apresentado pelo governo, ainda em 2020, o texto que unifica os tributos federais na Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) nunca teve relatório apresentado.
Privatização dos Correios: Prometendo desestatizar o país, o governo só conseguiu concretizar a venda da Eletrobras, após entraves. Outra grande aposta, os Correios, empacou. E ainda assim o governo quis sinalizar a intenção de vender a Petrobras.
O projeto de privatização dos Correios, que passou em regime de urgência na Câmara, está parado no Senado e sem relator após a saída de Márcio Bittar (União-AC) da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). Presidente do colegiado, o senador Otto Alencar ainda não designou novo relator para o texto.
Novas prioridades: com os grandes projetos parados, a Economia mirou na aprovação ainda neste ano de projetos mais modestos. Um deles é o texto que fortalece o Pronampe, para manter os recursos para garantir empréstimos às pequenas empresas com possibilidade de alavancar novas operações que poderiam alcançar até R$ 100 bilhões.
A equipe econômica ainda celebrou a aprovação do Marco Legal das Garantias, com novas regras que flexibilizam o uso de garantias na concessão de crédito para estimular a retomada da economia, e da medida provisória que criou um sistema para cartórios adotarem serviços eletrônicos, aprovada no último dia de vigência.