No mercado financeiro, existem inúmeros fatores internos e acontecimentos internacionais que afetam diretamente papéis e títulos de investimentos e que podem influenciar uma alta ou uma desvalorização repentina, desde as decisões econômicas até as ações geopolíticas. Tudo está interconectado globalmente, especialmente no sistema financeiro. A teoria defendida pelo
matemático e meteorologista Edward Lorenz, em 1917, mostra que a estreita correlação de pequenas alterações no sistema podem provocar mudanças drásticas bem longe dali, seja no clima ou na Bolsa de Valores. Ele afirmou que o bater de asas de uma borboleta na Califórnia pode causar um tornado
na Austrália amanhã; tal fenômeno ficou conhecido como “Efeito Borboleta”, cada vez mais notável no mundo atual. Portanto, quem tem investimentos no Brasil precisa fazer a leitura constante dos cenários nacionais e além das nossas fronteiras para passar pelos ventos que trazem riscos e, sobretudo, reconhecer e otimizar oportunidades.
Para entendermos melhor essa interconexão dos elementos, tracei um painel de diversos fatores que trazem riscos e oportunidades e têm impactado o mercado e, consequentemente, os investimentos. No cenário nacional, temos diversas questões, entre elas, a crise energética. A situação só não é dramaticamente pior porque o Brasil sofreu um duro golpe (de novo, sem trocadilho) da recessão de 2020, causada pela pandemia da Covid, reduzindo a atividade econômica. Muitos atribuem esta culpa à São Pedro, que, claro, nada tem a ver com a situação – nem aqui nem na China e Europa, notadamente Reino Unido que sofrem também com problemas idênticos, além do forte aumento do preço do gás e carvão, e ano que vem quando a Alemanha desativa seus retores nucleares. Outros atribuem a culpa ao atual governo.
Quando se fala em culpa de governo, é preciso voltar aos governos Temer e Dilma para encontrar investimentos não realizados ou aprovados. O que dizer dos investimentos pífios, como em usinas em regimes de fio d’água, como Santo Antonio, Jirau e Monte Belo - em comum, todas elas têm as distintivas características de ficarem na região Norte – distantes, portanto, dos centros de consumo – e de serem um enorme desperdício de capital e efetividade. Julgo que a atual crise resulta de uma combinação de fatores. Entre eles, a falta de investimento em novas hidrelétricas de acumulação, e em energia mais limpa e única que possui enormes baterias nos reservatórios. É importante entender que investimentos em geração e distribuição de energia elétrica no Brasil são extremamente regulados, com muitas limitações ambientais. O prazo típico é de 3 a 5 anos, desde a fase inicial até o comissionamento dos projetos.
A crise também pode ser atribuída à carência de investimentos em térmicas intermitentes a gás, devido à procrastinação da aprovação da nova Lei do Gás e ao enorme desperdício econômico de não monetização do gás do pré-sal (a Petrobras sofre de um desinteresse atávico em fazê-lo). Além da presença dos governos federal e estaduais em empresas do setor elétrico e dos investimentos que poderiam ser executados pelo setor privado e ficam, assim, inviabilizados.
E talvez a maior causa da crise elétrica brasileira seja a MP (Medida Provisória) 579, de Dilma Rousseff. Em 7 de setembro de 2012 (quem diria..., que data), a então presidente anunciou uma redução de 20% nas tarifas de energia para o povo brasileiro. Estima-se prejuízo entre R$ 111 bilhões (cálculo do Centro Brasileiro de Infraestrutura) e R$ 160 bilhões (Instituto Ilumina) para o setor. Os resultados colhemos agora. A MP 579 forçou a edição de mais de 40 medidas posteriores, na expectativa de consertar o estrago que causou. Para nem falar dos mais de R$ 50 bilhões em indenizações, do socorro financeiro às empresas e da perda de valor de mercado destas. Foi uma verdadeira bomba de Hiroshima no setor, me desculpe nossos queridos irmãos japoneses.
O último mês e o começo de setembro têm sido difíceis para a bolsa brasileira – em particular, para as ações de menor liquidez. Curiosamente, o investidor estrangeiro aportou R$ 7,35 bilhões no mês, em marcada contraposição aos investidores locais, notadamente institucionais, que reduziram a alocação em renda variável em favor da renda fixa. As empresas aceleraram as recompras das próprias ações para tesouraria, talvez já se antecipando à tributação dos dividendos, com possível cancelamento destas ações (com isso, aumentam os dividendos por ação e/ou por considerarem os preços delas bastante descontados). Fundos multimercados também diminuíram a exposição em renda variável, encerrando posições com prejuízo – movimento conhecido como stop loss. Perdas em diversos segmentos como câmbio e taxa de juros levaram tais fundos a reduzirem suas posições de maior volatilidade e risco, como a renda variável.
Essa combinação, de diminuição do apetite das pessoas física e institucional por risco e maior força do estrangeiro, tem contribuído para o melhor desempenho das empresas mais líquidas em relação às small caps. Em agosto, o IBOV caiu 2,5%, ante 3,8% do índice SMLL, mas curiosamente o IDIV
(relacionado a empresas consideradas boas pagadoras de dividendos) caiu apenas 0,5%. Talvez o mercado espere uma forte antecipação de dividendos neste ano, inclusive com uso de lucros acumulados, e já se antecipa no posicionamento destas empresas. Sobre os fundos de investimentos em ações, é bom lembrar, que continuam isentos na tributação dos dividendos e deverão ser especialmente favorecidos pela reforma tributária. Esse é um típico fenômeno de mercado, quando investidores buscam ações de maior liquidez que permitem trocas rápidas de posição ou mesmo realização de lucros.
O CAGED segue apresentando dados superiores às expectativas, com a criação de 316 mil empregos com carteira assinada em julho e 1,8 milhão no ano. A taxa de câmbio apresentou elevada volatilidade em agosto, mas no final do mês de agosto a valorização do dólar foi de apenas 0,42%. Em determinado momento do mês, a valorização chegou a 6%. Já a curva de juros segue longa e inclinando para cima, chegando a ultrapassar 10% nos prazos mais longos – reflexo de incertezas e stress de natureza política, além de preocupações com questões fiscais. Enquanto a taxa Selic continuar abaixo de dois dígitos (5,25% hoje), é possível que o cenário de crédito brasileiro continue saudável para um crescimento mais acelerado.
Boa parte da pressão inflacionária se deve a fatores extraordinários, como o preço das commodities e da energia, não se justificando assim guinadas muito radicais dos juros para cima. Porém, o câmbio é determinante, e dependemos da política monetária de outros países para que haja equivalência de
risco e juro real entre os diferentes mercados de dívida soberana. Por enquanto, a manutenção dos juros pelos principais bancos centrais favorece a manutenção da taxa de câmbio no atual patamar (de R$ 5,00 a R$ 5,30), amortecendo maiores impactos na inflação.
Um setor em alta é o de agronegócio, com destaque para empresas de açúcar e etanol, manufatura de silos e armazéns e produção agropecuária (cana de açúcar, soja, milho, algodão, gado e feijão, e venda de propriedades maduras). Todos os segmentos estão indo muito bem e com perspectivas cada
vez mais animadoras. Nas commodities agrícolas, seca e geada no Brasil já vêm causando grandes impactos nos preços de café, açúcar e até milho. Nesse sentido, é interessante o foco em empresas ligadas ao agronegócio – o impacto positivo nos preços compensa eventual perda na produção. Mesmo com uma normalização do clima, estoques baixos em todo o mundo e fenômenos climáticos adversos fazem projetar a manutenção dos preços das commodities agrícolas em níveis elevados e favoráveis. O questionamento de que o próprio clima brasileiro tenha mudado de forma mais duradoura também é válido, já que na última década a situação hídrica no Sudeste/Sul tem ficado cada vez pior. De forma que, apesar da normalização ser esperada, talvez as secas sejam mais recorrentes a partir de agora.
No setor de Mineração e Metalurgia, o nicho de ferro-ligas (segmento que a nossa gestora Trígono Capital está investida) segue movimento inverso ao do minério de ferro. Talvez o mercado confunda ferro-ligas e ferro: aquelas entram na composição de produtos siderurgícos e metalúrgicos (aço carbono, aço inox, fundições, alumínio, placas fotovoltaicas, semicondutores – a lista é longa). Ferroligas combinam metais que conferem diferentes propriedade físicas e químicas aos produtos. Mas são produtos eletrointensivos no processo industrial, e sua produção utiliza carvão ou coque na chamada redução dos metais – a retirar do oxigênio (O) dos minerais (como, por exemplo, a hematita ou minério de ferro) na forma de óxidos.
Nesse processo, carbono e oxigênio são quimicamente combinados – formam o CO2, que, liberado na atmosfera, gera o efeito estufa. Na produção de aço e metais, o processo se repete: ferroligas e fontes de carbono são submetidas a uma nova redução, trazendo propriedades essenciais de minerais como manganês, cromo, niquel, nióbio, silício, titânio, molibidênio e outros. A China busca reduzir as emissões de CO2 na atmosfera por meio da descarbonização: foram impostas restrições à produção de elementos que geram CO2 – especialmente ferroligas, notadamente o ferro-silicio (FeSi75%), por sua natureza eletrointensiva (60% da energia elétrica produzida na China é gerada por térmicas a carvão). Tal imposição fez com que a demanda da China por minério de ferro diminuiu, e restringindo a produçao de ferroligas. E vejam só, o maior produtor chinês de uma liga específica, ferro-cromo, está buscando comprar 30.000 ton da liga para cumprir contrato de venda. Tal liga acaba de ter seu preço reajustado em 15% na Europa, preço válido até o final do ano, e outra liga importante, ferro-silício 75% (FeSi75%) teve um aunento de preços de nada menos que 50% desde julho na China, trilhando caminho inverso ao minério de ferro.
Acontece que a China é o maior produtor mundial de ferroligas e isso teve um forte impacto, levando desequilíbrio ao mercado devido à forte redução na oferta. O minério pode ser substituido em parte por sucata, mas o aço que a China deixar de produzir e exportar será produzido em outras regiões,
que demandará ferroligas. Mas não encontrará o suprimento da China. A sucata acompanha de certa forma o preço do minério de ferro e ferro gusa (minério de ferro já reduzido). Sendo assim, em um ano o preço do FeSi75% saltou de US$ 900 por tonelada para mais de US$ 2.200/t (com previsões de
atingir US$ 3.000/t). Os preços do ferro-cromo (FeCr), utilizado na produção de aço inoxidável, subiram entre 60% e 80%, a depender do mercado (região) ou do tipo do produto (segundo seu teor, como alto ou baixo, de carbono), já considerando o novo preço europeu a partir de outubro.
É neste nicho que temos investido através da Trígono Capital. Um setor com ótimas oportunidades, pois quem investe no ramo está indiretamente posicionado na descarbonização da China e de certa forma contrário à queda do minério de ferro (que favorece a queda no preço da sucata, matéria-
prima de algumas empresas investidas que atuam em fundidos de ferro). Os preços do carvão energético e metalúrgico e gás dispararam entre 40% e 80%, com impactos nos custos e energia em todo o mundo. No Brasil usamos muito pouco carvão energético, por aqui, prevalece a energia renovável e limpa – e, no caso de ferroligas de silício, usamos ainda biorredutores, neutros na emissão de CO2 e que impõem custos significativamente menores em relação aos demais principais produtores.
Cenário Internacional
De olho no mercado exterior é possível perceber que a política monetária dos bancos centrais dos países desenvolvidos permanece expansiva: com injeções de liquidez. Não só agora, mas desde a crise de 2008, é visível a dificuldade do FED (banco central americano) de realizar um tapering (diminuição e eventual parada na injeção de liquidez) para os programas de QE (quantitative easing – ou estímulos monetários para impulsionar a economia). Seja levado por um fato exógeno (o advento da pandemia, por exemplo) ou por stress no mercado, o FED sempre retoma o QE após breves períodos de tapering. Dado que não consegue parar de injetar estímulos durante um intervalo mais longo,
ficando cada vez mais difícil reduzir de forma sustentável a atuação do FED – que se torna assim cada vez maior e em ritmo mais acelerado.
Sendo esse o “novo normal”, sempre houve entre economistas o questionamento a respeito da inflação, sua permanência e vigor. Com os grandes motores de deflação – industrialização asiática, robotização, tecnologia, ganhos de produtividade, automação e diminuição do crescimento
populacional – em ação, a economia mundial apresentou inflação relativamente comportada – exceção feita à pandemia, por fatores atípicos e aparentemente transitórios. Isso levou a maior parte dos BCs a se preocuparem mais em estimular a economia e gerar empregos do que combater a inflação, supostamente de natureza momentânea. Mas já há quem suspeite que desta vez será diferente.
Crises de oferta em diversos mercados acordaram uma inflação adormecida há anos, por efeito de eventos climáticos (secas, principalmente), decisões governamentais (e aí as novas metas do Estado chinês têm grande peso), problemas logísticos, de insumos (falta de navios, contêineres e chips) e
falta de investimento em setores importantes (em grande parte relacionadas ao aumento do ritmo de descarbonização). A rápida recuperação da economia depois de um período em que diversas indústrias se preparam para o pior, cortando custos e reduzindo os investimentos, causou um efeito
cascata inflacionário na economia e de escassez energética e de componentes (semicondutores, por exemplo).
Sobre energia, em particular, os preços de praticamente todas as commodities energéticas estão disparando – destaque para gás natural e carvão (energético e metalúrgico), em patamares sem precedentes. Combinada à nova direção da economia chinesa, de diminuir a “velha economia” poluidora e eletrointensiva, os preços de produtos como ferroligas e alumínio têm tido grandes aumentos (pela menor produção e oferta), enquanto o preço do minério de ferro derrapa (caiu já mais de 40%) devido à determinação do governo chinês em moderar a produção de aço (de olho em minimizar o efeito estufa).Tudo indica que a conjuntura de investimentos menores em mineração de carvão e exploração de petróleo e gás seja permanente a partir desta década. Isso poderá fazer com
que os preços elevados para tais commodities energéticas se sustentem – bem como a pressão de custos para empresas e países que utilizam tais insumos. O próprio governo chinês declarou na ONU que não mais financiará térmicas a carvão fora da China, mas nada disse sobre o seu próprio país pela crescente necessidade de energia para saciar o apetite do dragão e necessidade de crescimento chinês.
Conhecer as nuances do mercado e quais os setores ideais para se investir é essencial para quem busca uma trajetória de sucesso e bons retornos a longo prazo em tempos nebulosos. Cada movimentação seja política, social ou econômica impacta o mundo dos investimentos. Por isso, se você quer ter resultados melhores do que a maioria das pessoas, faça as coisas de forma diferente da maioria. Analise bem o mercado, tome decisões a partir de informações consistentes e faça escolhas criteriosas.