A paradinha para o café da manhã antes de entrar no serviço já está pesando no bolso do trabalhador brasileiro, que viu os preços dispararem nos últimos 12 meses. Por conta desses aumentos, a tradicional média de pão francês com manteiga, café, leite e, em alguns casos, ovos, está ficando de lado. O café moído, por exemplo, acumula alta de 53,97%, de março de 2021 a fevereiro deste ano, segundo o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), da Fundação Getulio Vargas (FGV). E se deixar por conta da inflação, o café vai ser bem amargo: o açúcar refinado e o cristal dispararam 44,88% e 28,48%, respectivamente. Ovos (10,52%), pão francês (8,86%) e leite (4,26%) também tiveram altas expressivas. Para o educador financeiro Alexandre Prado, os preços devem subir mais ainda por conta da pressão dos custos sobre os alimentos, como os reajustes de combustíveis e energia elétrica, por exemplo.
Com os preços nas alturas, como fazer para tomar o tradicional cafezinho antes de pegar no serviço? O EXTRA foi às ruas e conversou com trabalhadores que reclamaram dos aumentos e contaram como estão fazendo para se alimentar. As dicas são buscar promoções e substituir itens costumeiros, como o pão francês, por outros mais em conta. A inflação dos alimentos não impacta negativamente somente o bolso do trabalhador, afeta também os comerciantes, que "se viram nos 30" para não perderem clientes.
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As assistentes administrativas Rose Santos, de 51 anos, moradora de Duque de Caxias, e Nádia Caputi, 55, de São Cristóvão, na Zona Norte do Rio, aproveitam as promoções para tomar o cafezinho antes do trabalho e riscaram ovos da alimentação.
"O pão na chapa com uma xícara de café está R$ 4 mais caro. Antes comia com queijo ou ovo, mas agora vai puro com manteiga mesmo", reclama Rose, que pagava R$ 12 pela refeição matinal.
A amiga Nádia conta que aproveita os dias de promoção e substitui os itens.
"Chego cedo para tomar café de manhã e se tiver uma promoção de misto quente e suco eu troco o que vou comer. A fome varia de acordo com o bolso", brinca Nádia.
Gerente da lanchonete Art Lanches, na Praça XV, Esmeralda Santos, de 46, moradora de Niterói, tem visto o movimento cair nos últimos tempos. Ela acredita que a falta de dinheiro dos fregueses e os aumentos de preços afugentaram alguns clientes que estão com pouca grana no bolso.
"O preço da laranja e dos laticínios foram os itens que eu mais senti aumento. E, como esses itens, os outros também foram reajustados, mas os salários não subiram na mesma proporção", lamenta.
Há 35 anos numa banquinha na esquina da Rua Dom Manuel, na Praça XV, Josefa Maria da Silva, 60 anos, moradora de São João de Meriti, na Baixada Fluminense, acorda diariamente às 3h para estar no local de trabalho às 5h. Na mesa arrumada na calçada, é possível encontrar bolos, pão francês com queijo e peito de peru, sanduíche natural, café, leite e suco. Os quitutes, garante Zefinha, como é conhecida, são feitos diariamente para manter a clientela fiel.
"Tem três anos que não aumento os preços para manter a clientela. Tenho que sobreviver, né?", conta Zefinha, que com a banquinha sustentou dois filhos, entrou na autoescola, tirou a carteira e hoje tem um carro para levar seus quitutes para cima e para baixo.
Ela conta que para fidelizar a clientela mantém o caderninho de fiado para pagamento no fim do mês.
"Agora o movimento está mais fraco, porque a Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) mudou de lugar, mas mesmo assim muitos ainda vêm tomar café comigo", diz sorridente.
O lanche custa R$ 7 e o cliente pode escolher café com leite ou suco para acompanhar o pão ou o bolo e tem ainda a opção de sanduíche.
"Ainda estou pagando o carro, mas com ele já posso dormir uma hora a mais e transportar meu material de trabalho", comemora a vendedora, que reclama do aumento de preços na alimentação: "Vou ao supermercado todo dia atrás de promoção para fazer o que vendo e até para abastecer a despensa de casa. Os preços estão absurdos."
Freguês de Zefinha há 17 anos, Paulo Damasceno, de 43, morador de Nova Iguaçu, também na Baixada, diz que prefere tomar café na banca por conta da simpatia da comerciante e pelo preço:
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"Tive que ir à Botafogo e gastei R$ 12 num refrigerante e numa coxinha. Aqui me alimento melhor e gasto R$ 5 a menos", afirma Damasceno, que trabalha como encarregado de obras.
Levar o lanche de casa para economizar, segundo a assistente social Cláudia Baraúna, 51, de Anchieta, na Zona Norte, não compensa.
"Os preços no supermercado estão muito mais caros e, como não trabalho todos os dias da semana, opto por comer na rua, mas tenho visto aumento de preços em todos os lugares onde vou", explica Cláudia, que também aproveita promoção para garantir o cafezinho.
Alex Salles, de 47 anos, morador de Nova Iguaçu, na Baixada, chama a atenção para o aumento do pão francês:
"Pagava R$ 2 por seis pãezinhos. Hoje, fui à padaria e pelo mesmo preço levei somente quatro", reclama o funcionário público, que pode reservar mais dinheiro para o pãozinho.
Segundo economistas a disparada do preço do trigo por conta da guerra na Ucrânia vai fazer os derivados do grão dispararem ainda mais.
Com bom humor, o aposentado Marcus Vinícius Xavier, de 64 anos, do bairro de Fátima, no Centro do Rio, conta que esteve no supermercado e desembolsou R$ 19 por meio quilo de café, R$ 4,58 por um litro de leite desnatado e R$ 8 pela margarina.
"Vamos equilibrando aqui e ali, porque está tudo muito caro", diz Xavier, que brinca: "Se a Ambev aumentar o preço, aí sim vai parar tudo!"
Pressão nos preços depende da guerra na Ucrânia
Para Gilberto Braga, economista e professor do Ibmec RJ, as projeções de inflação dependem principalmente da evolução da guerra da Rússia contra a Ucrânia.
"Os preços do petróleo no mercado internacional dispararam e estão oscilando acima dos US$ 100, quando em dezembro o barril custava cerca de US$ 80. Isso não é aumento conjuntural, mas excepcional devido à guerra. Logo, se houver a perspectiva de uma solução, o preço tende a baixar para menos de US$ 100 o barril, mas se continuar, poderá subir ainda mais, já tendo sido negociado entre US$ 130 e US$ 140", afirma o economista.
Mas o que tem a ver o preço do petróleo lá no exterior com o mercado brasileiro? Braga explica:
"Petróleo lá fora caro significa preços maiores aqui no Brasil, não apenas nos combustíveis, mas também preços logísticos mais salgados, afetando toda cadeia produtiva da economia. Isso também impacta as indústrias que usam insumos à base de petróleo, como por exemplo tudo que leva plástico na sua composição. O custo de fabricação aumenta e, em consequência, é repassado para o preço final que o consumidor paga."
Mas e os alimentos, por que subiram tanto?
"Ainda em consequência da guerra, há o problema dos fertilizantes, sendo que o Brasil importa cerca de 90% das suas necessidades, principalmente da Rússia. Os países estão estocando as commodities alimentares com medo de uma escassez no futuro. Os preços internacionais estão subindo com a especulação. Com isso, teremos que plantar as próximas colheitas e precisaremos de fornecedores de fertilizantes e defensivos, vamos pagar mais caro e os preços finais serão impactados", explica o economista.
"Isso tudo pressiona os preços dos alimentos nos supermercados. Temos um território amplo, com terra boa, mas ironicamente, não temos fertilizantes suficientes. Se a guerra não for curta, botar comida no prato da família brasileira vai custar ainda mais caro por conta de um conflito que ocorre em terras bem distantes da nossa", finaliza.
IPC: inflação acumulada em 12 meses (de março de 2021 a fevereiro de 2022)
- Café moído - 53,97%
- Açúcar refinado - 44,88%
- Açúcar cristal - 28,48%
- Requeijão - 14,75%
- Queijo prato - 10,78%
- Ovos - 10,52%
- Bebidas lácteas - 10,11%
- Pão francês - 8,86%
- Queijo Minas - 8,30%
- Queijo muçarela - 7,81%
- Manteiga -7,59%
- Leite tipo longa vida - 4,26%
Fonte: André Braz, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV)