Investindo com as bruxas
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Investindo com as bruxas


“Sell May and Go Away” . Este deve ser dos ditados mais famosos do mercado financeiro norte-americano, significando que o investidor deveria vender suas posições em bolsa no final de abril. A origem desse ditado é incerta, mas o seu significado é amplamente conhecido: por algum motivo, a  bolsa estaria sob pressão de forças esotéricas no período de 6 meses começando em maio, e somente voltaria a ter boa performance a partir de novembro. Ou seja, no dia seguinte ao Dia das Bruxas. Portanto, uma estratégia vencedora para operar a bolsa seria vender todas as posições no dia 30 de abril e voltar a comprar no dia 31 de outubro, o Halloween , ou Dia das Bruxas . Será?

Fiz uma simulação simples com o índice S&P500, que mede a performance da bolsa de Nova York, desde o seu início, em 1957. Considerei duas aplicações: a primeira permanece investida na bolsa entre maio e outubro de cada ano, e aplica em um título do tesouro de seis meses nos outros meses; a segunda, ao contrário, investe na  bolsa entre novembro de um ano e abril do ano seguinte, e aplica em um título do tesouro de seis meses na outra metade do ano. Chamaremos a primeira estratégia de Gato Preto (aquele que acompanha as bruxas) e a segunda de Gato Angorá.


O resultado não poderia ser mais contundente: enquanto a estratégia Gato Angorá (aquela que põe em prática o dito “sell May and go Away” ) tem um retorno de 8,45% ao ano, a estratégia Gato Preto (aquela que brinca com a sorte) tem um retorno de apenas 3,33% ao ano nesse período de 66 anos. O retorno de um investidor que ficou aplicado na bolsa americana em todo esse período foi de 7,28% ao ano. Para você entender exatamente a diferença entre as duas estratégias, 100 dólares aplicados no Dia das Bruxas de 1957 teriam se transformado em 21.156 dólares na estratégia Gato Angorá e apenas 870 dólares na estratégia Gato Preto. Parece mesmo que as bruxas estão soltas!

E para o Brasil, será que a estratégia “sell May and go away” funciona? Fiz exatamente o mesmo exercício para o Ibovespa desde outubro de 1994, primeiro ano do plano Real. Ou seja, a estratégia Gato Preto aplica na bolsa entre maio e outubro, permanecendo no CDI nos meses restantes, enquanto a estratégia Gato Angorá faz o inverso. Os resultados? Nos 29 anos dessa simulação, a estratégia Gato Angorá deu um retorno de 19,2% ao ano, ao passo que a estratégia Gato Preto rendeu apenas 7,9% ao ano. Ou, R$ 100 aplicados na estratégia Gato Angorá teriam se transformado em R$16.114, ao passo que a estratégia Gato Preto teria gerado apenas R$ 898. O Ibovespa , nesse período, teve performance de 11,5% ao ano.

Esses resultados são por demais convincentes para serem ignorados. A pergunta é: se é assim tão fácil maximizar os resultados dos investimentos em bolsa , por que os investidores simplesmente não adotam essa estratégia?

Antes de tentar responder, vamos imaginar um mundo em que todos os investidores adotassem exatamente essa estratégia. Imagine todos os investidores tentando vender bolsa no dia 30/04 de cada ano. O que você acha que aconteceria com os preços das ações? Exatamente: tenderiam a virar pó. Assim, qualquer valorização posterior seria fantástica, desmentindo a regra, que diz que os investimentos são piores entre maio e outubro. O que eu quero dizer com isso? Simples: qualquer pretensa regra de negociação só funciona enquanto os investidores não a conhecem. No momento em que os investidores acreditam que existe uma regra e a adotam, a oportunidade oferecida pela regra desaparece. Chamamos a isso de arbitragem, e dizemos que qualquer anomalia de mercado (como essa regra do Halloween ) só existe enquanto os investidores não tiram proveito da oportunidade, arbitrando-a. Trata-se de um paradoxo, o paradoxo da eficiência dos mercados.

Os investidores, em sua grande maioria, não acreditam que os mercados são eficientes. Movimentos de manada e bolhas irracionais parecem corroborar a ideia de que os mercados apresentam muitas falhas, prontas a serem exploradas pelos investidores mais espertos e inteligentes. O “sell May and go away” seria uma dessas falhas. Afinal, não parece ser nada racional que o mercado tenha performance sistematicamente melhor em determinada época do ano. E, como dissemos acima, se isso fosse verdade, seria por pouco tempo, pois os investidores notariam e reverteriam essa distorção via arbitragem. Claro, sempre podemos pensar que são poucos os investidores realmente espertos e inteligentes para aproveitar as inconsistências do mercado, não em número suficiente para fazer desaparecer a distorção. Pode ser. Mas aí entra outra questão: quem são esses investidores espertos e inteligentes? Onde vivem, do que se alimentam, como se reproduzem?

Sim, conhecemos grandes investidores, que ficaram bilionários no mercado. Mas são em muitíssimo menor número do que aqueles que não conseguem se aproveitar das distorções do mercado. Comprar na baixa e vender na alta é o mantra de todo investidor. O problema é saber quando acabou a baixa ou quando terminou a alta. A regra do “sell May and go away” dá uma resposta automática a essa questão, aparentemente dispensando a expertise dos investidores espertos e inteligentes.

O problema é que o “sell May and go away” , assim como toda regra de negociação na bolsa, não é nada mais do que uma ilusão de ótica, causada pela nossa dificuldade de entender os fenômenos probabilísticos. No caso do S&P500, temos apenas 66 observações (66 anos), número absolutamente insuficiente para se concluir qualquer coisa estatisticamente válida. Nada garante que teremos o mesmo comportamento nos próximos 66 anos. Poderíamos brincar com as datas e encontrar outras “regras” igualmente curiosas, para as quais teríamos que inventar narrativas tão charmosas quanto essa do  Halloween para que ficassem famosas.

O fato é que o  mundo é caótico e imprevisível, e o mercado financeiro é somente um retrato do mundo. Fica em aberto a questão se existem investidores suficientemente espertos e inteligentes para ganhar do mercado. Enquanto isso, que tal comprar bolsa nesse  Dia das Bruxas? Afinal, eu não acredito, mas que elas existem, existem.

** Marcelo Guterman é engenheiro de produção pela Escola Politécnica da USP e Mestre em Economia e Finanças pelo Insper. Possui o certificado CFA – Chartered Financial Analyst. Ministrou vários cursos de finanças ao longo dos últimos 35 anos, incluindo Gestão de Investimentos no programa do MBA de Finanças do Insper. Atuou em várias multinacionais de administração de fundos de investimento nas últimas décadas, como gestor de recursos e especialista de investimentos. É autor dos livros “Finanças do Lar” e “Descomplicando o Economês".

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