Turma do TST reconhece vínculo de motorista com a Uber. Entenda a decisão
Lorena Amaro
Turma do TST reconhece vínculo de motorista com a Uber. Entenda a decisão

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu o vínculo de emprego entre um motorista de aplicativo e a Uber do Brasil Tecnologia Ltda. Para a maioria do colegiado, estão presentes, no caso, os elementos que caracterizam a relação de emprego: a prestação de trabalho por pessoa humana, com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação. O julgamento havia sido paralisado no ano passado por um pedido de vistas de um ministro e foi retomado agora.

A reclamação trabalhista é de um motorista de Queimados, município da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RJ). Ele disse que trabalhou para a plataforma digital durante dois meses, após comprar um veículo enquadrado nos padrões da Uber. Segundo seu relato, ele atuava de segunda a sábado, totalizando 13 horas diárias e 78 semanais, sempre monitorado de forma on-line pelo aplicativo. No terceiro mês, foi desligado imotivadamente.

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A Uber, em sua defesa, sustentou que não houve acordo para pagamento de comissões sobre o valor das viagens. Para a empresa, quem a contratou foi o motorista, que, em contraprestação ao uso da plataforma digital, concordara em pagar o valor correspondente a 20% ou 25% de cada viagem. Por fim, alegou que o motorista assumira todos os riscos do negócio.

Empresa de tecnologia

O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ) negou o vínculo de emprego, por entender que a Uber é uma empresa de tecnologia, e não de transporte. De acordo com a decisão, o motorista tinha plena liberdade de definir os dias e os horários de trabalho e descanso e a quantidade de corridas, não recebia ordens e fazia, por contra própria, a manutenção de seu veículo.

O relator do recurso de revista do motorista, ministro Mauricio Godinho Delgado, observou que a solução do caso exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação de serviço, distintas do sistema tradicional, e que se desenvolvem por meio de plataformas e aplicativos digitais, softwares e produtos semelhantes, “todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais”.

Godinho Delgado lembrou que não há legislação que regule a questão de motoristas de aplicativo, visando assegurar direitos a essa categoria que já alcançava cerca de um milhão de profissionais no Brasil, antes da pandemia. “Cabe, portanto, ao magistrado fazer o enquadramento das normas no fato”, destacou.

Subordinação algorítmica

Nesse sentido, o ministro assinalou que a relação empregatícia ocorre quando estão reunidos seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação. Todos eles, a seu ver, estão fortemente comprovados no caso.

Em relação à pessoalidade, os elementos demonstram que o motorista se cadastrou na Uber mediante inscrição individual, com a apresentação de dados pessoais e bancários, e era submetido a um sistema de avaliação individualizada, a partir das notas atribuídas pela clientela.

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A onerosidade, por sua vez, decorre do repasse de 70% a 80% do valor pago pelos passageiros. Essa percentagem elevada se justificaria pelo fato de o motorista ter de arcar com todos os custos do transporte (manutenção do veículo, gasolina, provedor de internet, celular, etc.).

No entender do relator, a não eventualidade também ficou comprovada: embora a relação tenha perdurado por menos de dois meses, durante esse período, o serviço foi prestado permanentemente todos os dias, com controle da plataforma sobre o tempo à sua disposição. Finalmente, sobre a subordinação, o ministro considera que o monitoramento tecnológico, ou “subordinação algorítmica”, talvez seja superior a outras situações trabalhistas tradicionais.

Divergência

Ficou vencido, no julgamento, o ministro Agra Belmonte, para quem a questão envolve um fenômeno mundial e um novo modelo de relação de trabalho com muitas questões ainda não decididas pela legislação brasileiro. O ministro entende que, para decidir pelo reconhecimento do vínculo, seria necessário o reexame de fatos e provas, procedimento vedado pela Súmula 126 do TST.

Com o reconhecimento de vínculo, a Turma do TSTS determinou o retorno dos autos à 66ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro (RJ), para o prosseguimento da análise dos demais pedidos.

Uber vai recorrer

A Uber informou por meio de nota que vai recorrer da decisão anunciada pela 3ª Turma do TST, que "representa entendimento isolado e contrário a todos os cinco processos que já haviam sido julgados, de forma unânime, pelo próprio Tribunal - o mais recente deles em novembro".

A empresa ressalta que as provas do processo demonstram a inexistência do vínculo de emprego entre o motorista e a Uber. Acrescenta ainda que, no processo, "o motorista reconheceu, em depoimento à Justiça, que não recebeu nenhum tipo de ordem, nem teve nenhum tipo de supervisão, nos 57 dias em que usou o aplicativo da Uber até sua conta ser desativada por violação aos Termos de Uso da plataforma - aos quais todos aderem no momento do cadastro".

A Uber destacou ainda que "até mesmo o ministro Mauricio Godinho destacou que não há legislação no país regulamentando o novo modelo de trabalho por meio de plataformas".

O aplicativo diz ainda que, nos últimos anos, as diversas instâncias da Justiça brasileira formaram jurisprudência sobre a relação entre a Uber e os parceiros, apontando a ausência dos quatro requisitos legais para existência de vínculo empregatício (onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação). Segundo a Uber, em todo o país, já são mais de 1.800 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho reconhecendo não haver relação de emprego com a plataforma.

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