Na última reunião do ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BCB) decidiu, por unanimidade, aumentar a taxa Selic em um ponto percentual. Para referência, na reunião anterior, o aumento tinha sido de meio ponto percentual. O que será que levou o colegiado a acelerar o ritmo de aperto nos juros?
De acordo com o comunicado divulgado, a entidade monetária considera que o ambiente externo está mais desafiador. Conforme já havia sido amplamente discutido, a “última milha” da convergência da inflação pós-pandemia em diversas economias tem sido a mais custosa. Adicione a isso expectativas acerca do viés inflacionário das políticas nos EUA com a eleição de Donald Trump e surge um vetor de pressão altista nos preços. Mas, no final do dia, o grande fator por trás de decisão é doméstico. Em um cenário assimétrico, conforme expresso no comunicado, equilibram-se no campo dos riscos de alta as expectativas desancoradas (o próprio BCB projeta inflação de 4,5% em 2025 e 4% nos doze meses acumulados até o final do segundo trimestre de 2026), o hiato do produto mais positivo (pressionando a inflação de serviços) e as políticas econômicas que acarretam em uma taxa de câmbio mais depreciada. Já no campo dos ricos de baixa para a inflação, há a desaceleração da atividade global e os impactos monetários sobre a desinflação global que podem se materializar mais fortes do que o esperado.
Com base nesses fatores, emerge a pergunta: faz sentido a escolhade alta na taxa Selic em decorrência da trajetória esperada para a taxa inflação? É importante frisar aqui o termoesperada: o Copom escolhe a meta para a Taxa Selic com base no que vem pela frente, considerando que os efeitos das mudanças nos juros ocorrem de forma defasada, ou seja, levam um tempo para afetarem a atividade econômica - algo como dois trimestres - e um períodoadicional para impactar a taxa de inflação - em torno de um trimestre. Voltando: a resposta para a pergunta é: depende da origem do problema. Se for um aumento de inflação decorrente de uma forte demanda agregada, as boas práticas de política monetária nos dizem que o BCB deve agir tempestivamente e de maneira anticíclica, isto é, aumentar juros em momentos de economia aquecida e diminuí-los quando a mesma arrefece. Já quando há inflação que surge por uma pressão inicialmente na oferta agregada, o livro-texto indica que deve haver uma acomodação: tolerar inicialmente a taxa de inflação em um nível mais alto, ainda que incômodo, e aguardar para atuar apenas quando for necessário conter os chamados efeitos de segunda ordem, ou seja, não deixar para transbordar a pressão para muitos setores e tentar evitar que o processo inflacionário se consolide de forma mais permanente.
E afinal, qual é a origem da pressão inflacionária?
Iniciemos a inspeção de maneira mais simples: para identificar choques na demanda agregada e na oferta agregada, é útil a seguinte regra de bolso: no primeiro caso, o hiato do produto e os desvios da inflação em relação à meta costumam ir na mesma direção (ou seja, ambos sobem ou ambos descem), ao passo que no segundo caso, após choques na oferta agregada, hiato do produto e desvio da inflação andam para direções opostas. O que tem acontecido é que o hiato está mais apertado de acordo com o BCB, isto é, está mais positivo (a produção está acima do potencial, aquele nível de referência que não gera nenhum desequilíbrio interno nem externo) e a inflação acima da meta. Ambos na mesma direção, portanto. Ou seja, tem cara de um choque de demanda. (Obviamente, pode haver mais de um choque; o ponto é quem é mais forte em termos relativos).
Podemos ir além e adicionar certo rigor à análise. Para isso, estimei um modelo econométrico e simulei o comportamento da taxa de inflação acumulada em quatro trimestres em dois cenários: com predominância dos choques de demanda e com predominância dos choques de oferta. A diferença entre os cenários e os valores observados nos dizem qual é a estimativa para a fonte relativa de pressão nos preços. Para aqueles já iniciados em Economia/Econometria, vou detalhar o procedimento nos próximos dias na minha newsletter. De acordo com o modelo, se tivéssemos apenas choques de demanda, a inflação acumulada em doze meses, ao final do terceiro trimestre deste ano, teria sido de 5,15%, acima do nível observado de 4,33%. Ou seja, isso corrobora com a hipótese que levantei apenas ao observar o comportamento do hiato e do desvio da inflação: parece que há uma pressão na demanda agregada mais forte do que na oferta agregada para elevar a taxa de inflação. (Apenas com choques de oferta, a inflação ainda estaria maior do que o observado, em 4,95%, mas abaixo da simulação apenas com choques de demanda; isso ocorre porque o modelo considera os efeitos defasados das variáveis, então o passo é importante, não apenas o choque em si em cada momento).
Com essa origem, faz sentido o BCB atuar. Mas e a preocupação da entidade monetária com a atividade econômica? Ela é crucial e está na lei que rege a independência do Banco Central, mas não é uma restrição ao ciclo de alta neste momento. Por quê? Porque para qualquer estimativa razoável de níveis “naturais” para a taxa de desemprego, o mercado de trabalho se mostra mais aquecido (não é à toa o hiato está mais positivo). Portanto, parece fazer todo sentido que o Copom siga no aperto monetário.
Mas e acelerar?
Faz sentido também. Não deveria ser novidade para ninguém que a taxa de inflação ficaria em um nível incômodo neste ano. Venho alertando isso desde fevereiro deste ano, com projeções indicando que a trajetória de alta ainda não chegou ao fim, ainda que o próprio mercado financeiro tenha demorado para perceber esse cenário. Aliás, conforme divulgado nesta coluna (aqui), o dólar acima de R$ 6 também já era um cenário considerado, ao menos por este escriba. Esses pontos reforçam pressões na taxa de inflação que devem ser equacionadas. Se houver mudança de fato na política fiscal, o fim do ciclo pode se antecipar. Mas até lá, o Banco Central vai ter que brigar para trazer a taxa de inflação para perto da meta.