O texto do projeto que altera regras do Imposto de Renda (PL 2337/21 ) foi aprovado pela Câmara dos Deputados na última quinta-feira (2) e agora precisa passar pelo Senado. Entre os principais pontos, a proposta aumenta a faixa de isenção, que não era atualizada desde 2015. Especialistas alertam que, ainda assim, o valor está aquém da inflação.
Na tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), a faixa de isenção passa de R$ 1.903,98 para R$ 2.500 mensais, correção de 31,3%. Isso significa dizer que quem recebe até R$ 2.500 não irá mais ser obrigado a enviar a declaração para a Receita Federal e estará livre de descontos.
O advogado tributário André Moreira, sócio do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi, diz que o ajuste não é suficiente, já que não se equipara à inflação do período. Para ele, o valor de isenção teria que ser aumentado para cerca de R$ 4 mil, preço do salário mínimo ideal calculado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Um estudo do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), divulgado em fevereiro, chegou a mostrar que a defasagem na tabela era de 113,09%, considerando a inflação acumulada de 1996 a 2019. Dessa forma, a faixa de isenção deveria ser ampliada para quem ganha até R$ 4.022,89. A correção da tabela foi uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro em 2018.
"Se eu não corrijo a tabela pela inflação, estou aumentando o imposto de renda sem lei. Estão vendendo uma falsa promessa de benefício para o trabalhador", critica.
O professor de Ciências Contábeis do Ibmec, Paulo Henrique Pêgas, concorda que a faixa de isenção está defasada, mas avalia que o novo valor é o possível para a situação fiscal do país. Segundo o relator e deputado Celso Sabino (PSDB-PA), os cálculos estimam que cerca de 16 milhões de brasileiros ficarão isentos.
A medida ainda altera o imposto a ser descontado para os demais contribuintes, sendo uma "reforma progressiva": quem ganha mais irá pagar mais tributo. Um cidadão, por exemplo, que recebe R$ 40 mil por ano e tem hoje o IR devido de R$ 686,42, passará a pagar apenas R$ 150. Enquanto isso, um outro que recebe R$ 120 mil e deve R$ 17.960,24 de imposto, ficará obrigado a quitar R$ 17.977,50 — uma diferença de R$ 17,60. O aumento, porém, é visto como estabilidade na contribuição.
"Ao colocar mais dinheiro nas mãos das pessoas com menor renda, esse valor volta para o mercado porque irá ser usado para o consumo, o que pode ajudar a estimular a economia", opina Pêgas: "Acredito que mudanças ainda precisam ser feitas no texto, mas estamos no caminho certo. É como se você tivesse escolhido o remédio adequado na dosagem errada."
Atualmente, na declaração simplificada, o desconto é de 20% dos rendimentos tributáveis, limitado a R$ 16.754,34, o que substitui deduções como gastos com saúde, educação e dependentes. Pelo texto aprovado, o limite passa para R$ 10.563,60.
O gerente sênior de impostos da EY Brasil, Felipe Coelho, alerta que, se o texto seguir em frente, as novas normas passarão a vigorar no próximo ano, tendo seus efeitos sentidos na declaração enviada em 2023, referente ao ano-base 2022.
Coelho ainda acrescenta outras mudanças na proposta para pessoas físicas:
"Antes, o contribuinte tinha que apurar mensalmente o imposto relativo a investimentos em ações e quitá-lo. Agora, isso vai ser feito de modo trimestral. Sendo assim, a isenção para vendas muda de R$ 20 mil para R$ 60 mil, o que não representa um aumento porque o período relativo passa de um para três meses", explica o gerente: "Outra coisa é que a compensação se tiver perdas será permitida independente do trimestre e da natureza da operação."
Atualização no valor do imóvel
Proprietários de imóveis poderão atualizar o valor do bem na declaração do imposto de renda, caso esteja defasado. Até então, o contribuinte só poderia fazer isso no caso de venda. A novidade permitirá pagar 4% de imposto sobre a valorização, ao invés de 15% na hora da negociação. Com isso, ao vender o imóvel, o imposto a ser apurado será muito menor.
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Uma pessoa que tenha um imóvel antigo de R$ 100 mil, mas que tenha se valorizado para R$ 1 milhão, poderá apurar o imposto antecipadamente e pagar menos aos cofres públicos. O gerente sênior de impostos da EY Brasil, Felipe Coelho, pondera que a opção só é vantajosa para quem tem a intenção de venda futura.
"A atualização espontânea só faz sentido para quem tem intenção de vender a casa ou apartamento. Se quer morar no imóvel para sempre, não tem motivo para pagar esse imposto", opina.
O advogado tributário André Moreira avalia que essa foi uma maneira que o governo encontrou para arrecadar no curto prazo e julga que esse trecho da proposta é apenas um acessório.
"Há outros pontos mais importantes, como a taxação de lucros e dividendos que, no meu entendimento, irá afastar investidores e comprometer o crescimento do país", acrescenta.
Sistema continua complexo
Para o coordenador de estudos do Observatório Econômico da Universidade Metodista da São Paulo (Umesp), Sandro Maskio, a reforma do imposto de renda não é suficiente para resolver a complexidade do sistema tributário brasileiro que, como um todo, é muito regressivo.
"É uma mudança complexa e difícil de ser feita porque envolve interesses de diferentes classes sociais e diferentes esferas de poder. Mas quando a gente fatia a reforma, fazendo pequenas alterações, a gente perde um pouco a noção do todo", acredita Maskio: "Há hoje no Brasil algo muito injusto que é o imposto indireto. Quando uma pessoa pobre compra um produto, ela paga embutido nele os mesmos impostos que uma pessoa rica e, assim, acaba gastando toda a sua renda com itens básicos para sobreviver."
Maskio também avalia que a dedução sobre educação é muito pequena e poderia ser modificada como forma de estimular a melhoria do processo de formação de trabalhadores e jovens:
"Para deduções de saúde e educação, a lógica é que o indivíduo não está onerando o estado com o uso desses serviços. Ele está pagando do próprio bolso. Enquanto não há limites para gastos de saúde, a dedução de educação é muito pequena. Esse é um dos calcanhares de Aquiles da economia brasileira."
Tabela do IR
A faixa de isenção passa de R$ 1.903,98 para R$ 2.500 mensais. As demais faixas terão reajuste entre 13,2% e 13,6%, enquanto as parcelas a deduzir aumentam de 16% a 31%. Deduções com dependentes e educação continuam no mesmo valor.
Declaração simplificada
Pela proposta inicial, esse desconto somente seria possível para aqueles que ganham até R$ 40 mil por ano, limitado a R$ 8 mil (20%). Mas segundo o texto aprovado na Câmara, qualquer pessoa poderá usar a declaração simplificada — como acontece hoje.
A mudança é que o desconto de 20% dos rendimentos tributáveis limitado a R$ 16.754,34 passará a ser de, no máximo, R$ 10.563,60.
Quem será beneficiado?
Aqueles que recebem até R$ 6.980 por mês ou R$ 83,7 mil por ano terão redução no imposto devido. Em contrapartida, ao ter menos desconto em folha, o trabalhador também irá receber uma restituição menor ao enviar o IRPF.
Lucros e dividendos
A tributação de lucros e dividendos distribuídos pelas empresas a pessoas físicas ou jurídicas valerá inclusive para os domiciliados no exterior e em relação a qualquer tipo de ação. Também deverá ser tributado o lucro ou dividendo distribuído em bens ou direitos, como títulos creditícios ou uma máquina. A alíquota aprovada é de 15%.
Ficam de fora da cobrança as micro e pequenas empresas participantes do Simples Nacional, além de empresas não participantes desse regime especial tributadas pelo lucro presumido com faturamento até R$ 4,8 milhões.
Pessoa Jurídica
O IRPJ será reduzido de 15% para 8%, com vigência após a implantação de um adicional de 1,5% da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), que vai incidir na extração de ferro, cobre, bauxita, ouro, manganês, caulim, níquel, nióbio e lítio. O adicional de 10% previsto na legislação para lucros mensais acima de R$ 20 mil continua valendo.
A Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) diminuirá 0,5 ponto percentual em duas etapas, condicionadas à redução de incentivos tributários, passando no fim de 9% para 8% no caso geral. Bancos passarão de 20% para 19%; e demais instituições financeiras, de 15% para 14%.
Entrada em vigor
Todas as mudanças valerão a partir de 2022 já que, seguindo o princípio da anterioridade, mudanças em tributos devem valer apenas para o ano seguinte.