As eleições à presidência dos Estados Unidos têm impactos relevantes na dinâmica de diversos países. Não é à toa que os agentes prestam muita atenção a cada novidade. O mercado financeiro não é diferente. Sendo uma “máquina” de coletar e processar informações, os preços dos ativos respondem a alterações no discurso e nas intenções de votos, bem como nos programas e nas perspectivas para a economia e a geopolítica. Isso significa que alterações nesses e em outros pilares podem resultar em mudanças nos preços dos ativos. A pergunta é: como?
Responder a essa pergunta é uma tarefa hercúlea, mas eu me propus ao desafio. Para isso, considerei os dados do site Predict It que são decorrentes das apostas em qual candidato vencerá a eleição. A ideia é que o preço do contrato seja definido com base na probabilidade de eleição atribuída pelo mercado. Exemplo: se há 60% de probabilidade de um candidato vencer, como o contrato paga um dólar caso isso se materialize (e zero no cenário contrário), o valor do contrato a ser negociado será de 60 cents (aos já iniciados, ele será decorrente do valor esperado do contrato). Se a probabilidade cair para, digamos, 57%, o novo valor de equilíbrio deverá ser de 57 cents. Assim, utilizei os preços do contrato que paga caso Donald Trump saia vencedor como uma “proxy” para as probabilidades de reeleição e fiz a seguinte pergunta: Será que a entrada de Kamala Harris na disputa presidencial alterou a forma como a probabilidade de vitória de Trump afeta as taxas de câmbio internacionais, os títulos do governo dos EUA, a bolsa americana e o preço do petróleo?
Por meio de um modelo econométrico que considera a possibilidade do impacto das mudanças da probabilidade de vitória de Trump nos preços de alguns ativos variar ao longo do tempo,utilizei dados diários e estimei o que acontece quando há um aumento nos preços dos contratos (para os interessados, eu vou explicar nos próximos dias um pouco mais sobre o método e apresentar alguns resultados extras aqui) .
Considerei as taxas de câmbio da África do Sul, Argentina, Australia, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Zona do Euro, Hong Kong, Índia, Japão, México, Peru, Tailândia e Turquia, bem como os preços do petróleo (WTI), um índice para a bolsa dos EUA (S&P 500) e as taxas de juros de títulos de três meses emitidos pelo tesouro norte-americano.
O que acontece no mercado de câmbio quando a probabilidade de vitória de Donald Trump aumenta? Como a taxa de câmbio é definida como um preço relativo (por exemplo, quantas unidades da moeda doméstica preciso para comprar uma unidade da moeda estrangeira), mesmo que em uma análise mais simples possamos imaginar cenários nos quais exista uma depreciação de uma dada moeda, o que precisamos considerar é a resposta não só dela frente à outra, mas frente a uma cesta de moedas. Por exemplo, imagine duas moedas, A e B, cujas taxas de câmbio são definidas em relação à uma terceira moeda, C. Assuma que ambas percam valor em relação à moeda C quando a probabilidade de Trump vencer cresce. Se a moeda B perder valor do que a moeda A, é possível que o efeito líquido para a moeda A seja de fortalecimento em termos relativos, isto é, a taxa de câmbio A por B diminui. Esse era o caso do dólar canadense antes da entrada da Kamala Harris na disputa.
Em grande parte da amostra analisada (dados entre janeiro e setembro deste ano), o impacto líquido no próprio dia de um aumento na probabilidade de reeleição de Donald Trump em um índice de taxa de câmbio calculado pelo Bank for International Settlements (BIS) considerando uma cesta de 64 economias era negativo (ou seja, o que acontecia era uma apreciação da moeda canadense). No entanto, algum tempo após a entrada de Harris na disputa, o efeito mudou de sinal: quando há uma chance maior de Trump ganhar, a moeda canadense perde valor. Curiosamente, o oposto ocorreu com o Baht tailandês: antes de Kamala a probabilidade da eleição de Trump percebida pelo mercado crescer depreciava a moeda, ao passo que, após a mudança na disputa, a moeda do país acaba se fortalecendo frente às demais.
E para o real? Não parece ter tido muito efeito. Um pouco antes de Kamala Harris entrar na disputa (bem como em meados de janeiro e começo de fevereiro), a maior probabilidade de Trump ser eleito enfraquecia a moeda brasileira frente aos seus pares no dia que isso ocorria, mas em grande parte da mostra (antes e depois de Biden deixar a disputa), o efeito, potencialmente contraintuitivo, é que a moeda ganha valor relativo. Ou seja, mesmo que o real frente ao dólar deprecie com uma maior probabilidade de Trump ser eleito, esse movimento é, em média, inferior ao comportamento de outras moedas que possam perder valor também, o que torna o real mais forte em termos relativos (à cesta de 64 economias, é bom lembrar).
E o que acontece com a bolsa dos EUA? Também não apresentou grandes alterações. Em grande parte da amostra (excluindo quando se aproximava a troca na candidatura Democrata e logo após, quando os efeitos negativos no S&P foram bem intensos), em geral, o efeito é positivo. O mesmo ocorreu com o preço do petróleo: Trump aumenta o valor do barril no mundo, cujos efeitos inflacionários estão associados ao seu impacto também positivo nas taxas de juros norte-americanas: elas sobem quando Trump sobe.