Pressionado pelo governo de Jair Bolsonaro e pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o relator da proposta de emenda à Constituição (PEC) Eleitoral , deputado Danilo Forte (União-CE), recuou ontem e apresentou um texto sem alterações em relação à proposta aprovada no Senado.
Uma mudança na PEC poderia atrasar o processo e atrapalhar os planos de Bolsonaro de usar a PEC como trampolim eleitoral, porque teria que voltar para nova votação no Senado. A medida amplia benefícios como o Auxílio Brasil
e cria outros como o “Pix Caminhoneiro”, liberando gasto total de R$ 41,2 bilhões à revelia do teto de gastos às vésperas da eleição.
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Como o GLOBO mostrou ontem, o governo e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro, entrou em campo para evitar mudanças no texto. Com o Executivo pressionado, o Congresso indicou R$ 6,1 bilhões em emendas do chamado orçamento secreto em duas semanas. O valor é praticamente o dobro do que já tinha sido indicado desde o início de maio.
Vencida a resistência do relator, Lira e os deputados governistas costuram os próximos passos para acelerar a tramitação da proposta e tentar driblar os planos da oposição de obstruir a análise do texto, que pode ir a plenário nesta quinta-feira (7). Forte pretendia ler ainda ontem à noite seu relatório na Comissão Especial montada para discutir o tema.
Pacote de 'bondades' viola lei eleitoral
A PEC amplia o Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, dobra o vale-gás e cria benefícios mensais para caminhoneiros (de R$ 1 mil) e taxistas. O plano de Bolsonaro é pagar os benefícios neste mês, de modo que os auxílios surtam efeito na sua campanha à reeleição.
No entanto, juristas apontam que essa PEC é um desvio constitucional abre precedentes perigosos ao ameaçar o princípio de igualdade de condições numa eleição em que o presidente busca reeleição com o controle da máquina pública.
A investida do relator para mudar a PEC atrapalhava esses planos. Ele queria retirar a menção a estado de emergência do texto e incluir um auxílio para motoristas de aplicativo e de transporte escolar.
A manutenção do estado de emergência é considerada fundamental pelo governo, já que esta é uma forma de driblar a lei eleitoral e tentar blindar Bolsonaro. Forte teve diversas reuniões com Lira, que insistiu para manter o texto tal qual foi aprovado no Senado.
"Nós temos a pressão do cronograma de trabalho pelo calendário da Câmara, que tem de ser encerrado em 15 de julho, e temos a demanda e necessidade da população e sociedade famintas. Diante desses dois fatos, mexer no texto cria mais dificuldades", afirmou o relator.
Ele disse também que, no caso de motoristas do Uber e demais aplicativos de transporte, existe uma falta de cadastramento efetivo, o que dificulta o pagamento do auxílio.
"Diante dessas dificuldades e diante do estado de comoção social que estamos vivendo e da questão da necessidade, diante da oferta dos auxílios, acho mais prudente a gente agilizar a votação, e isso significa um cronograma mais curto", afirmou Forte.
Estado de ‘comoção social’
Sobre excluir o estado de emergência do texto, Forte disse que vai manter a expressão e acrescentar o termo “estado de comoção social”.
"Na Constituição não existe a nomenclatura ‘estado de emergência’. Existe estado de calamidade, estado de guerra e estado de comoção social. Na lei eleitoral, tem estado de emergência. Para atender as duas normas, podemos acrescentar estado de emergência e comoção social, porque juridicamente você está bem embasado", explicou.
A PEC decreta um estado de emergência até o fim do ano por causa da alta do preço dos combustíveis. Isso abre brecha para driblar não só a lei eleitoral, mas também outras regras fiscais.
Oposição é favorável, mas quer mais tempo
Deputados da oposição são contra a manutenção do estado de emergência, mas devem votar a favor do texto, como foi no Senado — quando até a presidenciável Simone Tebet (MDB-MS) votou a favor e apenas José Serra (PSDB-SP) votou contra.
Partidos da oposição já haviam anunciado que pediriam vista, ou seja, mais tempo para analisar a PEC. Mesmo com a tendência de repetir a atuação no Senado e votar a favor, a estratégia da oposição é adiar a sua análise.
O pedido de vista impede a análise do texto por duas sessões. Dessa forma, o texto poderá ser votado nesta quinta (7). Deputados da oposição deixaram a reunião da liderança questionando a velocidade acelerada com que a PEC será votada. Por isso, devem trabalhar para atrasar essa votação.
"Ninguém em sã consciência é contra o Auxílio Brasil, o vale-gás. O que entendemos é que o governo não precisa dessa emenda constitucional. Eu mesmo falei que é possível fazer por decreto o aumento do Auxílio Brasil e do vale gás. Agora, o que não pode é ter uma Emenda Constitucional para tentar burlar as leis eleitorais desse país e também a Constituição Federal, para fazer um crime, para tentar uma PEC eleitoreira, uma PEC do desespero", afirmou Reginaldo Lopes (MG), líder do PT na Câmara.
Além do pedido de vista, o PT prepara requerimento para pedir que a análise seja suspensa por 20 dias usando um artigo da Constituição inserido por causa do teto de gatos (a regra que trava as despesas federais).
Esse artigo diz que a tramitação de proposição legislativa, quando acarretar aumento de despesa ou renúncia de receita, será suspensa por até vinte dias, se houver um requerimento assinado por pelo menos 103 deputados.
"A oposição defende que o prazo seja o normal da PEC. Não houve acordo nesse sentido. Entendemos que se trata de uma PEC de estelionato eleitoral. Eles querem correr com o prazo, votar mais rápido na comissão, levar mais rápido no plenário e nós defendemos uma posição contrária", afirmou o líder da minoria, Alencar Santana Braga (PT-SP) ao deixar uma reunião com Lira.
Líder da oposição, o deputado Wolney Queiroz (PDT-CE), afirmou que a estratégia será usar todos os artifícios regimentais possíveis, como prazos e questões de ordem:
"Onde houver espaço para ampliar o debate e colocar isso mais para frente, nós vamos fazer."