Mídia destaca o calor, mas deveria focar nas causas do calor
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Mídia destaca o calor, mas deveria focar nas causas do calor


Acaba o intervalo comercial. Entra vinhetinha do telejornal. Abre a cena.

O apresentador, confortavelmente posicionado no ar condicionado do estúdio de TV, sorri e caminha alegremente até o telão. Aparece a imagem de um repórter, também sorridente, a postos, só esperando a deixa do âncora para começar a falar.

Atrás dele, o que se vê é uma piscina lotada de algum clube. Ou, se você preferir, a orla da praia mais famosa de uma capital praiana brasileira. Abarrotada de gente. Cenário perfeito, tudo como manda o script.

Showtime!

Apresentador dispara:

- Hora de falar desse calorão que chegou na nossa cidade. E quem traz as últimas desse dia liiindo é o nosso repórter {escolha o profissional da sua preferência} que hoje tá aproveitando o dia para se refrescar junto com a galera, é isso mesmo?!

Entra o repórter.

Que – de microfone na mão e solzão na cabeça – começa a falar descontraidamente, provoca o apresentador brincando com o “privilégio” de poder trabalhar naquele lugar super bacana da cidade, entrevista banhistas alegres, entre risadinhas, e depois de dois ou três minutos anuncia o fim da participação ao vivo. Mas não sem antes oferecer ao telespectador uma dica preciosa!

- Você que também tá vindo curtir o dia, não se esqueça de trazer o protetor solar. Se liga, ein, sol é assunto muito sério!

Volta apresentador.

- Hora de falar do trânsito.

Fim da cena que, eu tenho certeza, você já viu aí do sofá da sua casa.

Se essa abordagem não te incomodou, ainda que minimamente, lamento dizer que você faz parte da maioria de nós: milhões de pessoas que se satisfazem em relativizar o maior problema atual da humanidade, ao invés de enfrentá-lo. Porque é assim, em alguns minutos de brincadeirinhas e lazer ao vivo, repetidos diariamente, que vamos disfarçando de descontração e leveza a tragédia diária do aquecimento global que sentimos na pele, literalmente, e só vem aumentando.

Caro leitor, não se sinta aqui acusado por mim.

Verdade seja dita, eu mesmo já estive ali, tanto no papel de apresentador quanto de repórter, surfando nessa mesma onda perigosa de superficialidade, contando uma historinha “jornalística” exatamente igual a essa, sem sequer perceber o tamanho do desserviço que estava prestando à sociedade da qual faço parte.

Por isso que, com a autoridade de quem já fez este papel que hoje condeno, te digo: precisamos acordar.

Enquanto escrevo este texto fiz uma pesquisa rápida e sem qualquer base estatística, mas suficiente para exemplificar a você o alerta que faço nesta coluna. Joguei no Google a frase “recorde de temperaturas” e cheguei a duas reportagens das emissoras que lideram a audiência na TV brasileira. Vale destacar que foram as primeiras que apareceram para mim, portanto provavelmente são as que tiveram o maior número de acessos nos respectivos portais.

Em meio a brincadeiras como “São Paulo tá com um céu de brigadeiro, ein?” ou “Antes era Rio 40 graus, agora é também São Paulo 40 graus?” o que deu pra salvar, entre sorrisos e gracejos, são as boas e velhas dicas de “tomar bastante água, não fazer exercícios físicos em horários mais quentes” etc. Uma das matérias traz a notícia que o Ministério da Saúde divulgou uma cartilha com dicas para as pessoas se protegerem em dias muito quentes.

Tudo importante? Sim, claro.

Mas o problema aqui é constatar que, num total de seis minutos e 25 segundos de material jornalístico, somando o tempo das duas reportagens, em NENHUM momento os apresentadores ou repórteres se preocupam em falar sobre o MOTIVO do recorde de temperaturas.

E isso, apesar deste calor terrível, me dá um baita frio. Na barriga.

Porque se a TV brasileira, que forma a opinião da grande massa, não apresenta as causas do aquecimento global ela não está explicando o VERDADEIRO problema. E se a gente não apresenta o problema, como é que podemos esperar que as pessoas passem a enfrentá-lo?

Então vamos a ele? (Porque essa próxima notícia eu não afirmaria com certeza se chegou aí na sua bolha).

Um relatório divulgado na última quarta-feira (15/11) pela Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que a emissão de gases do efeito estufa, causadores do calor que você sente enquanto lê esta coluna, atingiu recordes no ano passado e não há sinal de que o cenário será revertido.


Houve alta nas emissões de dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O), três dos principais causadores das mudanças climáticas. As emissões de CO2 em todo o planeta chegaram a ser 50% mais altas que os registros pré-industriais.

Pela primeira vez na história.

“Apesar de décadas de avisos da comunidade científica, milhares de páginas de relatórios e dezenas de conferências climáticas, ainda estamos indo na direção errada”, lamentou Petteri Taalas, secretário-geral da Organização Metereológica Mundial, que assinou o alerta.

É por isso que, ao contrário do que os telejornais de massa parecem querer nos convencer, “os dias mais quentes da história” não podem ser tratados como temas leves em reportagenzinhas de cotidiano. O que precisa ter mais espaço no noticiário não são as medidas paliativas que adotamos para enfrentar o calor, mas sim os motivos que têm feito ele aumentar todos os anos.

Mas aqui te digo, contrariado, que não podemos esperar uma mudança rápida nesta pauta.

Sabe por quê?

Porque se começarmos a falar mais das causas do aquecimento global, teremos que pensar em comprar menos carros e usar mais transportes públicos, para assim reduzir a emissão de CO2 que sai dos nossos escapamentos. E aí os governos vão precisar investir mais em ciclovias, infraestrutura de abastecimento elétrico e outras formas limpas da gente se locomover nas grandes cidades.

Se a gente começar a fazer muitas perguntas sobre a emissão de gás metano, resultado dos lixões e das bilhões de toneladas de fezes produzidas pelos gados de corte nos pastos, vamos ter que perguntar, também, se não é chegada da gente consumir menos carne. Ou de fazermos coleta seletiva séria em casa e também nos centros de reciclagem.

Um monte de assunto incômodo, que ameaça nosso conforto, nossos hábitos e que, definitivamente, não elege ninguém para cargos relevantes no Brasil.

Então, na próxima reportagem que aparecer na sua TV sobre as praias lotadas de gente feliz aproveitando o calorão, te convido a dar um mergulho – bem menos refrescante e convidativo – nos seus hábitos.

Porque eles, sim, podem ajudar a refrescar o nosso planeta.

** Teo Taveira é jornalista, produtor de conteúdo, dono de agências de publicidade, consultor de estratégias de comunicação storytelling e professor de oratória. Foi repórter e apresentador nas principais emissoras do país até deixar a última redação para, então, mergulhar no empreendedorismo e na rotina da produção audiovisual.

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