A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (10) o projeto que prevê autonomia para o Banco Central . O texto segue para sanção presidencial. A votação ocorreu um dia após ter sido aprovada a urgência do projeto.
Em um primeiro momento da sessão, os deputados aprovaram o texto-base por 339 votos a 114 . Depois, analisaram os destaques, trechos que visavam modificar a redação principal. Todos foram rejeitados.
O texto já foi aprovado pelo Senado e, entre outros pontos, define que o presidente do Banco Central terá mandato de quatro anos, não coincidente com o do presidente da República.
Um dos objetivos com a mudança é blindar o órgão de pressões político-partidárias. A proposta tem o aval da equipe econômica.
A autonomia do Banco Central é debatida no Congresso desde 1991, e o projeto aprovado entrou na lista de pautas prioritárias do governo, entregue pelo presidente Jair Bolsonaro aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Entre outras funções, cabe ao Banco Central, por meio do Comitê de Política Monetária (Copom), definir a taxa Selic, a taxa básica de juros da economia.
Atualmente, a Selic está em 2% ao ano, baseada na meta de inflação de 3,75% neste ano e de 3,5% em 2022.
A ideia do projeto é que, não podendo a diretoria da instituição ser demitida por eventualmente subir o juro, a atuação seja exclusivamente técnica, focada no combate à inflação.
Em nota, o Banco Central afirmou que a proposta é um "passo importante" porque é preciso "separar o ciclo político do ciclo de política monetária".
"Por sua própria natureza, a política monetária requer um horizonte de longo prazo, por conta da defasagem entre as decisões de política e seu impacto sobre a atividade econômica e a inflação. Em contraste, o ciclo político possui um horizonte de prazo mais curto", diz trecho da nota.
A instituição também destacou que a literatura econômica e a experiência internacional mostram que "um maior grau de autonomia do banco central está associado a níveis mais baixos e menor volatilidade da inflação – sem prejudicar o crescimento econômico". O BC apontou, ainda, que "evidências também indicam que a maior autonomia do banco central contribui para a estabilidade do sistema financeiro".
Veja ponto a ponto da proposta
O Banco Central tem nove diretores, e um deles é o presidente da instituição. Após indicação do presidente da República, os aspirantes aos cargos precisam passar por sabatina e votação no Senado.
O texto aprovado não altera a composição da diretoria colegiada do Banco Central, mas estabelece mandato de quatro anos para o presidente do BC e os demais diretores. Todos podem ser reconduzidos ao cargo, uma única vez, por igual período.
Pela proposta, o mandato da presidência do BC não coincidirá com o da presidência da República. De acordo com o texto, o presidente do Banco Central assume o cargo no primeiro dia do terceiro ano do mandato do chefe do Poder Executivo.
O projeto também estabelece a substituição de forma escalonada dos demais membros da diretoria, de acordo com a seguinte escala:
- dois diretores iniciam os mandatos no dia 1º de março do primeiro ano de mandato do presidente da República;
- dois diretores iniciam os mandatos no dia 1º de janeiro do segundo ano do mandato do presidente da República;
- dois diretores iniciam os mandatos no dia 1º de janeiro do terceiro ano do mandato do presidente da República;
- dois diretores iniciam os mandatos no dia 1º de janeiro do quarto ano do mandato do Presidente da República.
Além disso, o presidente do Banco Central deverá apresentar no Senado, no primeiro e no segundo semestre de cada ano, relatório de inflação e de estabilidade financeira, explicando as decisões tomadas no semestre anterior.
A proposta também define como objetivo fundamental do Banco Central assegurar a estabilidade de preços, além de determinar objetivos secundários:
- zelar pela estabilidade e eficiência do sistema financeiro;
- suavizar as flutuações do nível de atividade econômica;
- fomentar o pleno emprego.
Sem vinculação à Economia
Atualmente, o Banco Central é vinculado ao Ministério da Economia, apesar de não ser subordinado à pasta.
Pela proposta, o Banco Central passa a se classificar como autarquia de natureza especial caracterizada pela "ausência de vinculação a Ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica".
Segundo o projeto, o BC se caracterizará pela "autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira".
Perda de mandato
O projeto também estabelece as situações que levam à perda de mandato presidente e diretores do Banco Central:
- a pedido do presidente ou do diretor;
- em caso de doença que o incapacite para o cargo;
- quando sofrer condenação, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, por improbidade administrativa ou em crime cuja pena leve à proibição de acesso a cargos públicos;
- em caso de “comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do Banco Central do Brasil”. Nesta hipótese, o Conselho Monetário Nacional (CMN) deve submeter ao presidente da República a proposta de exoneração, que estará condicionada à prévia aprovação por maioria absoluta do Senado.
Transição e vedações
O texto aprovado prevê um cronograma de transição para o novo modelo de diretoria. Em até 90 dias após a lei ser sancionada, o governo terá de nomear os nove diretores do Banco Central. Aqueles que já ocupam os cargos não terão de passar por nova sabatina no Senado.
A duração dos mandatos, para essa primeira composição, deverá obedecer ao cronograma abaixo:
- presidente e dois diretores com mandatos até 31 de dezembro de 2024;
- dois diretores com mandatos até 31 de dezembro de 2023;
- dois diretores com mandatos até 28 de fevereiro de 2023;
- dois diretores com mandatos até 31 de dezembro de 2021.
A proposta também cria proibições ao presidente e aos diretores do Banco Central. São elas:
- Outras funções: exercer qualquer outro cargo, público ou privado, exceto o de professor;
- Ações: o presidente e os diretores do BC, além de seus cônjuges ou parentes de até segundo grau, não podem ter participação acionária em instituições supervisionadas pelo BC;
- Quarentena: por seis meses após o exercício do mandato, o presidente e os diretores estão proibidos de participar do controle societário ou atuar, com ou sem vínculo empregatício, em instituições do Sistema Financeiro Nacional. No período, a ex-autoridade receberá remuneração compensatória.
Opiniões
Relator da proposta, o deputado Silvio Costa Filho disse que, entre os benefícios da aprovação do projeto, estão a adequação a padrões internacionais e a possibilidade de o BC defender a estabilidade de preços de maneira autônoma.
"Com esta adequação aos padrões internacionais, o Brasil passa a ocupar o lugar de destaque que realmente merece. Em consequência, a nossa população se beneficiará de uma maior oferta de crédito internacional e de mais empresas e pessoas interessadas em montar os seus negócios e empreendimentos no nosso país", acrescentou.
O líder da Minoria na Câmara, José Guimarães (PT-CE), criticou a rapidez para a aprovação do texto, num contexto de pandemia. O projeto é o primeiro aprovado pela Câmara em 2021.
"Se nós estivéssemos vivendo uma conjuntura de normalidade, poderíamos fazer o debate de mérito sobre a autonomia ou não do Banco Central", questionou Guimarães nesta terça (9).
O parlamentar também criticou a proposta de descasar o mandato dos diretores com o do presidente da República.
Outros países com Banco Central autônomo
Com a aprovação de ontem (10), Brasil se junta à 26 países que já têm bancos centrais autônomos ou independentes. Veja a lista:
- Chile
- Nova Zelândia
- África do Sul
- Albânia
- Colômbia
- Filipinas
- Indonésia
- Japão
- México
- Peru
- Polônia
- Reino Unido
- Rússia
- Suécia
- Armênia
- Coreia do Sul
- Gana
- Geórgia
- Islândia
- Israel
- República Checa
- Romênia
- Suíça
- Tailândia
- Turquia
- Estados Unidos
- Zona do Euro/BCE