Com os efeitos da pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2) aumentando a incerteza nos mercados globais, os investimentos diretos no país registraram uma queda de 68% em maio na comparação com o mesmo mês de 2019. No ano passado, entraram US$ 8,3 bilhões, contra US$ 2,6 bilhões em 2020.
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O economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez explica que é preciso olhar esse dado com uma perspectiva global, com o Brasil no mesmo nível de países emergentes. O número veio acima da expectativa do mercado, que esperava um resultado de US$ 1,5 bilhão.
Segundo Étore, há sinais graduais de reaquecimento dos investimentos. "A gente não teria porque perder mais do que os demais, esse dinheiro que vai ser alocado acaba buscando assim uma alocação dentro do país".
Segundo Pedro Paulo Silveira, economista-chefe da Nova Futura Investimentos, o câmbio alto no mês, que chegou a quase R$ 6 , encorajou quem tinha recursos no exterior a mandar para o país. No entanto, ele não espera que o fluxo de investimentos comece a voltar em breve.
"Maio foi o campeão dos campeões. Como o dólar deu uma pancada pra cima, quem tinha alguma disposição de mandar dinheiro pra cá acabou mandando", explicou.
Apesar da redução na comparação com 2019, o Investimento Direto no País (IDP) subiu bastante em relação a abril, quando registrou o pior resultado em 25 anos. A expectativa do BC com base nos números parciais de junho, é de que os investimentos diretos no país subam mais um pouco, fechando o mês em US$3,5 bilhões.
No acumulado do ano, o IDP também registrou um resultado inferior ao do ano passado. Entre janeiro e maio deste ano, US$ 20,5 bilhões entraram no país, contra US$ 31,6 bilhões em 2019.
Nos últimos doze meses, o IDP registrou US$ 67,5 bilhões na comparação com US$ 73,2 bilhões no mês anterior. Apesar do número menor, na relação com o PIB continuou no patamar de 4%.
O chefe do Departamento de Estatísicas do Banco Central, Fernando Rocha, disse que o Brasil é um dos primeiros países a divulgar essa estatística, então ainda não dá para saber qual a posição do país relativa a outros países. No entanto, ele ressalta que a crise causa uma diminuição de investimentos em todo o mundo.
Na terça-feira (23), os administradores de fundos globais que gerem US$ 3,75 trilhões assinaram uma carta aberta manifestando preocupação com o aumento do desmatamento no país. Especialistas apontam que a questão do meio ambiente pode dificultar a volta do investimento estrangeiro no país.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto , também na terça-feira, disse que há falta de informação quanto as atividades do Brasil no meio ambiente.
"Tenho conversado com os investidores que estão olhando o mercado. Existe uma falta de informação grande em relação ao que o Brasil está fazendo nessa área climática, temos, devemos e podemos participar mais desse mercado", disse.
Mercado
No mercado financeir o, o movimento de retração do dinheiro no país é parecido. Em maio, o BC registrou uma saída de US$ 2,2 bilhões em investimentos no mercado financeiro, sendo US$ 545 milhões em títulos de dívida e US$ 1,6 bilhão em ações e fundos de investimento.
No acumulado do ano, saída foi de US$ 33,6 bilhões contra um ingresso de US$ 9,7 bilhões no mesmo período de 2019.
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Segundo Fernando Rocha, 60% das saídas foram nos meses de março e abril, com efeito grande da pandemia. "O comportamento em março e abril é derivado da reação dos investidores à crise, o âmbito de incerteza muito grande".
O presidente do BC já relatou em outras ocasiões que essa saída de recursos está ligada a um fenômeno de busca por qualidade dos ativos. Em um momento de crise, os investidores buscam resguardar seu dinheiro em investimento mais seguros, como no dólar , e tiram de lugares com mais risco, como países emergentes.
Contas externas
A pandemia também afetou o comércio mundial, inclusive reduzindo as importações e exportações brasileiras, as contas externas de maio fecharam em superávit de US$ 1,3 bilhão. É o terceiro mês consecutivo de superávit. A estatística foi divulgada nesta quarta-feira (24) pelo BC.
Tanto as exportações quanto as importações registraram recuos significativos em comparação com maio de 2019. As exportações totalizaram US$ 18 bilhões, um recuo de 12,7% enquanto as importações caíram para US$ 13,8 bilhões, uma queda de 11,6%. Esses dados refletem os efeitos da pandemia na desaceleração do comércio mundial.
Segundo Pedro Paulo Silveira, a característica das exportações brasileiras ajuda a manter o superávit. Como os principais produtos são commodities, como a soja, a demanda global é menos sensível a flutuações, mesmo durante a crise.
Do lado das importações, Silveira ressalta que a queda é um sinal de desaquecimento da economia.
"A demanda doméstica por importações é grande, se importa muita coisa. À medida que a gente tomou esse choque fortíssimo na economia por conta da Covid-19 a demanda por importações cai".
Étore Sanchez explicou que apesar da queda nas importações , a estatística veio acima do esperado, o que contribui para o superávit.
"A balança comercial tem o favorecimento de exportação, mas também mitigação de importações. Não tivemos uma queda ao longo do mês de maio das importações, fora isso nós temos déficit de serviços também que não foram tão grandes, então acabam não contribuindo de maneira negativa", defende.
O resultado também foi puxado por uma redução de 62% no déficit de renda primária , que contou com aumento no gasto com juros e queda nas remessas de lucros e dividendos para o exterior. Esse dado aponta para uma redução da atividade econômica, porque com menos lucro no país, as filiais de empresas estrangeiras enviam menos recursos para suas matrizes.
Pedro Paulo Silveira também aponta para um efeito da desvalorização do real.
"Primeiro, as empresas podem ter reagido de maneira mais cautelosa e ter segurado caixa no Brasil. Segunda coisa que foi importante, uma alta muito forte no dólar. Todo mundo pode ter segurado para não mandar lucro para o exterior com uma taxa de câmbio alta", pontua.
O déficit na conta de serviços também reflete para uma queda na atividade econômica. Com a redução de 47,4% na comparação com o mesmo mês do ano passado, principalmente puxado pela queda nas despesas com viagens.
Por conta do isolamento social e o fechamento de fronteiras, os brasileiros gastaram apenas US$ 200 milhões no exterior este ano contra US$ 1,4 bilhão em maio de 2019. Para junho, as parciais mostram que o gasto com viagens deve se manter no mesmo patamar.
No entanto, são as reduções nas despesas com aluguéis de equipamentos, de US$ 302 milhões e nas despesas com transporte, com recuo de US$ 208 milhões que mais refletem uma redução na atividade econômica. A redução dessas despesas significa que menos empresas têm alugado equipamentos para ajudar na produção, por exemplo.
Para o próximo mês, a estimativa do Banco central é de que o resultado das contas externas fique em US$ 2 bilhões de superávit.