Embraer, Banco do Brasil, Petrobras, Eletrobras e Vale
Reprodução/Marcelo Camargo/Agência Brasil
Embraer, Banco do Brasil, Petrobras, Eletrobras e Vale


Dia desses, estava tomando um café (coador de pano) com meu amigo Aldemir Bendine, que foi presidente do Banco do Brasil e da Petrobras . Falávamos sobre os rumos do Estado Brasileiro, que, de vez em quando, é alvo de muita polêmica. E de como as chamadas Estatais tiveram peso nas políticas de desenvolvimento econômico.


Daí surgiu a ideia de estabelecer uma comparação de algumas trajetórias. Resolvi expandir essas ideias neste artigo, por minha exclusiva responsabilidade, abordando cinco casos que conheço um pouco mais que o óbvio. Incompleto e rasteiro eu sei que é, mas espero que ajude a pensar.

Sempre lembro que em 1972 a China recebia a visita do bruxo Henry Kissinger e, dentro de um planejamento meticuloso, reatava relações diplomáticas com os EUA. Hoje, passados 50 anos, a China disputa com os EUA a primazia do comércio mundial. A Índia recentemente pousou na Lua. A Rússia se modernizou e fornece energia para toda a Europa. E o Brasil? Temos falhado no desafio do desenvolvimento econômico . Aqui tento passar da indignação para a reflexão.

1. A Embraer nasceu em 1969 sob comando de Ozires Silva. Alguns de seus aviões fizeram muito sucesso, como o Bandeirante e o Tucano. Seu papel na estratégia desenvolvimentista era claro: o crescimento de um país imenso como o Brasil exigiria aviões. Não havia erro nesse cálculo: chegamos em 2023 a 10 mil jatos executivos e a 600 aviões nas grandes rotas comerciais no país. A empresa tem atuação na área militar, com os EMB 312/314 tucano e super tucano, KC 390 Milenium e Gripen F-39, produzidos mediante transferência de tecnologia, paga pelo governo. Privatizada em 1994, para os fundos de pensão e investidores privados, vem crescendo de forma consistente. É a líder do mercado de jatos comerciais até 130 passageiros.

A empresa vale hoje US$17 bilhões, sendo a terceira maior do mundo. Esse movimento consolida a estratégia da empresa de atuar em três áreas:

a) civil, na faixa de até 130 passageiros e autonomia de 5.000 km, os E2 Jets;

b) militar, com a produção de aeronaves (muitas utilizando as plataformas dos E2 jets) e a atualização de aeronaves;

c) jatos executivos (família Phenon EX).

A privatização fez a empresa se internacionalizar, em parte pelos elevados impostos no Brasil, e parte pela política protecionista dos EUA, que exige um conteúdo local para que a empresa se qualifique a vender e a operadora a receber os subsídios legais. Sim, certas rotas são subsidiadas por lá.

A empresa tem boa articulação com o governo, sendo apoiada pelo BNDES e pelo ministério da aeronáutica. Esteve em vias de associação com a Boeing, que fracassou. Mas foi antes do fracasso do Boeing 737 MAX, cujos efeitos sobre a empresa são incalculáveis. Embora privatizada, a empresa atende um interesse estratégico do país, detendo tecnologia aeronáutica de ponta.

2. A Vale , criada em 1942, para explorar as jazidas de minério de ferro (principalmente), então limitadas a MG. A produção do aço - etapa posterior à mineração - era fundamental para o desenvolvimento industrial que se seguiu.
Com os anos, a empresa desenvolveu uma estrutura de transporte logístico de imenso valor. Seu relacionamento com o governo lhe valeu a jazida de Carajás, que originariamente foi descoberta por outra empresa, US Steel, que foi “aconselhada” por um ministro a chamar a Vale para participar. Foi privatizada em 1997, também para os fundos de pensão e investidores privados. Seu valor de mercado hoje é de 500 bilhões. É uma das grandes mineradoras do planeta, mas enfrenta, a meu critério, duas ordens de problemas:

Questão ambiental: devido aos crimes cometidos em Mariana e Brumadinho, ficou evidente que a empresa não tem qualquer prioridade para o meio ambiente.
Sua estratégia de longo prazo corre sérios riscos, pois depende dos países africanos, que têm sido alvo do assédio agressivo da diplomacia chinesa.

Sem o apoio que a presença das empresas brasileiras de Infraestrutura lhe proporcionava, e da carismática diplomacia 2003-14, derrubadas pelo lavajatismo e golpismo, coube à empresa estruturar uma alternativa, o que ela não foi capaz. A empresa derrapa vergonhosamente na forma de se relacionar com o governo, ao contrário da Rio Tinto, maior concorrente da Vale, de origem anglo-australiana.

3. A Petrobras foi criada em 1953 como empresa estatal. Com o fim do monopólio do Petróleo, em 1997, admitiu sócios privados, através de ações negociadas em bolsa, tendo seu valor estimado em 570 bilhões de dólares.
Isso leva a um inevitável conflito de interesses entre sócios privados e públicos. Enquanto os privados têm como interesse o lucro, o sócio público deve pensar nas demandas do país. Isso prejudica demais a direção da empresa. Por exemplo, a fixação de preços dos insumos que produz efeitos em toda a economia, como a nafta.

4. Já o Banco do Brasil foi criado em 1808, como banco público, e relançado em 1851, pelo barão de Mauá, como banco privado. O governo imperial começou o processo de estatização do BB em 1853, ao designar o presidente da instituição. Ao longo do tempo, ele assumiu o papel de regulador do mercado, anterior ao banco central, iniciado com a SUMOC, em 1945, e concluído em 1964 com o BC. É o banco mais importante do Brasil, que teve papel fundamental na estruturação e financiamento do agronegócio, entre outros projetos pioneiros.

5. A Eletrobras tinha o papel de viabilizar o fornecimento de energia elétrica a todo o país, o que era uma missão impossível a partir da segunda metade da década de 70, com a crise fiscal e financeira. A solução foi buscar financiamentos externos, que causaram sérios problemas nas contas públicas. A Eletrobras tem um corpo técnico de excelente nível, que garantiu a construção e operação de grandes obras. Sua privatização, muito mal feita, em 2022, distanciou a empresa de qualquer contato com o Estado, com seus novos gestores preocupados exclusivamente em ampliar suas margens.

O que se aprende dessas experiências? Se essas empresas são importantes para o país, o apoio governamental também é estratégico para elas. Claro que não da forma como esse sistema funcionava até a década de 80 (ou não funcionava), mas mitigado pela realidade atual.

Em perspectiva, cada empresa analisada tem um tipo de demanda e precisa de uma articulação com os interesses do Estado. Grosseiramente, a Vale e a Eletrobras parecem não ter conseguido estabelecer essa articulação. Isto é curioso, na Vale, pois o primeiro presidente pós-privatização foi Roger Agnelli, oriundo do Bradesco, conhecido exatamente pelo excelente nível de relacionamento com governos e alinhamento com as políticas de Estado.

A origem desse modelo de empresa está no século 16, na Europa, com a Companhia das Índias Orientais e suas congêneres, associações entre capitais privados e monarcas de diferentes calibres (Estado), que tinham como objeto social explorar as terras novas, extrair a riqueza, e também, escravizar os povos nativos.

Em nosso caso, a mais antiga empresa de economia mista é o Banco do Brasil , na versão de 1851. Nasce como banco privado num tempo em que faltavam bancos. Isso levou o governo a "conceder ao BB” uma série de prerrogativas para controle financeiro do Estado, e, em troca, assumiu paulatinamente o controle da instituição. Os sucessivos aportes de recursos públicos fizeram dele uma empresa de economia mista.

Já a Petrobras foi criada como estatal, permanecendo assim até 1997, quando foi rompido o monopólio do petróleo. Essa decisão é coerente com o momento político, mas não com o cenário econômico, pois já era previsível a divergência de interesses.

Imagino o nível de estresse que essa dualidade tenha atingido na Petrobras . Por conta dos vultuosos investimentos no pré-sal, muitos acionistas viram suas expectativas de lucros rápidos abortadas. E reagiram contra as administrações da empresa. Desde que capitais privados passaram a integrar o quadro de acionistas da empresa, essas pressões foram se multiplicando, abrangendo o refino, a distribuição e a produção de insumos (nafta, fertilizantes).

Se no caso do BB a convivência entre público e privado não tem sido alvo de grandes conflitos, na Petrobras ocorre o oposto.

Idilicamente, essas empresas poderiam representar a fusão da expertise do setor privado com a determinação do setor público ao apostar no desenvolvimento de tecnologias e produtos com forte teor de inovação. Essa política é muito usada na China, como na criação da fabricante de aviões COMAC e seu C919, jato de passageiros que concorre com o Airbus A320 e Boeing 737 next. Nesse caso, há um alinhamento de interesses ou convergência produtiva.

Não é viável considerar a adoção deste modelo no Brasil de hoje. Mas é preciso refletir sobre este tema e buscar alternativas .

Na minha opinião, deveríamos caminhar no sentido de paulatinamente diminuir a presença do Estado em setores onde uma nova e ativa regulação setorial preserve seus interesses. E onde é realmente estratégico, atuar diretamente. Seria um novo conceito de empresa estatal.

Acredito que esse alinhamento de interesses nos pouparia de episódios como a privatização da Eletrobras , realizada sem qualquer critério e que trará consequências perversas para o país.

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