Como o governo Bolsonaro, com PEC Eleitoral e outras medidas, desmontou os pilares do Orçamento
Fernanda Capelli
Como o governo Bolsonaro, com PEC Eleitoral e outras medidas, desmontou os pilares do Orçamento

Aprovada na última quinta-feira (30) pelo Senado e incluída na pauta da Câmara desta semana, a  PEC Eleitoral é mais uma medida patrocinada pelo governo Jair Bolsonaro que altera regras fiscais ou cria caminhos alternativos para aumentar gastos e driblar as limitações impostas por leis anteriores. Desta vez, o impacto fiscal estimado está no patamar de R$ 41,2 bilhões até o fim do ano.

São mudanças na Constituição patrocinadas pelo governo Bolsonaro para acomodar novas despesas e furar o teto de gastos (a regra que trava as despesas federais e é considerada a principal âncora fiscal do país). Foi uma reação à queda de popularidade do presidente, que tentará se reeleger em outubro deste ano.

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Em dezembro de 2021, foram promulgadas duas emendas à Constituição para implementar um limite anual no pagamento dos precatórios e mudar a forma de cálculo do teto de gastos com o objetivo de abrir mais espaço orçamentário. 

Essas emendas fazem parte da chamada PEC dos Precatórios (dívidas do governo para as quais não cabe mais recurso). Naquela época, o objetivo foi abrir caminho para o novo programa social de Bolsonaro, o Auxílio Brasil (novo Bolsa Família), com valor de R$ 400.

Atualmente, a discussão é sobre a expansão de benefícios, como o próprio Auxílio Brasil. Foram também criadas despesas para contemplar caminhoneiros e taxistas.

Para Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, as medidas são “claramente casuísticas”, voltadas para atender usineiros, taxistas e caminhoneiros. Ainda que as duas últimas categorias sejam afetadas pela alta nos preços dos combustíveis, Mendes argumentou que o país já passou várias vezes por esse problema, sem a necessidade de uma ação eleitoreira. 

Ele enfatizou que há ameaças além dos efeitos da PEC Eleitoral. Destacou que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) está tornando obrigatório o pagamento de emendas ao relator (a base do orçamento secreto) e ainda traz a possibilidade de o próprio Congresso estimar o índice que vai corrigir o teto de gastos.

"E, se você olha um pouco para trás, tem todo um conjunto de distribuição de benefícios tributários de captura do Orçamento pelo Congresso através do aumento das emendas e perda do Executivo sobre as contas pública", afirma. 

Veja abaixo mudanças no desempenho fiscal do governo Bolsonaro

Teto de gastos

PEC Eleitoral

PEC aprovada no Senado na última semana tem um custo de R$ 41,2 bilhões e prevê a instituição de um estado de emergência no país para possibilitar, entre outras medidas, a ampliação do Auxílio Brasil para R$ 600, a três meses da eleição. As despesas driblam a lei eleitoral e o teto de gastos.

A lei eleitoral veda a criação de benefícios no ano do pleito, a não ser em casos de emergência. A PEC, então, passa a prever um estado de emergência para driblar a lei.

Alexys Lazarou, advogado de Cascione Pulino Boulos Advogados, ressalta que o caso da PEC Eleitoral abre “margem perigosa” para subjetividade da necessidade de emergência e pode ser discutida no Supremo Tribunal Federal (STF).

"Se aceitarmos que o atual momento de crise permite burlar a lei eleitoral, deveremos aceitar também que isso será regra sempre. Todo mandatário terá o mesmo direito de potencializar a máquina pública para programas sociais, com claro impacto eleitoral, alegando ser necessário para se enfrentar uma crise; oportunidade que se tem muito no Brasil", disse.

PEC dos Precatórios

Essa  emenda à Constituição traz duas mudanças principais: um limite anual de pagamento dos precatórios e a mudança de cálculo do teto de gastos, ambas feitas para abrir mais espaço de despesas no Orçamento. 

A primeira mudança limita o pagamento de precatórios ao valor pago em 2016 (R$ 30,3 bilhões) com o reajuste do IPCA. Já o teto de gastos passou a ser reajustado com a inflação acumulada de janeiro a dezembro do ano anterior, antes era nos doze meses anteriores a junho.

Na época, a mudança fez a Bolsa cair e o dólar subir por conta do risco fiscal. 

Cristiano Vilela, especialista em direito eleitoral e sócio do escritório Vilela, Miranda e Aguiar Fernandes Advogados, afirmou que o governo já começou a emitir sinais ruins com a PEC dos Precatórios, pois ficou claro que o teto de gastos poderia ser rompido quando fosse conveniente, “o que vem a macular o instituto que surgiu justamente como forma de limitar o gasto desordenado”.

Vilela também afirmou que o orçamento secreto é uma medida inconstitucional, que fere o princípio da transparência e da moralidade na Administração Pública. Ele citou o relatório da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), apresentado na última semana.

Ele ressaltou que os dois principais candidatos, Bolsonaro e Lula, manifestaram a intenção de rever o esse mecanismo, em um movimento que pode ser visto negativamente pelo mercado internacional. 

"O texto transforma as emendas de relator-geral como sendo impositivas a partir de 2023, o que amplia ainda mais a inconstitucionalidade da medida", disse ele.

Regra de ouro

Alexys Lazarou afirma que, desde 2019, a regra de ouro , que proíbe o governo de se endividar para pagar despesas correntes, como programas sociais e folha salarial, tem sido desrespeitada.

A mudança aconteceu com a aprovação de uma emenda que permitiu o pagamento de R$ 44 bilhões do Auxílio Emergencial fora do teto de gastos em março do ano passado. A medida, ao mesmo, foi isenta do cumprimento desse dispositivo constitucional.

"O manejo de propostas de emenda à Constituição cobra um preço político caro, não se trata de um mecanismo jurídico simples. A quantidade de parlamentares que atuam no processo e o caminho que a lei cobra para se chegar ao resultado são barreiras naturais. Ao percorrer todo esse périplo, repetidas vezes, o governo mostra reconhecer a necessidade da roupagem jurídica para os gastos excessivos. Na contrapartida, se entrega ao Congresso, que passa por fiduciário de como esse governo realiza a gestão das contas públicas", disse Lazarou.

Orçamento

Orçamento secreto

orçamento secreto consiste no pagamento de emendas indicadas por senadores e deputados sem a transparência imposta pela Constituição e distribuídas sem critérios objetivos. Os recursos são usados pelo governo como uma forma de obter apoio político de aliados no Congresso. Neste ano, R$ 5,8 bilhões dos R$ 16 bilhões previstos já foram empenhados. Isso foi possível com uma alteração na LDO de 2020, seguida desde então.

Élida Graziane, professora da FGV e procuradora do Ministério Público do Tribunal de Contas em São Paulo, disse que as regras orçamentárias colocadas pela Constituição, como transparência, impessoalidade, isonomia e eficiência, "caem por terra com o Orçamento secreto”.

"Eles escolhem como bem entendem e aplicam como se não houvesse Constituição que obriga a dar publicidade, ter critérios impessoais, isonomia", disse.

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