Como os riscos geopolíticos afetam a inflação?
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Como os riscos geopolíticos afetam a inflação?


Em janeiro deste ano, não faltaram artigos de jornais e revistas elencando os principais temas a serem monitorados em 2024. A maior parte dos itens (ao menos nos artigos que eu li) ressaltava algum tema geopolítico, como a guerra na Ucrânia ou a que ocorre entre Israel e o Hamas, por exemplo. Além disso, o mundo ainda se encontra em um processo desinflacionário, cujas taxas de inflação de diversos podem vir a testar a perseverança dos banqueiros centrais nos metros finais da corrida em busca da meta.


Com o pano de fundo descrito no parágrafo acima, surge, portanto, a dúvida: qual é o impacto do aumento dos riscos geopolíticos na taxa de inflação no Brasil? Emergem, naturalmente, duas hipóteses. Primeiro, o impacto seria positivo, isto é, o aumento dos riscos geopolíticos leva à um aumentoda taxa de inflação. Por quê? O mecanismo seria o seguinte: aumento dos riscos geraria uma fuga de capitais. Para retirar os recursos do país, o investidor tem que vender a moeda doméstica e comprar a moeda internacional (o dólar, por exemplo). A depreciação da taxa de câmbio torna os insumos mais caros, assim como os preços dos concorrentes, combinação que deixa espaço para aumento de preços por parte das empresas nacionais. Portanto, câmbio para cima e inflação também, ao mesmo tempo que atividade econômica arrefece, como em um choque de oferta .

Alternativamente, o aumento dos riscos poderia gerar insegurança, o que diminuiria consumo e investimento e, com eles, a demanda agregada, o que derrubaria o PIB. Uma menor produção levaria à uma maior taxa de desemprego, o que abriria espaço para um alívio do ponto de vista dos custos do trabalho, fator de produção relevante para diversos setores. Ao mesmo tempo, no entanto, haveria uma perda de receita por parte das empresas. Essa combinação (queda nos custos e nas receitas) poderia incentivar as firmas a diminuírem preços ou, ao menos (e mais precisamente), a desacelerarem o ritmo de aumento deles (lembre-se que queda da inflação não é o mesmo que queda nos preços). Em suma, aumentam os riscos, cai a taxa de inflação, efeito parecido com o que se espera de um choque de demanda.

Qual dos dois prevalece?

O trabalho para discussão de Dario Caldara, Sarah Conlisk, Matteo Iacoviello e Maddie Penn pode nos dar uma pista. Em “Do Geopolitical Risks Raise or Lower Inflation?”, os autores utilizam (e estendem) índices de risco geopolítico criados com base em palavras-chave presentes em artigos de jornais de diferentes países que parte deles havia publicado em trabalho anterior, na American Economic Review em 2022 (intitulado “Measuring Geopolitical Risk”).

O gráfico abaixo utiliza os dados disponibilizados pelos autores. Nele, podemos verificar que os riscos geopolíticos no Brasil diminuíram recentemente, mas chegaram recentemente a atingir o maior patamar desde janeiro de 2000.

O gráfico
Reprodução
O gráfico


E qual a associação com a inflação no Brasil? Considerando as variações mensais do IPCA, calculada pelo IBGE, podemos verificar que há uma correlação negativa com base na amostra entre 2000-2023.

Riscos geopolíticos
Reprodução
Riscos geopolíticos


Poderia haver, portanto, certa prevalência do “canal de demanda” através do qual os riscos geopolíticos impactam a taxa de inflação. Digo “poderia” porque qualquer um mais versado em análises empíricas sabe que esse é apenas um primeiro passo para responder à pergunta posta neste artigo. Meus exercícios econométricos corroboram com a prevalência desse canal.

Esse resultado contrasta com a associação da taxa de inflação e o índice global de riscos geopolíticos, bem como com os resultados empíricos do artigo supracitado. Ao considerarmos essa outra variável, o sinal da correlação se altera, como podemos ver no gráfico abaixo.

Gráfico
Reprodução
Gráfico


Em suma, como é comum nas respostas nas Ciências Econômicas, o impacto dos riscos geopolíticos na inflação depende da origem desses riscos. Aumentos de caráter doméstico estão associados à queda da inflação, ao passo que quando isso se dá no ambiente externo, o efeito é inverso e há uma alta.

Sendo assim, se o mundo se tornar ainda mais arriscado em 2024, pode ser que a inflação tenha dificuldade em ceder ainda mais, o que deixará o trabalho do Banco Central do Brasil ainda mais hermético. Para entendermos a inflação no Brasil, não adianta só olhar “para dentro”. Precisamos também entender como se comportará o mundo. E ele está cada vez mais desafiador.

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