Werner Roger, gestor da Trígono Capital
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Werner Roger, gestor da Trígono Capital

Desde meados de fevereiro, o destaque dos jornais tem sido o embate entre Rússia x Ucrânia. Uma nova crise que pulou no colo de todos nós. Agora cabe-nos tentar entendê-la e desvendar as inúmeras janelas de oportunidade que se abriram na vereda dos investimentos, pois assim como o ideograma chinês, acredito que crise e oportunidade possuem o mesmo significado. Com 40 anos de atuação no mercado financeiro, já revisitei vários eventos e crises que vi e vivi, bem como os efeitos que tiveram no mercado acionário. Relacionei esses eventos com o sobe e desce da bolsa e inúmeras possibilidades descobertas – e ficou evidente como os investidores invariavelmente as ignoram e buscam
refúgio na renda fixa ou no dólar. Espero que a história não se repita dessa vez. Sir John Templeton, um dos maiores investidores de todos os tempos teve seus primeiros ganhos na época da Segunda Guerra ao pedir emprestado US$ 10.000 (cerca de US$ 180 mil a valor de hoje) ao seu ex-chefe da corretora Fenner & Beane. Ainda antes dos EUA entrar na guerra, Templeton acreditava nessa possibilidade e que a economia americana seria beneficiada. Investiu cerca de US$ 100 em cada uma das 104 empresas por ele selecionadas. A Comissão de Seguros do Estado de Nova York proibiu em 1942 as seguradoras do estado de investirem em ações pelo “risco elevado”. Sir Templeton (nomeado cavaleiro pela Rainha Elisabet II em 1987 pelos seus serviços filantrópicos) multiplicou o capital em 5 vezes o capital investido em 1939 e apenas 4 empresas não tiveram retorno positivo. Ele percebeu a natureza humana do mercado e como o pessimismo num ambiente de certeza leva os preços para níveis muito abaixo do valor. Creio que vivemos num momento parecido, e que muitos setores e empresas poderão ser beneficiadas, mesmo com todos os problemas causados pelo conflito
atual.

Sempre abordo nos artigos analogias na história, na filosofia, na literatura e metáforas que são distantes do mundo financeiro, mas que ajudam a entendê-lo. Desta vez, fica o convite: vamos para o universo das fábulas? O clássico “A
Princesa e o Sapo”, dos Irmãos Grimm, pode parecer, apenas uma história infantil que os pais contam para os filhos na hora de dormir. Mas trata-se de uma lição universal, que também serve para ilustrar o atual momento do Brasil em se tratando de investimentos na renda variável, das diferentes visões de investidores locais e estrangeiros e da influência que a Rússia em guerra terá nos próximos meses sobre setores, empresas e países, e especialmente, no mercado financeiro e nas bolsas de valores.

Em resumo: o brinquedo – uma bola de ouro – de uma princesa cai num lago e ela não quer sujar seu vestido para recuperá-lo. Um sapo oferece ajuda, mas em troca pede favores, como a companhia da princesa, para que lhe conte
histórias, durma em sua cama e lhe dê um beijo de boa noite. Ela concorda imediatamente, mas esquece rapidamente das promessas feitas. Eis que um dia o sapo aparece sem avisar enquanto ela e o pai, o Rei, jantavam. Ela, no entanto, ignora o sapo. Achando aquilo estranho, o Rei se inteira e cobra da filha o cumprimento da promessa. Ela obedece, a princípio descontente, mas vai se afeiçoando ao sapo – que se mostra uma companhia inteligente e agradável. Por fim, o sapo cobra o beijo. Com certo nojo, ela cumpre a promessa – e o sapo se transforma num príncipe. Ele explica que foi amaldiçoado por uma bruxa e que só voltaria à sua condição de príncipe se beijado por uma donzela. Desfeito o feitiço, juntaram seus reinos após o casamento e celebraram a união por uma semana inteira.

O Brasil é a princesa, que corteja seus investidores. Estes, por sua vez, são o sapo, que acreditam nela. Como a princesa, o Brasil promete, promete e não entrega o prometido. No caso do Brasil, a história, no entanto, tem um “plot twist”, como dizem os roteiristas. Os investidores (o sapo) acreditaram e fizeram sua parte: alocaram recursos na “boa ação” (foram ao lago buscar a bola de ouro), trazendo recursos para o país, investindo em boas empresas (suas ações). Isso faria a performance do mercado como um todo melhorar. No limite, manteria os investidores locais interessados no mercado de renda variável. A Princesa (o Brasil – no caso, os investidores locais), no entanto, preferiu não esperar que o sapo cumprisse sua parte, e foi buscar outra bola. Ou seja: os investidores daqui correram a renda fixa (e às favas com o vestido limpinho). Sacrificaram o mercado de renda variável. Como em toda fábula, há uma moral da história: cumpra promessas.

O Brasil é visto mais uma vez como a bola (de ouro?) da vez. Isso vai se desfazer, no entanto, se o país mais uma vez deixar de cumprir suas promessas. Transformar o Brasil numa economia de mercado de fato, realizar as reformas necessárias, privatizar o que pode ser gerido pela iniciativa privada, melhorar a gestão pública através de eficiência. Essas e outras medidas são o que permitirá ao Brasil entregar o que se espera dele, para que deixe de ser o eterno País do Futuro. Algo já foi feito nos últimos anos, como a reforma da previdência, novos marcos regulatórios para os setores de gás, Lei da Cabotagem (BR do Mar), lei da Energia Distribuída, ferrovias e saneamento, privatização de dutos de combustíveis, refinaria de petróleo (um grande marco), combate à corrupção, embora nossa justiça tenha liberado da
prisão inúmeros criminosos condenados já em segunda instância, mas a própria justiça não tem celeridade em terminar os processos (nem os condenados em apelar, pois nada lhes acontece), e até nosso Banco Central obtendo maior autonomia, criando o PIX, facilitando a vida dos cidadãos, e reduzindo os custos de transações bancárias, e reforma da Lei da Segurança Nacional. Mas, isso pode ser insuficiente para transformar o sapo no príncipe encantado. Aguardemos, portanto, se o final será feliz, ou a princesa esquecendo-se de suas promessas, para decepção do sapo, nossos investidores estrangeiros.

O final feliz como o da fábula seria, com as promessas cumpridas, ver o Brasil crescer e gerar prosperidade para todos os que aqui vivem e para os que investem seu capital. Na fábula adaptada, o Rei é o povo brasileiro, que cobra o cumprimento dessas promessas. Como o sapo, que acreditou nas promessas, os investidores estrangeiros parecem mais uma vez acreditar – o que se vê nos R$ 62 bilhões de ingresso líquido em apenas dois meses deste ano e nos R$ 91 bilhões nos últimos 5 meses, devendo chegar nos R$ 120 bilhões em março ao completar seis meses de fluxo positivo ininterruptos. 

A grande questão é saber quanto tempo esse fluxo permanecerá. Os motivos pelos quais investidores locais vendem e estrangeiros compram são distintos. Os locais querem renda fixa; os estrangeiros vêm atrás de uma das bolsas mais descontadas do mundo, num país visto como fundamentalmente relacionado a commodities (petróleo, mineração, agronegócio, celulose etc.), a fim de “hedgear” contra a inflação causada por tais produtos. Com o conflito político e militar entre Rússia e Ucrânia, o Brasil se tornou uma opção ainda mais interessante, favorecendo o mercado de commodities com seus preços ascendentes – o que contribui também para bons resultados das empresas. Lembram da citação de Sir Templeton no início do texto e a aversão ao risco de grande parte dos investidores em renda variável?

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Outro ponto que favorece a alocação de estrangeiros no Brasil é o fato da Rússia estar sendo rebaixada como alternativa de investimentos em mercados emergentes e excluída dos principais índices, como o MSCI. Os percentuais excluídos da Rússia acabam realocados para mercados como o Brasil, que ganhará maior representatividade nos índices.

Os estrangeiros também acreditam numa valorização do real, já flertando com um valor abaixo de R$ 5,00/US$ devido ao influxo de capital estrangeiro (adicionado de aplicações em renda fixa e investimentos diretos), além do maior saldo da balança comercial pelo teórico aumento das exportações – via preços e, eventualmente, também por maior volume (notadamente do agronegócio e de minérios). Nesse caso, o ganho vem pela valorização das ações e da moeda local (que, apesar de ser um fator neutro para os locais, gera perdas em investimentos no exterior e ativos precificados em moeda estrangeira, como as criptomoedas). Para os locais, o conflito gera pressões inflacionárias em combustíveis e alimentos, especialmente grãos e trigo. Em tese, isso prolonga a política monetária de juros elevados, alguns apostam em taxa Selic atingindo 13,5% proximamente. Acredito que isso é ineficaz – juros altos locais não têm como conter pressões oriundas de fatores externos. O Banco Central do Japão e da Europa declararam exatamente isto. Ineficácia monetária e o ônus no crescimento da economia, ainda ressentida dos efeitos da pandemia. Aqui o pensamento é outro, e esquecem o custo desta dívida no Tesouro (pago por nós, contribuintes), e os efeitos negativos em toda a economia.

É inegável que o conflito entre Rússia e Ucrânia teve grande impacto sobre os mercados, assim como o seu desenrolar deverá trazer novas consequências. Os dois países são importantes produtores de commodities nos setores energético,
industrial, mineral e agrícola, e causaram grande impacto no mercado. A situação da oferta de commodities no mundo está cada vez mais complicada, especialmente na área energética, em não pequena parte devido à chegada de um novo ator – o ESG, que impõe grandes barreiras aos investimentos em energia fóssil e bens minerais. A economia global está aquecida com o fôlego dado por todos os estímulos econômicos da pandemia e juros baixos, mas a oferta do mercado de energia não tem conseguido acompanhar a demanda. Uma diminuição na oferta, que sequer foi completamente entendida, pode ser a via para um cenário dramático.

O funcionamento do mercado de commodities em situações assim depende muito dos estoques. Preços podem subir em escalas geométricas mesmo, e não em meros percentuais, como viemos a nos acostumar. Façamos aqui uma ligeira manobra aristotélica – uma volta às “coisas primeiras”. Quando a oferta é menor que a demanda, o preço vai subindo: eis aí a descrição da lei universal que muitos governantes tentam manipular – a da oferta e da procura. Bem que tentam torcê-la para adequá-la a seus propósitos, mas essa lei é no mínimo tão sólida quanto outra lei: a da gravidade.

Um estoque tende a ir sendo consumido em ritmos variáveis, e o que se busca como ideal é fazê-lo diminuir de forma adequada a nossos usos, mas ainda assim em ritmo lento. Lento ou não, no entanto, ele vai se esgotando, e quando chega perto do fim, os preços oscilam – não raro, de forma brusca. Isso pode resultar em commodities a preços que se julgava impensáveis. O impacto disso se faz sentir de forma muito relevante em vários setores. Afinal, são matérias-primas e estão entre os itens mais fundamentais de algumas cadeias produtivas, e via de regra são insubstituíveis, porque não há similares. É o que se chama na boa teoria econômica de inelasticidade da demanda.

Muitas cadeias de produção serão seriamente afetadas com a guerra entre Rússia x Ucrânia, principalmente em insumos produzidos pelos dois países e bens eletrointensivos especialmente. O preço do níquel chegou a multiplicar em 4 vezes em uma semana, por exemplo, e aumentos em múltiplos ainda desconhecidos também já rondam alumínio, cobre e ferroligas, petróleo e o trigo, entre os grãos. Não há taxa de juros que contenha tal aumento de preços. Só um ramo de oliveira entre russos e ucranianos poderá contribuir para atenuar a atual escalada de preços e a escassez de energia, componentes e alimentos. Tal ramo, no entanto, não está em qualquer lugar à vista no momento.

Muitas oportunidades se abrem com esta crise, um exemplo disso é que ela acabou por favorecer empresas que têm na energia elétrica parte de seus negócios ou custos, pois o Brasil ficou em posição muito favorável. Nossa matriz energética tem tudo que qualquer país gostaria de ter em suas próprias: é limpa, renovável, abundante em recursos ainda inexplorados e (last, but not least) de baixo custo. Enquanto o mundo se depara com desafios cada vez maiores no campo energético, o Brasil pode tomar frente nessa corrida da energia verde e ampliar seus negócios. Aqui na Trígono Capital, empresa que sou gestor, essa é a visão desde 2017, investindo em empresas que respeitam o conceito de ESG, ou seja, aquelas que possuem boas práticas ambientais, respeitam a sociedade e o entorno onde atuam, e possuem uma boa governança, ainda que possam melhorar os três quesitos, afinal, não existe empresa perfeita.

Prova disso é que a Trígono acredita firmemente no potencial do seu fundo Trígono Power Yield FIA, que engloba em sua carteira empresas que consomem ou produzem energia limpa e renovável, antecipando a tendência mundial que
deve ser acelerada com o presente conflito entre Rússia e Ucrânia, numa verdadeira corrida para transição para energia verde. E neste momento, particularmente em empresas eletrointensivas cujos preços de seus produtos dispararam, mas seus custos praticamente não foram impactados. Afinal, sabemos que a energia é o motor do mundo e, quando limpa e renovável, é o combustível do desenvolvimento sustentável. A crise está aí as oportunidades também, agora cabe ao Brasil e cada um dos investidores lançarem as oportunidades de investimentos e saírem da seara das promessas e sapos.

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