O pós-pandemia se mostrou inflacionário em diversos países do mundo e no Brasil não foi diferente. A inflação acumulada em 12 meses, quando medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), chegou a atingir 12,13% em abril de 2022, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia a Estatística (IBGE) disponibilizados pelo Banco Central do Brasil (BCB). Já em abril de 2023, o acumulado em 12 meses se encontrava em 4,18% e não seguimos muito longe disso depois. Para ter uma referência, a última leitura do índice em janeiro deste ano mostrou um acumulado de 4,51%. É, portanto, uma desinflação impressionante e que pode ser vista no gráfico abaixo.
Em que pese ainda existir uma discussão sobre os motivos por trás desse movimento e da maneira mais branda como a atividade econômica se comportou no período (para mim, os dois movimentos são explicados, em grande parte, pela dinâmica dos choques de oferta ), a perspectiva de diversos agentes da economia, sintetizada na última leitura disponível do Relatório Focus do dia 2 de fevereiro é de que em 2024 a inflação se consolide baixa (3,81%) e assim se mantenha nos anos seguintes (3,5% para 2025, 2026 e 2027). Estou cético quanto ao cenário para 2024.
Já sabemos que no mês passado, a taxa de inflação veio acima do esperado e com uma composição não muito favorável. Eu não sou daqueles que acham que os cenários devem ser alterados considerando apenas um mês. Surpresas podem ser revertidas.
Com o benefício da dúvida, portanto, verifiquemos o que implica essa projeção mediana de 3,81% para este ano. Ela é equivalente à uma taxa de inflação média entre fevereiro e dezembro deste ano igual a 0,302% (há quem diga que economistas utilizam previsões com casas decimais para mostrar que têm senso de humor; imagine com três casas). Quão provável é isso?
Ao considerarmos o histórico desde janeiro de 2004, isso significa estar mais ou menos meio desvio-padrão do comportamento médio para cada mês registrado no período. Possível? Claro. Provável? Tenho as minhas dúvidas.
Vamos sensibilizar um pouco esse cenário.
Vamos considerar a minha projeção para a taxa de inflação de fevereiro de 0,72% (acima do Focus) e meio desvio-padrão abaixo da média de cada mês desde 2004 para os demais meses (março-dezembro). Chegamos, assim, em uma inflação acumulada de 4% em 2024.
Mas será que faz sentido olhar desde 2004? Vamos restringir a amostra para 2016-2019 (excluindo, assim, o conturbado período da pandemia e a recuperação após a mesma, bem como outros episódios recessivos como a crise de 2008 e a depressão de 2014-2016). As médias para cada mês são mais baixas do que na amostra de jan/2004-jan/2024, mas ainda assim, chegaríamos em uma inflação de 4,17% para 2024 (ou 4,39% com a minha projeção para fevereiro).
Importante lembrar que a meta de inflação perseguida pelo BCB é de 3% com um intervalo de tolerância de +/- 1,5 ponto percentual. Ou seja, é possível (para mim, provável) que em 2024 o flerte da taxa de inflação seja muito mais próximo do limite superior da tolerância do que um olhar em direção à meta.
Por isso, avalio com cautela as expectativas de uma inflação abaixo de 4% ao ano para o Brasil de 2024. Os meus modelos econométricos apontam valores acima disso, mesmo quando projeto subitens do IPCA separadamente e depois agrego as projeções. Espero estar errado. Mas se eu não estiver, o espaço para queda da taxa pode ser menor do que alguns agentes imaginam . Acompanhemos.