Desde o início de junho, quando receberam autorização para retomar os trabalhos após as medidas de isolamento impostas pela pandemia da Covid-19, os lojistas de shoppings vêm enfrentando diversos tipos de problemas na cidade de São Paulo .
Mesmo com o avanço das quatro horas iniciais para seis horas, o pouco tempo de abertura, o horário incompatível com o momento de maior fluxo de clientes e as altas cobranças do shopping, são dificuldades apontadas pelos lojistas que dificultam a recuperação do tombo financeiro sofrido durante a paralisação.
“Quando eu vejo as pessoas falando que os shoppings isentaram os alugueis, existe uma história mais completa por trás disso. No meu caso, o aluguel da loja representa 25% do custo total. E os outros 75%? Manter uma loja fechada ou faturando pouco é muito mais caro do que manter um time inteiro de pessoas. Hoje, o shopping tem muito mais peso do que uma folha de pagamento e ninguém sabe disso”, afirma Gina Canto, proprietária das lojas Piticas nos shoppings SP Market e Eldorado.
“Nós tivemos uma grande ajuda com todas as reduções, mas também estava entrando zero de dinheiro. Com a loja fechada, nossas vendas atingiram cerca de 1% do que seria com ela aberta. Os lojistas, em geral, tiveram auxílio do governo e dos shoppings, mas foi em cerca de 30% das despesas. Os outros 70% foi tudo nosso. É inegável que foram feitos esforços, mas o nosso lado é mais pesado e mais difícil”, aponta Gina.
Tal análise é compartilhada por Paula Loretto, dona de uma franquia da Arezzo no Shopping Ibirapuera , na zona sul da capital paulista. Segundo ela, a reabertura ocorreu tão logo houve a autorização para tal, mas os números comprovaram a retomada tímida, após um mês de maio bastante complicado.
“Tudo está muito difícil. Na nossa loja , que é um porte GG dentro do grupo da Arezzo, eu vendi só 30% do que faturei no ano passado neste mesmo período até o dia 20 de julho. Está valendo a pena? Está, porque qualquer dinheiro que entra ajuda a pagar os custos, mas não está sendo fácil. Deu uma melhorada com o aumento das horas, mas ainda precisa crescer muito, senão a gente não vai sobreviver”, aponta.
No comparativo com o ano passado, a loja faturou cerca de 8% em maio e 12% em junho. Para piorar, a queda veio acompanhada do aumento dos custos , uma vez que as taxas, que envolvem aluguel, condomínio, ar condicionado, energia e fundo de propaganda, voltaram a subir quando o shopping foi reaberto: “se não abríssemos neste momento, ainda correríamos o risco de uma penalização, que é prevista em contrato. Porém, em meio à pandemia, tudo é uma questão de negociação”.
Muita conversa e flexibilização para o reinício
Apesar de existirem, tais imposições foram deixadas de lado. Com o objetivo de garantir uma reabertura com o máximo de lojas em funcionamento, exatamente para atrair os clientes, as administradoras optaram pelo diálogo, tratando com os lojistas caso por caso, de acordo com a necessidade de cada um.
“As multas são contratuais e cada contrato pode ter uma, mas não são valores altos. A intenção, quando se tem uma multa para as lojas que não abrem, é servir como advertência, que se permanecer fechado por um prazo superior a 30 dias, o contrato pode ser encerrado. Porém, nós evitamos os conflitos com uma conversa bastante próxima. Não digo que não houve nenhum, mas foram poucos, o que possibilitou uma reabertura com 95% das lojas funcionando, o que considero uma das taxas nas significativas no ramo”, afirma Sylvio Carvalho, diretor do Shopping SP Market , na zona sul da cidade.
Segundo ele, o shopping batalhou para cortar a maioria dos custos que os lojistas pudessem ter maior tranquilidade na reabertura, negociando alugueis, reduzindo os custos condominiais e apoiando cada um de forma individualizada: “com isso, nosso nível de confronto foi zero, praticamente não tivemos que realizar notificações. Todos, se não estavam negociados, estavam tranquilos quanto ao retorno”.
Vice-presidente da Multiplan , administradora dos shoppings Morumbi , Vila Olímpia e Anália Franco em São Paulo, Vander Giordano ressalta a importância do contato próximo com os lojistas para um diálogo positivo. Segundo ele, muitos reconheceram a importância da ajuda financeira dada pela empresa e compreenderam que o momento pede um “esforço conjunto”.
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“Ficamos cerca de 100 dias parados. Neste período, isentamos valores de aluguel , condomínio e fundo de promoção. Essa ajuda é fundamental porque, nesse ciclo produtivo do varejo, os lojistas são o elo mais prejudicado. Se não déssemos esse suporte, mesmo que a companhia não tenha tido ajuda do governo, poderia comprometer todo o ciclo. No fim, a adesão foi bastante positiva, até maior do que a gente imaginava”, relata Giordano.
“Sempre recomendo o diálogo para que se busque uma solução. Hoje, o lojista é o que está mais sofrido, sem juros acessíveis nos bancos, sem poder dar garantias, então depende muito do apoio dos shoppings. O momento pede bom senso e diz que é hora de juntar esforços, pois todos estão perdendo”, afirma Nabil Sahyoun, presidente da Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop).
Sem alimentação e horário ruim
A impossibilidade de reabertura das praças de alimentação, com restaurantes funcionando ‘take away’, ou seja, com os clientes liberados para consumir alimentos apenas fora dos shoppings, é visto como um problema.
A definição do horário também, já que a autorização de funcionamento por seis horas vai até às 22h ao invés de iniciar mais cedo, o que dificulta a retomada, e não só para o setor alimentício.
“Quem atua com alimentação reclama por não pegar almoço e janta. Financeiramente, fica complicado, porque é preciso colocar uma equipe para trabalhar e não se consegue aproveitar a plenitude da operação. Quem não é desse setor também critica, por não aproveitar o fluxo do almoço, que costuma ser melhor que o horário da janta em dias de semana. Ideal seria que o horário começasse mais cedo e pegasse os dois momentos”, aponta Sylvio.
Presidente da Halipar, holding de franquias de restaurantes como Griletto, Montana Grill e Croasonho, Ricardo José Alves diz “não entender” qual o raciocínio utilizado pela Prefeitura de São Paulo para estender o funcionamento até às 22h, o que considera um “horário ingrato para a área de alimentação”.
“Das nossas 400 lojas, 95% estão em shoppings. Para quem estava há 100 dias sem atividade, por mais que não seja o ideal, é um começo. Porém, ter apenas o jantar para trabalhar, é muito difícil. As pessoas focam nas compras no horário de almoço. Em épocas normais, é o momento que representa 70% do nosso faturamento. Seria muito mais interessante se começasse mais cedo, ao invés de aumentar para mais tarde”, afirma.
Sobre as dificuldades com o horário, Gina revela que percebeu, inclusive, variações de público de uma loja para outra. Segundo ela, o aumento da confiança do público nas medidas de saúde e segurança dos shoppings é o que tem feito diferença, elevando o seu faturamento em até 40%.
“Na primeira semana, a gente vendeu 8% da expectativa de venda, na segunda semana 17%, na terceira cai para 15%, na semana quatro sobe para 20% e na semana cinco, que é quando a gente começa a abrir 6h, a gente vai para 31%. Ou seja, da semana quatro, ainda com 4h de abertura, para a cinco, já com 6h, tivemos um aumento de 40% de vendas. O que agregou nem foram essas duas horas a mais exatamente, mas sim o aumento de movimento”, afirma.
Expectativa para o futuro
Com a capital paulista caminhando para a retomada da normalidade, os lojistas torcem para que a extensão do horário para um mínimo de 8h, como a própria ALSHOP define como a melhor alternativa, ocorra o mais breve possível. Pesquisas recentes mostram que, mesmo com 86% dos shoppings reabertos , sendo 170 apenas no estado de São Paulo, a procura do público registrou queda de 75% no comparativo com o mês de junho do ano passado .
“Com quatro horas de funcionamento, era impossível gerar um faturamento saudável. Trabalhamos com um prejuízo de 80% nos 15 dias em que tivemos isso. O shopping era um corpo humano completo que teve os braços arrancados. Não bastando isso, estabeleceram 20% de capacidade, o que deixou o corpo completamente dilacerado e com um prejuízo absurdo. Mesmo com as 6h, a expectativa é de um prejuízo de 60%”, afirma Sahyoun.
Já as administradoras veem com bons olhos a expansão e citam “maior dinâmica” e “novo fôlego” aos lojistas. Para Giordano, atuar apenas com um turno pode auxiliar na redução dos custos trabalhistas e dar maior chance de tudo voltar ao normal: “mesmo que de forma ainda cautelosa, os clientes estão voltando. Muitos comentam sobre as medidas de segurança aplicadas pela companhia e se surpreendem com isso. Então, é uma retomada lenta e gradual, mas segura e progressiva”.