Com a reforma trabalhista em vigor, o ano de 2018 foi marcado pela frustração, por parte do governo e dos trabalhadores, quanto à geração de empregos no País. Em 2017, quando a matéria foi sancionada por Michel Temer, esperava-se que as mudanças gerassem empregos com carteira assinada, reduzissem a informalidade e criassem maior segurança jurídica às empresas e aos empregados. Na prática, porém, isso não aconteceu.
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Ao todo, foram 54 artigos da CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) alterados, nove revogados e 43 criados, modificando cerca de 10% da legislação trabalhista. A expectativa do governo de que a reforma trabalhista diminuísse o desemprego foi parcialmente cumprida: a desocupação caiu de 2017 para 2018, mas grande parte desse resultado está ancorada no aumento da informalidade no período.
Nos meses de agosto, setembro e outubro de 2017, segundo a última Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) Contínua divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a taxa de desemprego no Brasil era de 12,2% – ou 12,7 milhões de pessoas. Neste ano, no mesmo período, o índice é de 11,7% (12,4 milhões), ligeiramente menor do que o registrado no balanço final de 2017 (11,8%).
"A promessa [da reforma trabalhista] era criar dois milhões de postos de trabalho formais em 24 meses", relembra Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho). "O que tivemos em 12 meses de vigência da nova legislação foram apenas 380 mil novos empregos, aproximadamente. É um número muito inferior ao que se imaginava", completa.
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A informalidade, por sua vez, disparou. No trimestre terminado em outubro, ainda de acordo com o IBGE, o número de trabalhadores do setor privado sem carteira assinada (11,6 milhões) aumentou 4,8% em relação aos três meses anteriores e 5,9% frente ao mesmo período de 2017. Isso significa que, apesar dos 389 mil empregos formais gerados nos últimos 12 meses, outros 649 mil informais surgiram em paralelo.
O salto do desalento
Em 2018, os desalentados – isto é, aqueles que estão desempregados, gostariam de trabalhar, mas perderam as esperanças e desistiram de procurar – também tiveram sua porcentagem de protagonismo. Os dados sobre desalento no Brasil, apesar de pouco divulgados, podem esconder um problema muito maior, uma vez que essas pessoas não são incluídas, por parte do IBGE, na conta da taxa de desemprego .
Em agosto, setembro e outubro deste ano, último período analisado pelo instituto, o contingente de brasileiros desalentados foi estimado e 4,7 milhões. Apesar de o número ter permanecido estável em relação ao trimestre anterior (maio, junho e julho), a discrepância é expressiva frente ao mesmo período de 2017: naquela época, eram 4,3 milhões de desalentados no País, 10,6% a menos do que o registrado atualmente.
Trabalho intermitente: a novidade
Apontado como o carro-chefe da reforma trabalhista, o trabalho intermitente é aquele que ocorre esporadicamente, em dias alternados ou apenas por algumas horas, a depender do contrato firmado entre empregado e empregador. Nessa modalidade, o trabalhador é remunerado de acordo com o período trabalho, e os valores são previamente definidos pelas partes interessadas.
A princípio, o governo acreditava que a novidade geraria dois milhões de empregos em três anos. Um ano depois da aprovação da matéria, as perspectivas são pessimistas: desde que as novas regras começaram a vigorar, segundo os últimos dados divulgados pelo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), foram criados cerca de 55 mil novos postos de trabalho intermitente, número infinitamente menor do que o esperado.
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Em texto publicado pela Agência Brasil , o procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Paulo Joarês Vieira, criticou a nova modalidade e seu desempenho frente os demais tipos de trabalho. “O trabalho intermitente atingiu em torno de 55 mil contratações [valores atualizados], o que é um número pequeno. Mas são 55 mil contratos precários em que o trabalhador não tem garantia nem de renda, nem de uma jornada de trabalho”, argumentou.
Ações caem, mas insegurança cresce
Há quem diga que a reforma foi bem-sucedida em reduzir o número de ações trabalhistas na Justiça. De fato, de acordo com um balanço divulgado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), entre janeiro e setembro deste ano, o número de processos chegou a 1.287.208 contra 2.013.241 no mesmo período de 2017 – uma redução de aproximadamente 40%.
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Em entrevista à Agência Brasil , o presidente do TST e do Conselho Superior do Trabalho (CSJT), ministro Brito Pereira, chegou a comemorar o feito: "Até o momento, o principal impacto [da reforma] é a redução do número de reclamações trabalhistas. Paralelamente, houve um aumento de produtividade”, declarou.
O presidente da Anamatra, no entanto, lembra que a redução no número de ações trabalhistas pode ser justificada por outras razões. "É preciso discutir se a queda [no volume de ações] foi efetivamente boa ou se ela aconteceu porque foi criado um obstáculo que cercou os direitos de cidadania", ponderou.
Como exemplo, Feliciano cita a dificuldade que os trabalhadores têm encontrado para acessar a Justiça. "A litigiosidade não foi resolvida, continua viva na sociedade", explica. "O que a reforma fez, determinando que os custos sejam pagos por quem perder, é que talvez o próprio trabalhador precise arcar com esses gastos, criando uma barreira econômica dele com a Justiça. Ele passa a ter medo de pedir pelo que ele acha que tem direito."
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Para Vieira, procurador do MPT, a redução no número de processos também não é positiva. Também à Agência Brasil , Vieria afirmou que o feito representa "um retrocesso ao desrespeitar o direito constitucional de que todos tenham acesso à Justiça e todos possam buscar a reparação dos seus direitos quando lesados."
Recorde de trabalho escravo
Em 2018, foram encontrados 1.398 trabalhadores em condições análogas à escravidão no Brasil – a maior parte deles (813) em Minas Gerais. O número, medido pelo Radar do Trabalho Escravo da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) , é o maior desde 2014, quando 1778 pessoas nessa situação foram enconstradas pelo Ministério do Trabalho.
Na comparação com o ano passado (645), o aumento foi de 116,74%. Para o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), Maurício Krepsky, o salto se deve à eficiência das ações de combate feitas pela SIT. "Foi dada prioridade ao planejamento prévio das ações, com incursão de auditores-fiscais de trabalho em operações de inteligência para delimitar espaço e tempo precisos e flagrar os ilícitos", explicou.
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Neste ano, ainda de acordo com os dados divulgados pela Secretaria, as operações de fiscalização foram realizadas em 200 estabelecimentos. A partir delas, foram formalizados 896 trabalhadores, emitidas 785 guias de seguro-desemprego e pagos mais de R$ 2,7 milhão em verbas rescisórias aos 808 resgatados.
(Falta de) unanimidade
Depois de pouco mais de um ano de vigência da reforma trabalhista, as mudanças ainda não são consenso entre especialistas, empresas e trabalhadores. Além do questionamento quanto às promessas de expressiva geração de empregos e redução da informalidade não cumpridas, atualmente existem 19 ações de inconstitucionalidade contra a matéria no Supremo Tribunal Federal (STF), segundo levantamento do TST.
Para o presidente da Anamatra, é preciso tomar cuidado com o sentimento de injustiça e de falta de direitos que a medida pode causar aos trabalhadores. "Com a dificuldade de exercer os direitos, essa sensação de injustiça não some e acaba refletindo na sociedade. Isso pode acabar em mobilizações, ocupações de estabelecimentos, sabotagens... Como no século XIX, quando não havia Justiça do Trabalho, em que os conflitos se tornavam coletivos", compara.
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Na avaliação do Ministério do Trabalho, porém, é normal que haja questionamentos, já que todas as partes ainda estão se adaptando à reforma trabalhista . “Acreditamos que a implantação [da lei] ainda está em curso, e, talvez, demande mais algum tempo para se consolidar em nosso mercado", disse Admilson Moreira dos Santos, secretário-executivo substituto da pasta, em nota oficial. "No entanto, vemos que a cultura das relações de trabalho está mudando e isso é bom. É um processo gradual”, completou.