Para evitar o descumprimento da regra de ouro, Guedes pediu que o Congresso aprove um crédito extra de R$ 248 bilhões
José Cruz/Agência Brasil
Para evitar o descumprimento da regra de ouro, Guedes pediu que o Congresso aprove um crédito extra de R$ 248 bilhões

A chamada regra de ouro é um dispositivo que impede a União, os estados e os municípios de contraírem novas dívidas para pagar despesas correntes, como os salários dos servidores, os benefícios previdenciários e o financiamento da máquina pública. Prevista no artigo 167 da Constituição Federal, a regra determina que o governo só pode expandir o endividamento público para quitar dívidas antigas ou fazer investimentos que possam gerar crescimento da economia ou aumento da arrecadação.

É justamente para evitar o descumprimento da regra de ouro que o ministro da Economia, Paulo Guedes, pediu que o Congresso Nacional aprove um crédito extra de R$ 248 bilhões , que seriam destinados ao pagamento de despesas essenciais. A maior parte desses recursos (R$ 201 bilhões), segundo Guedes, seria utilizada para pagar benefícios da Previdência Social e o restante seria dividido entre o BPC (Benefício de Prestação Continuada, R$ 30 bilhões), subsídios (R$ 10,5 bilhões) e o Bolsa Família (R$ 6,5 bilhões).

Sob a vigência da atual Constituição, é a primeira vez que o Executivo pede autorização para se endividar além do limite previamente estabelecido pela Lei Orçamentária Anual (LOA). Se aprovados, porém, os créditos suplementares seriam apenas uma solução temporária, uma forma de o governo não violar a lei, o que pode ser considerado crime de responsabilidade, ou ser obrigado a congelar despesas essenciais, o que intensificaria a crise econômica do País.

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Para Ana Lúcia P. da Silva, professora de economia da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), o pedido por crédito extra é válido e deve ser aprovado pelo Congresso, mas não pode, em hipótese alguma, se tornar algo corriqueiro. “O grande risco de liberar esses créditos suplementares [frequentemente] é que isso pode levar ao descontrole da dívida. É um caminho sem volta, é como entrar numa dívida de cartão de crédito, por exemplo. Pode virar uma bola de neve”, explica.

Teoria x prática

O princípio básico da regra de ouro é estabelecer um orçamento que separa as despesas essenciais das despesas correntes
Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
O princípio básico da regra de ouro é estabelecer um orçamento que separa as despesas essenciais das despesas correntes

Inspirado em práticas internacionais bem-sucedidas, o princípio básico da regra de ouro é estabelecer um orçamento que separa as despesas essenciais, que podem ser financiadas pela emissão de títulos do Tesouro Nacional, das despesas correntes. Essa divisão é importante porque, em tese, impede que o endividamento público saia do controle e que o governo contraia novas dívidas para quitar despesas ou fazer investimentos que não beneficiarão as próximas gerações.

O problema é que, no caso do Brasil, o cumprimento da regra de ouro não garante, necessariamente, o equilíbrio das contas públicas. Desde a redemocratização, segundo aponta um estudo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, o País só conseguiu obedecer às restrições impostas pela lei sob condições de estagnação dos investimentos, déficits correntes elevados e crescente aumento da dívida pública.

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Isso aconteceu, de acordo com a IFI, por duas razões: em primeiro lugar, a regra de ouro brasileira admite uma definição muito abrangente de despesas essenciais , o que dá brecha para que a lei seja cumprida mesmo quando a dívida pública cresce acima dos investimentos. Além disso, a regra não exige um equilíbrio do orçamento, apenas estabelece um teto – flexível – para o déficit corrente, que foi elevado com o passar dos anos e o consequente aumento das receitas e despesas do governo.

Como chegamos aqui

O cenário atual é reflexo de anos de desequilíbrio nas contas públicas . Segundo dados do Tesouro Nacional, o governo não registra superávit primário desde 2013, quando o resultado foi positivo em R$ 72,159 bilhões. Só em 2018 as contas públicas tiveram um déficit primário de R$ 108,258 bilhões, equivalente a 1,57% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. Para 2019, a expectativa é de novo resultado negativo – desta vez em R$ 139 bilhões.

O aumento da dívida bruta do setor público, dado importante para as agências de classificação de risco e uma das principais formas de comparação internacional, também preocupa. Em abril deste ano, de acordo com os últimos números divulgados pelo Banco Central, o indicador subiu para R$ 5,479 trilhões, um recorde histórico que corresponde a quase 80% do PIB do País. Até março, a título de comparação, o endividamento somava R$ 5,430 trilhões (ou 78,5% do PIB).

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No mês passado, em audiência pública na Comissão Mista de Orçamento, Paulo Guedes reiterou o pedido por créditos suplementares e disse que a economia brasileira vive um "abismo fiscal". "A regra de ouro é um preceito básico, que é evitar a irresponsabilidade de ficar se endividando para pagar despesas correntes. Estamos à beira de um abismo fiscal. Agora está nas mãos da Casa [Congresso Nacional] nos tirar do fundo do poço", pediu.

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