Ludmilla cantou o hino nacional na abertura do GP Brasil de Fórmula 1
Reprodução
Ludmilla cantou o hino nacional na abertura do GP Brasil de Fórmula 1

Não sei você, mas eu nunca tinha visto um momento de silêncio causar tanto barulho. E olha que foi um momentinho bem rápido, exatamente 20 segundos, e ainda assim preenchido pelos acordes certeiros do menino Miguelzinho, que deu um show com um cavaco na mão e um sorrisão no rosto.

Mas, pra ser justo, o moleque não era o único talento na cena. Ao lado dele estava uma gigante – goste você ou não – do cenário musical e cultural brasileiro.
Este texto é sobre ela, a funkeira mais comentada do momento. Mas, principalmente, sobre nós brasileiros e nosso jeito muitas vezes lamentável de se comunicar na internet.

Antes de continuar, preciso avisar ao caro leitor: hoje não vai dar tempo de celebrar com você essa turma sorridente e talentosa que o nosso Brasil tem de sobra. Nesta coluna, infelizmente, vou precisar falar de quem detesta o sucesso. Dos outros, claro. Especialmente se os outros forem uma parcela bem específica da população brasileira.

A essa altura você já deve saber do que e de quem estou falando. Mas minha análise aqui provavelmente vai ser bem diferente daquelas que apareceram na sua bolha nessa última semana. Porque as que apareceram na minha, pelo menos, foram um verdadeiro show de horrores.

A Ludmilla esqueceu a letra do hino nacional? Engasgou, o sistema de som do autódromo falhou?

Todas as hipóteses são possíveis. Mas, a essa altura, se tornaram pra mim muito menos relevantes do que a repercussão da história: uma verdadeira montanha de bobagem que li e ouvi na internet depois do GP Brasil de Fórmula 1.

Aliás, para quem é fã de velocidade impossível não se impressionar.
Os haters são muito mais rápidos – e implacáveis – do que qualquer piloto da F1, mesmo nos melhores dias. Coisa de 10 minutos depois do hino cantado pela Lud na abertura em Interlagos a internet já estava lotada de milhares de ferozes patriotas defensores da bandeira brasileira (contém ironia) hasteando nas redes sociais um patético repertório de misoginia, preconceito racial, cultural e tudo que o ‘anonimato’ da web é capaz de amplificar.

Rolou no meu feed (que considero composto por pessoas minimamente sãs) colega jornalista cantando o hino nacional em tom de chacota só pra aproveitar a trend; político famoso em São Paulo apontando o momento da falha na apresentação pra tirar o mérito da funkeira – e até do funk em si – em estar ali na posição de honraria; e até “gente de bem” postando essa belezura de texto aqui: “Se a letra do hino fosse ‘dá uma sentadinha’ a Lud não esqueceria de jeito nenhum”. Bom, o nível das análises foi daí pra baixo.

Tão baixo que nem o proibidão mais sacana do morro carioca seria capaz de alcançar.


Toda a comoção em torno do caso me fez pensar sobre a nossa responsabilidade enquanto propagadores de informação boa e construtiva. Ou rasa e destrutiva. E aqui eu nem estou levantando o tema das fake news, que é outra questão ainda mais séria.

O que estou falando é da oportunidade que temos, todos os dias, de disseminar nas nossas redes sociais temas positivos, relevantes e que contribuam de alguma forma para o fortalecimento da comunidade digital com a qual nos relacionamos, e onde passamos horas e horas da nossa vida. Todos os dias, sem nem imaginar o bem que podemos fazer ali dentro.

Pensa comigo, eu APOSTO que hoje mesmo você experimentou no seu dia alguma situação, por mais singela e corriqueira que tenha sido, que se divulgada na sua rede social poderia trazer algum afago emocional, um bom pensamento que seja, na vida de alguém. A notícia de um amigo que se recuperou de uma doença, uma decisão certa que você tomou, uma conquista do time no trabalho, um abraço apertado que ganhou de alguém, sei lá!

Qualquer conteúdo bacana que comunique o bem, que não sirva apenas para diminuir o outro, e que alguém em algum lugar da sua bolha possa olhar, sentir e pensar: “Que legal, melhorou meu dia”.

Se as pessoas fizessem mais coisas assim, já pensou que ambiente saudável a internet passaria a ser? Mas então por que não é?

Porque quem produz conteúdo no mundo online aprende muito rápido que ignorar temas que estão bombando – como a Lud ‘esquecendo’ o hino nacional – para abordar assuntos mais relevantes e construtivos fora da trend provavelmente lhe fará ‘flopar’ no quesito likes.

E, hoje em dia, nós (e nossa insegurança) somos praticamente reféns dessa palavrinha americana que se mudou pro Brasil sem passagem de volta.
Quem nunca viveu a experiência agonizante de criar aquele videozinho no capricho, cheio de amor e carinho, e depois ver com frustração ele ganhar meia dúzia de curtidas? Sendo três delas do melhor amigo, da namorada e da mãe. Eu já e admito que, sempre que isso acontece, minha primeira reação, quase que imediata, é sentir um desconforto e uma vontade de falar nas redes sobre alguma coisa que tá rolando por aí e, assim, pleitear os likes que eu preciso pra satisfazer a minha vaidade.

Mas aí eu me lembro que nem sempre o que “tá rolando” na internet é o que todo mundo deveria ver. Aliás, raramente. O algoritmo é implacável, multiplica a nossa ignorância e não tem filtro de qualidade.

Mas nós podemos – e devemos – ter.

Me desculpe a ousadia, mas se os 20 segundos de silêncio da Ludmila na abertura da Fórmula 1 fazem mais barulho no seu feed do que os gritos de socorro das crianças palestinas – para citar só um assunto infinitamente mais importante – preciso te contar: por aí, no seu universo digital, os haters e a turma da lacração vazia estão liderando com folga essa corrida.

Mas se vão cruzar a linha de chegada e ganhar lá no final... cabe a você decidir.

** Teo Taveira é jornalista, produtor de conteúdo, dono de agências de publicidade, consultor de estratégias de comunicação storytelling e professor de oratória. Foi repórter e apresentador nas principais emissoras do país até deixar a última redação para, então, mergulhar no empreendedorismo e na rotina da produção audiovisual.

    Mais Recentes

      Comentários

      Clique aqui e deixe seu comentário!