No Brasil, a maioria dos trabalhadores de plataformas digitais ganha menos do que um salário mínimo, R$ 1.212,00 por mês ou R$ 5,50 por hora, e nem sabe quanto de fato vai receber no final do mês. Também não têm proteção contra acidentes, seguro de vida ou saúde e não possuem contratos de trabalho justos. E reclamam ainda da falta de acesso à água potável e banheiros.
Essas condições, que já foram detectadas em outros 27 países, também prevalecem no Brasil e pela primeira vez foram constatadas através de um levantamento feito pelo Fairwork Brasil, um projeto global sediado no Oxford Internet Institute e no WZB Berlin Social Science Centre. O Fairwork analisa como as principais plataformas se relacionam com os princípios de trabalho decente.
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"Não é apenas um levantamento acadêmico. Queremos dar subsídios às plataformas para melhorar e aos governos para que tenham regulação e políticas públicas que possam proteger esses trabalhadores", diz Rafael Grohmann, coordenador do Fairwork no Brasil.
Foram analisadas seis plataformas no Brasil: Uber, UberEats, 99, Rappi, iFood e GetNinjas e considerados cinco pontos de trabalho justo para avaliação das empresas através de uma pontuação de zero a dez. Nenhuma delas recebeu a nota máxima e apenas três conseguiram pontuar, mostrou o trabalho.
Quando se considera o quesito remuneração justa, apenas a 99 conseguiu demonstrar que seus trabalhadores ganham mais do que o salário mínimo de 2021, que era de R$ 5,50 por hora ou R$ 1.212,00 por mês. A maioria das plataformas não atingiu o piso mínimo porque não tem políticas de remuneração, além de cobrar taxas ou comissões elevadas. Como os valores pagos e as horas de e trabalho são incertos, esses trabalhadores têm alta insegurança com sua renda no final do mês.
Duas plataformas (Uber e 99) mostraram algum tipo de ação para protegar os trabalhadores, com fornecimento de equipamento de proteção individual e políticas de seguro contra acidentes ou saúde. Em outras plataformas, o equipamento é fornecido, mas os locais para retirada são muito distantes.
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Nesse quesito, os trabalhadores reclamam também de riscos à saúde decorrentes de acidentes de trânsito, agressões, exposição excessiva ao sol, problemas nas costas, estresse e sofrimento mental. Outra reclamação recorrente foi a falta de infraestrutura básica como acesso a banheiros, áreas de descanso e água potável.
Apenas o iFood conseguiu mostrar padrões básico em contratos de trabalho, após relacionamento com a Fairwork. A plataforma criou termos e condições nesses contratos acessíveis aos trabalhadores. As demais plataformas não fornecem contratos e nem notifica os empregados sobre mudanças de condições de trabalho em prazo razoável.
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Nenhuma plataforma conseguiu mostrar canais de comunicação eficientes com seus empregados. Os trabalhadores reclamam que não conseguem falar com 'humanos' nas empresas e são atendidos por robôs. Eles não sabem claramente os motivos pelos quais são penalizados pelas empresas em alguns casos.
Apenas uma plataforma - iFood - mostrou ter políticas para dar voz aos trabalhadores. A plataforma criou um Fórum de Entregadores como canal de comunicação com as lideranças desses trabalhadores.
"O trabalho também mostra onde as plataformas podem fazer melhorias. O Brasil tornou-se um dos países centrais para compreender o trabalho nessas empresas. Cresceu a demanda por esses serviços durante a pandemia", diz Grohmann.
O iFood afirmou que "a nota na Fairwork mostra que precisamos fazer mais". As demais empresas não se manifestaram. Confira a nota completa do iFood:
"O iFood tem se dedicado na criação de iniciativas que garantam mais dignidade, ganhos e transparência para os entregadores. Nossa nota na Fairwork mostra que, apesar das nossas iniciativas nos posicionarem à frente da indústria, precisamos fazer mais. E vamos.
Nossa equipe se reunirá com a Fairwork nos próximos dias para escutar a devolutiva sobre o estudo e colher insumos importantes para aprimorarmos nossas políticas em prol da categoria. Os entregadores parceiros são parte fundamental do nosso ecossistema e nosso maior interesse é que eles tenham no iFood a sua plataforma de escolha para encontrar trabalho e gerar renda.
Podemos citar como exemplos desse compromisso os últimos dois reajustes realizados em menos de 12 meses; a criação de um seguro contra acidentes pessoais, sendo a única empresa a oferecer cobertura para lesões temporárias; a construção de parcerias com estabelecimentos, grandes redes e com o poder público na criação de mais de 1.400 pontos de apoio; o avanço na relação com entregadores a partir do primeiro fórum com lideranças da categoria. O encontro foi resultado de sucessivos diálogos realizados ao longo dos últimos anos e serviu de base para a construção de uma Carta Compromisso do iFood com os entregadores.
Vale destacar que o iFood tem ido além no debate sobre dignidade ao trabalhador de plataforma e tem defendido publicamente a urgente construção de mecanismos que amparem o entregador no âmbito previdenciário, em linha com os novos modelos de trabalho que garantam ao profissional autonomia e flexibilidade para dispor de seu tempo da maneira que considerar mais adequada para a atividade e que, hoje, estão desamparados pela legislação vigente".